CORREIO POLICIAL

 

Publicação: “Correio do Ribatejo”

Coordenação: Domingos Cabral

 

Data: 30 de Dezembro de 2011

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PROBLEMA POLICIAL

 

ELE… O TERROR NEGRO!

Autor: M. Constantino

 

Não, não estou louca. Ele voltou e há-de voltar sempre… sempre… há-de matar-me… Acreditai-me… eu conto, mas acreditai-me…

– Vivemos, eu e o meu marido, na nossa quinta de X, a cinco quilómetros da povoação. A casa é isolada, ladeada de laranjais e com um caminho empedrado servindo a estrada principal, ao longo da qual se vêem outras vivendas isoladas. Não temos criados, os trabalhadores ocasionais vão-se com o pôr-do-sol.

J., meu marido, vai duas vezes por semana jogar xadrez com H., o vizinho mais próximo, a cerca de 1500 metros ao longo da estrada. Foi num desses dias. O Inverno começara. Uma chuva miudinha chegou com a noite negra, uma noite sem lua… mas meu marido não perde a sua partida; calça as botas altas, põe um impermeável e, de chapéu caído sobre os olhos, deixa-me entregue aos meus afazeres… Virá pela noite e eu esperá-lo-ei, como sempre.

Dez horas, onze… olho através da janela a escuridão lá fora, oiço o pio do mocho… sinto um arrepio… volto-me sentindo a presença de alguém. Vou a murmurar:

– Já voltaste? – mas fico petrificada. No limiar da porta que se abre silenciosamente, uma figura alta, toda de negro, avança… quero gritar… quero fugir… o homem de negro avança e a sua mão enluvada de negro vem afagar-me o rosto branco; a sua capa lembra as asas de um morcego enorme… um monstro! O rosto é apenas uma mancha negra… avança mudamente pela casa e eu sinto-me incapaz de um só movimento, os lábios colados de terror… ELE, ele abre um armário, tira uma garrafa de Porto, bebe, voltando-me as costas, um largo trago, e estendendo-me o copo acaba derramando o líquido nos meus lábios e no queixo, pousa o copo e a mão negra vem acariciar-me os olhos… silenciosamente caminha para a porta; da sua presença ficarão apenas os ténues pingos de água no sobrado que lhe caíram da capa, a garrafa e o copo sobre a mesa… desmaio.

J. voltou, não me acredita. Limitou-se a sorrir: – “Tu bebeste, querida” – Nenhum indício da passagem d’ELE, os pingos secaram, a garrafa e o copo não têm impressões digitais. Insisto: – “Eu não bebi… não estou louca… não estou… não estou…”.

…E o homem de negro tornou… uma, duas vezes, eu sei lá… sinto que enlouqueço de terror. A porta que eu tranco quando J. sai, volto a abri-la receando que ELE deite fogo à casa… volto a abri-la para ELE entrar e em silêncio repetir os gestos das outras vezes, sem jamais deixar um indício da sua presença… apenas a garrafa e o copo inúteis…

Fomos ao médico. Grito-lhe o meu horror, suplico, choro a verdade… não estou louca…não quero estar louca, não… não… O médico encolhe os ombros e receita-me um “vin-contre”.

Comprámos, a meu rogo, um magnífico e corpulento cão polícia. Sinto que será a minha salvação. J. saiu novamente, depois dumas noites de espreita para “descargo de consciência”. E o terror voltou… a porta abriu-se como sempre, o cão rosnou prestes a saltar, mas acabou por abanar a cauda e deitar-se com o focinho entre as patas dianteiras… Fora dominado… Meu Deus, dominado… dominado…

Não estou louca! Acreditai-me. Sinto que vou morrer de terror… Aproveito o dia para escrever este relato. ELE retornará logo, eu sei! Vi agora D., a loura e linda filha do parceiro de J. vir convidá-lo em nome do pai para a costumada partida nocturna. Vi J. atirando-lhe, a brincar, um beijo na ponta dos dedos, mas que importa? O terror negro deixa-me incapaz de lutar…

Oito… nove…dez horas! J. saiu com um olhar de comiseração, depois de me esconder todas as garrafas. Eu não bebo, meu Deus, eu não bebo… Apago a luz. O vidro da janela atulhado de neve, que deixou agora de cair, reflecte a lua ternamente… Tapo-a, procurando a segurança da escuridão… Sinto, mais do que vejo, a porta abrir-se… e o medo avança… avança… a luva negra vem tocar-me o rosto… e grito pela primeira vez! Um grito que é um desabafo incontido… Eu não estou louca… não estou louca… posso agora provar a presença do terror negro!

 

Pergunta-se:

a) Qual o pormenor que pode provar a presença do terror negro?

b) Pode dar uma ideia de quem seria ou o que seria o terror negro?

 

SOLUÇÃO

 

 

© DANIEL FALCÃO