Publicação: “Detective” Data: |
SOLUÇÃO
DO PROBLEMA POLICIÁRIO O MISTÉRIO DA LETRA Z Autor: Aguiar de Oliveira 1º –
Arnaldo Silveira suicidou-se. Portanto os interrogados não lucravam em
mentir, embora apenas Fernando Lopes tivesse fornecido explicações completas,
visto que os outros não se referiram às relações de Emília Silveira com José
Garcia. 2º – O
industrial Silveira traçou a letra Z para lançar suspeitas do crime sobre
José Garcia. Das
declarações de Emília Silveira destaca-se o facto de José Garcia ter sido, ao
longo da vida, companheiro do marido. Estudaram juntos e ambos cursaram
medicina. Depois continuou íntimo do casal sendo recebido “sem a menor
cerimónia e considerado pessoa de família”. É,
assim, natural que, como o fazem as pessoas de família do “José”, o tratassem
por “Zé”. É, aliás, a sina de todos os “Josés”. Estando
a morrer é lógico que Silveira tentando deixar indicações relativas ao
criminoso – se o houvesse – recorresse ao expediente de, com os dedos
molhados na tinta que entornara ao cair sobre o tampo da secretária, traçar o
nome a que se habituara e, além disso, mais fácil seria de completar. Apenas
duas letras – Z e – e ninguém poderia hesitar a respeito da verdadeira
identidade do assassino. Mas
Arnaldo Silveira levou mais longe a sua subtileza. Certo de que aos nomes dos
outros não poderia adaptar-se a sua indicação, escreveu somente um Z, como se
lhe tivesse faltado o alento para terminar. Era já suficiente acusação. 3º – Foi
ainda a letra Z que lançou o “detective” na
verdadeira pista: o suicídio! O médico
esclareceu – e a autópsia e análise do “whisky” confirmaram – que o veneno
produzira morte instantânea. Era impossível nestas circunstâncias, que o
industrial tivesse tempo, depois de ingerir o poderoso veneno, de estabelecer
um raciocínio e traçar “com perfeição” a letra acusadora. E como
adivinharia quem o envenenara? Se o soubera não teria absorvido o “whisky”,
tanto mais que este exalava um pronunciado cheiro. Deduz-se,
pois, que Arnaldo Silveira escrevera o Z antes de morrer, a menos que, no
caso de José Garcia ter sido o envenenador, este o desenhasse com os dedos do
morto antevendo que a polícia, conhecendo os efeitos instantâneos do veneno,
fosse levada a acreditar num suicídio e que se pretendesse fazer recair sobre
ele, José Garcia, culpas de crime. Mas isto seria muito arriscado e a
hipótese desfaz-se recordando que o médico ao chegar 10 minutos depois das 23
horas declarara que a morte ocorrera “não havia mais de meia hora” – ou seja
às 22 horas e 40 minutos. Sabia-se
que José Garcia, enquanto permanecera com o industrial, lhe servira, a seu
pedido, um copo de “whisky” – provavam-no as impressões digitais. Tendo
Garcia regressado à sala pelas 22 horas e 15 minutos, donde não saíra até à
descoberta da morte, não se pode admitir que Arnaldo Silveira – que bebia
desorientadamente nos últimos tempos devido ao mau caminho dos seus negócios
– esperasse pelo menos 35 minutos para ingerir o “whisky”, principalmente
numa ocasião em que um relatório pormenorizado o informava da sua ruína
progressiva. 4º –
Arnaldo Silveira estudara medicina e possuía uma fábrica de produtos
químicos. Quem, melhor do que ele, poderia saber o efeito da droga e teria
maior facilidade em adquiri-la? Não fora
ao acaso que escolhera um veneno somente conhecido de pessoas versadas em
medicina. Dessa maneira desviava as atenções para José Garcia que também
cursara medicina. O
industrial encontrava-se à beira da falência. Nada o poderia salvar. Optou
pelo suicídio como único meio de se livrar de responsabilidades. Sabedor das
relações existentes entre José Garcia e a sua esposa, excitado pela traição
do antigo condiscípulo e amargurado por ao outro a vida sorrir – mesmo nos
negócios em que estava a fazer uma bela carreira – enquanto ele via à sua
volta mentira e ruína, resolveu deixar indícios que comprometessem José
Garcia, certo de que os investigadores descobririam razões suficientes para o
inculpar. Convidou
Garcia a acompanhá-lo ao escritório, pediu-lhe que lhe servisse “whisky”,
julgando perdê-lo irremediavelmente. Organizou depois toda a “mise en scène”. Quedou-se, por
minutos, a rever o passado e a imaginar a perdição do rival. Lançou o veneno
no copo e cobriu-o de “whisky”. Voltou os tinteiros. Encharcou os dedos em
tinta e traçou, com perfeição, o Z. Pegou no copo com a mão esquerda, para o
não sujar de tinta, e bebeu-lhe o conteúdo de um trago. Tombou pesadamente
sobre o tampo da secretária. Morrera como se um raio o houvera fulminado. |
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©
DANIEL FALCÃO |
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