CLUBE  DE  DETECTIVES

 

TORNEIO JARTUR MAMEDE

Problema nº 2

 

 

Solução de:

 

UMA LÁGRIMA NO ROSTO DA RAINHA…

Autor: L. S.

 

O elemento fundamental inserido na roupagem do problema veículo “despoletador”" da descoberta da verdade reside na discrepância do que se diz e não poderia ser dito por ser somente do conhecimento dos investigadores e do bilheteiro da Estacão da CP. Para além deles só estaria ao alcance dos autores directos ou indirectos (cúmplices) do acto criminoso!

A – Assim, temos o autor material do crime – dr. Joaquim Gonçalves! Diz a certo passo “…mas agora não vejo como se pode concretizar o negócio com o desaparecimento da pasta com os papéis…” Como poderia ser do seu conhecimento terem a pasta e os papéis desaparecido se no texto, na sua esfera pessoal, nada, nem ninguém se menciona como sendo o transmissor de tal informação a ele mesmo, Joaquim Gonçalves? A notícia da morte do doutor Santiago é-lhe fornecida pelo Jorge dos Pensos apenas dela ter ocorrido nessa manhã na Estação Nova da CP… Sem acrescentar qualquer outro dado.

B – Cumplicidade moral clara com o seu colega de escritório, também estagiário, dr. Robalo Cordeiro, quando JG refere “ter a morte do doutor os deixado (aos dois) profundamente consternados e desorientados” quando de seguida RC chegando ao escritório na altura em que o Inspector M já ali se encontrava, pelas 15h15, mais de 8 horas depois da morte do patrono e pelo que revelara, depreendia-se, estivera toda a manhã nas Finanças…, não ter revelado tal estado de espírito específico. Como é que igualmente estaria consternado e desorientado? Dialogaram pelo telemóvel? Assumiram a consternação dessa forma? Onde está a referência ao diálogo entre ambos nessa manhã? O que se ouve da boca de RC unicamente aponta para alguém anónimo, na repartição de Finanças, o ter colocado a par, de uma forma genérica com certeza, da morte acontecida. Porque não abandonou as finanças no tempo útil logo a seguir ao conhecimento da notícia, a inteirar-se, quando o morto tinha o peso que tinha na sua vida profissional? Comportamento muito estranho e suspeito…

C.1 – A única testemunha “ouvinte” – coloquemos a coisa nestes termos – de alguém a caminhar para os lados da WC naqueles minutos antecedendo a morte do doutor Santiago, existe e chama-se Apolinário dos Anjos, é o “nosso” vagabundo. Descreve ter ouvido na sua sonolência, claramente sem se encontrar em sono profundo tal como o texto nos indica ao mencionar “remoendo os maxilares qual bovino mastigando”, no bater de uns passos irregulares do género tap-tloc – embora por figura de estilo o autor o ponha a mencionar no imponderável de não assegurar se realmente teria ouvido ou fora confundido no “estertor” do sono… Pois bem, aparentemente apresenta-se como um elemento com alguma solidez pois ajusta-se a alguém se movendo a coxear – dois sons distintos tap e tloc – e a movimentar-se para lá e para cá! Ora, a vítima, o doutor Santiago, só foi para lá e já não veio para cá, a empregada de limpeza foi para lá e ali ficou até ao seu grito vir a alertar todas as pessoas da Estação A naquele momento…, logo, há que equacionar, inevitavelmente, em sons produzidos pelo homicida. Assim sendo, então, seguiu para a WC, consumou o crime e regressou no sentido inverso, dirigindo-se à saída da estação… Sobre essa característica, podemos afirmar com margem de segurança, até para clarificar todos esses pormenores, o doutor Santiago, como o texto refere, ia seguindo no “seu passo suave e compassado” e “bamboleante” atribuída à observação feita ao dr. Joaquim Gonçalves pelo Inspector quando aquele se dirigiu à máquina a servir os dois cafés. Este coxear encaixa em perfeito na definição do som ouvido pelo vagabundo. Indício a fortalecedor da dedução sobre a autoria do homicídio.

C.2 – E, na mesma ordem de ideias, outro indício se perfila recaindo sobre JG quando o texto nos refere “…um golpe (de faca, navalha ou punhal) executado por mão experiente e sabedora…” vindo nós a saber através do narrador ter andado ele na sua adolescência (e até ao momento em que veio para Coimbra tirar o seu curso…) a ajudar o pai como magarefe – aquele que mata ou esfola reses – concluímos na probabilidade dele haver sacado daí conhecimentos específicos para poder atingir um órgão vital com objecto corto-perfurante de forma a causar uma morte rápida e eficaz.

C.3 – O facto do corpo não ter apresentado qualquer outra ferida ou contusão quando foi observado no IML, igualmente, levava o investigador a considerar ter sido retirada a corrente sem violência do pulso do cadáver do doutor Santiago quiçá sendo utilizada a própria chave que ele deveria levar consigo ou mesmo com algum duplicado existente no escritório, por conseguinte, nada tendo a ver com um roubo vulgar como o criminoso nos parece querer encaminhar. Contudo, não só pelo desaparecimento da pasta como pela carteira largada na aba do casacão do vagabundo – e tais declarações do vagabundo parecem, assim, ter algum acolhimento como verdadeiras – se observa ser o conteúdo da pasta a razão fundamental para ter ocorrido aquela morte. Se tivesse sido o roubo de dinheiro ou valores facilmente fungíveis, o verdadeiro objectivo a atingir, não teria sido deixada ali a carteira mas ficaria certamente a pasta.

Quem sabia da existência de tais papéis, onde eram transportados, a sua importância e a quem interessariam…? Naturalmente aos dois estagiários! Sabiam o real valor do que estava em causa. É óbvio que a investigação dos homens da PJ se iria virar para Lisboa nos dias seguintes e alguém se plantaria na sede da Comissão de Valores Imobiliários de forma a poder detectar quem se apresentava a registar tão valiosos papéis. O que se ia passar a seguir, adivinha-se…

Quanto ao despiste de eventual suspeita da autoria da morte por parte do referido vagabundo, Apolinário dos Anjos, utilizando a navalha de ponta e mola…, o exame de vestígios biológicos à mesma faria a sua exclusão ou não, bem assim como o exame detalhado do golpe, sua profundidade, extensão e latitude.

A intervenção do vagabundo aparentemente no fulcro da questão pelas razões aduzidas atrás e também como cortina de fumo para despiste de alguns incautos, foram estrategicamente ali colocado dando um cariz “paisagístico e folclórico” a toda a estória, como se depreende.

 

{ publicado na secção “Mundo dos Passatempos” do jornal “O Almeirinense” em 15 de Novembro de 2008 }

 

 

© DANIEL FALCÃO, 2008