CLUBE  DE  DETECTIVES

 

TORNEIO JARTUR MAMEDE

Problema nº 4

 

 

Solução de:

 

A MISTERIOSA CHARADA

Autor: Rip Kirby

 

A mensagem escrita a verde na folha arrancado do bloco de receitas dizia para se unirem com segmentos de recta os algarismos que tinham algo de comum entre si. Ora os algarismos inscritos eram 1,2,3,4,5 e 6. Destes os que tinham algo de comum eram: 1,2,5 que são ímpares e 2,4,6 que são pares.

Tendo em conta a colocação dos referidos algarismos e ligando-os por segmentos de recta, encontramos a seguinte figura:

 

 

Portanto, a figura é a estrela de David.

Seria que Jorge Guerra nos estaria a querer dizer que David Mayer foi o seu assassino? Uma análise atenta aos factos e a todos os pormenores leva-nos a concluir que não foi ele quem elaborou aquela charada.

Segundo o perito, a frase e os algarismos haviam sido escritos por um esquerdino; mas, pela arrumação dos objectos sobre a sua secretária, Jorge Guerra não o era. Por outro lado (se isto não chegasse), existe ainda o facto importante que foi a morte ter ocorrido instantaneamente, o que é impeditivo para que atribuamos ao médico a responsabilidade por aquela mensagem. Acresce ainda que no gabinete não havia qualquer esferográfica de tinta verde. E, por último, se por qualquer hipótese muito remota tivesse sido ele a fazer a charada referida, esta estaria sobre a secretária, numa posição inversa àquela em que estava.

Não tendo sido, portanto, o médico o autor daquela estranha mensagem, quem poderia ter sido? Aparentemente, parece ter sido David o último a ver Guerra vivo. Será que ele fez aquela charada, acusando-se a si próprio?

Seria um golpe de mestre, mas não foi ele quem fez aquele trabalho. Como já vimos, quem escreveu os algarismos e a frase era esquerdino e David não o era. Enquanto ele assinava o seu depoimento, o sargento Silveira parecia admirar a grossa aliança de casamento que ele ostentava na mão espalmada sobre a folha que continha as suas declarações. Como a aliança de casamento se usa no dedo anelar da mão esquerda, ele assinava, portanto, com a mão direita. Por outro lado, a porta havia ficado aberta e Rosário teria escutado o tiro como escutou a discussão havida.

Rosário teve tempo para praticar o crime, mas também ela não é esquerdina.

Findo o depoimento que foi digitado no computador, Trindade imprimiu uma cópia e, tirando uma esferográfica Bic de um copo de cristal, colocado à esquerda do computador, onde as havia com todas as variedades de cores de tinta, pediu a Rosário para assinar, o que esta fez sob as vistas de Silveira, que parecia fascinado pelo tremor da mão direita da empregada, segurando a esferográfica enquanto depunha a sua assinatura no documento.

Estando Rui Abreu e Eduardo Neves ilibados de qualquer responsabilidade, visto a vítima ter sido vista ainda com vida depois da sua saída e não tendo o último paciente (que não chegou a ser atendido) tempo para praticar o crime, resta-nos a Natália; mas ela, aparentemente, não esteve no consultório naquela manhã.

Mas vejamos se ela terá alguma responsabilidade. Não podemos descurar nenhum pormenor.

Aparentemente, ela é a única pessoa não destra que aparece neste caso. O rato, no computador que ela usa, estava no lado esquerdo. O agente que usou o computador para digitar os depoimentos teve que o mudar para a direita. Isto demonstra que ela usava o rato com a mão esquerda.

Também o copo de cristal com esferográficas de todas as variedades de cores (portanto, a verde também) se encontra no lado esquerdo. Embora este não seja um pormenor infalível, é, no entanto, também um indicativo da sua tendência para usar a mão esquerda. Por fim, no seu depoimento, ela diz não saber quem teria disparado sobre o Jorge, afirmação esta que coloca a nu a sua culpabilidade.

Ela havia acabado de chegar quando foi interrogada. Como sabia ela que o patrão tinha levado um tiro? Não é provável que a polícia lho tenha dito, seria contra todas as regras. Já temos o nosso criminoso ou antes criminosa.

Vejamos agora como teria ela agido.

Ela sabia a que horas era a consulta de David, pois fora ela que a marcara. Contudo, no papel que dera a David, colocara a hora errada. Ela sabia que o patrão não o atenderia se ele aparecesse fora da hora e conhecia também o génio de David, que, certamente, não se quedaria com a recusa em ser atendido.

Ela sabia também que mais ou menos àquela hora, Rosário iria comer e que demoraria; por isso, não marcou consulta nenhuma para as 10h30m, tendo assim tempo para agir.

Quando David saiu e a Rosário foi para o bar, ela entrou, dirigiu-se ao gabinete do patrão e disparou sobre ele. Nem tirou a arma de dentro da bolsa! Apesar do seu ar distraído, o sargento Silveira está sempre atento e o seu olhar arguto vislumbrou o buraco que a bala fizera na bolsa de Natália; daí o facto de o ferimento não ter ficado chamuscado nem com resíduos de pólvora. O invólucro, ao ser expelido da arma, ficou dentro da bolsa que também abafou o som do tiro e impediu que o cheiro de pólvora se espalhasse pelo aposento.

Depois colocou na frente do corpo morto de Jorge Guerra a charada preparada antecipadamente por ela, como demonstra o facto da numeração da folha usada ser três números anterior à que se encontrava visível no bloco de receitas. Cometeu ainda outro erro que certamente se ficou devendo à sua vaidade – foi para o local onde pretendia praticar o crime demasiado perfumada, o que denunciou a sua presença, embora a Rosário, que captou o cheiro, depois tivesse ficado com algumas dúvidas.

O móbil do crime seria a vingança. É o que se poderia dizer – matar dois coelhos com uma cajadada! Matava o amante que desistira de se divorciar e implicava no crime aquele que a denunciara de ser infiel.

 

{ publicado na secção “Mundo dos Passatempos” do jornal “O Almeirinense” em 15 de Janeiro de 2009 }

 

 

© DANIEL FALCÃO, 2009