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CLUBE DE DETECTIVES |
TORNEIO
JARTUR MAMEDE Problema
nº 6 |
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SONHO
DESFEITO Autor:
Nove Simas de Oliveira
reformara-se há três anos. De entre as diversas coisas que sonhara fazer
estava a catalogação da sua considerável biblioteca. Tendo constatado ser
difícil realizar tal tarefa sem a ajuda de outra pessoa, contratou um
estudante de dezanove anos, versado em informática, para o período de 21 de
Julho a 5 de Setembro de 2008. Era viúvo e vivia
sozinho no segundo andar esquerdo de um prédio de oito habitações. Tinha uma
empregada, a Sra. D. Joana Simões, que vinha todas as manhãs, entre as 9 e as
12 horas, de segunda a sexta. Seu filho, não morando longe, visitava-o mais
frequentemente do que as duas filhas, que viviam noutra cidade. Os três,
assim como a empregada, tinham chaves das portas do andar e da entrada do
prédio. O estudante, de seu nome Nuno Costa, que costumava aparecer por volta
das 9h30, dispunha apenas do comando do portão da garagem (onde se arranjara
lugar para o seu pequeno descapotável dos anos noventa) e de uma chave de
acesso à garagem pelo elevador. Na manhã cinzenta do
dia 12 de Agosto, pelas 9h07, Jaime Gomes de Oliveira, com a voz embargada,
informou a polícia de que, momentos antes, a empregada de seu pai lhe
telefonara, assustadíssima, a comunicar que tinha encontrado o patrão morto,
com o pescoço todo ferido. Finalizou dizendo que pedira à D. Joana para
aguardar e não mexer em nada. O Inspector J. Mamede
chegou ao local da ocorrência pelas 9h55. Numa sala com três estantes pejadas
de livros, uma secretária e uma mesa de trabalho, dois computadores e
acessórios, denominada escritório, cheirando em conformidade, mas com um
enjoativo aroma de sangue à mistura, encontrava-se, à secretária, o cadáver
de Simas de Oliveira, recostado e descaído na sua cadeira de braços, com um
extenso ferimento na parte da frente do pescoço, que vertera sangue para o
casaco de pijama, o leve roupão, o braço direito da cadeira e para o soalho.
Havia, ainda, salpicos de sangue na aba anterior da secretária e no exterior
da gaveta mais baixa do conjunto da direita. Nenhum dos objectos
cortantes existentes no escritório mostrava sinais e condições de ter sido
usado como instrumento de degolação. A janela estava encostada. J. Mamede
abriu-a e espreitou para fora, nada tendo notado de especial. A Sra. D. Joana,
pessoa dos seus sessenta anos, de aspecto cuidado mas com ar abalado,
declarou: – Abri a porta como
de costume, rodando duas vezes a chave, e gritei para dentro os bons-dias, a
fim do Sr. Doutor saber que eu já tinha chegado. Não ouvi resposta, mas
também não estranhei, porque nem sempre a tinha à primeira. Eram quase nove
horas. Fui junto da casa de banho maior, bati e
nada. Dirigi-me então para o escritório e dei com aquele horror. Passou-me
uma sombra pelos olhos e não sei como não caí.
Pensei, então, que o melhor seria telefonar ao Sr. Engenheiro… ao filho do
Sr. Doutor. Ele disse-me para não mexer em nada e aguardar. Com o medo, saí, fechei a porta e esperei no patamar da escada. Gomes de Oliveira,
homem perto dos quarenta anos, bem parecido, engravatado e com fato claro,
afirmou: – Como vos disse,
soube desta desgraça pela D. Joana e, mal vos telefonei, corri para aqui.
Tinha saído de casa cerca das vinte para as oito, passei pelo atelier, onde
devo ter estado das oito às nove, mais minuto menos minuto, e ia falar com um
cliente a Torres Vedras. Ontem, conversei com o meu pai, que estava muito
entusiasmado com a catalogação dos livros, embora um tanto desagradado com o
trabalho do jovem. Falou-me outra vez das jóias da minha mãe, que queria
dividir entre os filhos, e de outras peças valiosas que guardava no cofre,
tais como uma preciosa miniatura dos fins do século XVIII e duas colecções de
moedas, uma de ouro e outra de prata. Por isso, peço que verifiquem o cofre.
Ele está no escritório, escondido atrás de uma serigrafia de Cargaleiro. O
meu pai, não raro, abria-o, falava do conteúdo e deixava-o aberto à vista de
estranhos… Às 10h40, um agente
anunciou a chegada de Nuno Costa, dizendo que o rapaz ficara muito
assarapantado ao dar com um polícia no patamar. Identificara-o e deixara-o
isolado na saleta, com a indicação de que seria contactado dentro de momentos. Antes de falar com o
estudante, J. Mamede voltou a pedir informações à empregada. Ela disse que
sim senhor, que havia uma ampla arrecadação no piso mais alto, onde o Sr.
Doutor também tinha livros, cuja chave estava à entrada, junto com as chaves
da porta da casa e do prédio, dentro de uma taça de estanho, que mostrou ao
Inspector. Asseverou que tinha saído de casa pouco antes das oito e meia,
direita para o trabalho, a pé, como de costume, mas, nesse dia, acompanhada,
em grande parte do caminho, pela sua neta mais velha. Comunicou, ainda, que
era normal encontrar o Sr. Doutor já vestido e pronto, ou quase; que o
estudante, às vezes, chegava bastante depois das nove e meia e que o vira
passar no descapotável, em sentido contrário, com ar muito desportivo, camisa
toda aberta, quando ela vinha para o trabalho, nessa manhã. Ao filho da
vítima também foram pedidos esclarecimentos adicionais. Não decorara o
segredo do cofre, mas sabia que estava guardado numa folha, junto com outras
senhas, em escrita cifrada, que o pai dizia ser criptografia de meninos.
Afirmou que o contrato com Nuno Costa era de vinte horas semanais, que o
jovem trabalhava sobretudo da parte da manhã, e que, em sua opinião, o pai
lhe dera demasiada liberdade. Não se encontrou a
folha onde Simas de Oliveira teria criptografado o
segredo do cofre e outras palavras passe. O filho ficou de disponibilizar a
sua cópia que, segundo afirmou, nunca tentou decifrar. Nuno Costa era um
rapaz de elevada estatura, pele bronzeada, muito composto mas um tanto
afectado. Vestia um pólo azul e umas calças creme e exalava um perfume
agradável. Sobre o que havia feito nessa manhã, disse ao Inspector que
combinara com o Dr. Oliveira chegar mais tarde, por razões pessoais e também
para ter tempo de comprar “memória” extra e papel para o trabalho Entretanto, J. Mamede
recebeu a cópia das senhas criptografadas. Eis um
excerto do conjunto: CMIAADCFEOBNÇOOOR: OTZRNVSITEIOEOOEESRS Aberto o cofre, com
base nesta informação, constatou-se que, de grande valor, só lá estava a
miniatura do século XVIII. Gomes de Oliveira orçou o possível roubo em mais
de cinquenta mil euros. Por outro lado, verificou-se, via internet, que as
contas bancárias do pai não tinham sido tocadas naquele dia nem de forma
anormal nas quatro semanas anteriores. À primeira vista, só o cofre teria
sido assaltado. O médico legista
concluiu que o esfaqueamento – dois profundos golpes – bem como a morte quase
imediata, deverão ter ocorrido entre as 8 e as 8h45. J. Mamede confidenciou
ao seu ajudante Artur dos Santos que, apesar de haver ainda muita coisa para
verificar e comprovar, já se vislumbrava o que acontecera. O que é que se podia
entrever, como e porquê? { publicado na secção “Mundo dos Passatempos” do jornal “O Almeirinense” em 1 de Fevereiro de 2009 } |
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© DANIEL FALCÃO, 2009 |
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