Publicação: “O Almeirinense” Data: 1 de Novembro de 2009 Torneio A. Raposo |
TORNEIO A. RAPOSO SOLUÇÃO DO PROBLEMA Nº 2 SÃO JERÓNIMO NOS VALHA Autor: Detective
Jeremias A. Raposo tem uma longa e sólida ligação ao meio policiário
e à decifração de enigmas. A. Raposo tem também uma relação próxima, quase de
carácter familiar, com detective Tempicos. Esta vastidão de conhecimentos permitiu ao
famoso policiarista fazer um comentário certeiro ao
afirmar: “Este Tempicos saiu-nos cá um
pantomineiro, começou quando chegámos e só acabou na despedida”. De facto, o Tempicos, logo no
acolhimento aos amigos, aldraba-os ao declarar ser dia de São Jerónimo e
também, próximo da altura de dizer adeus, ao considerar este santo como protector dos detectives. É certo que a data do “lanchinho” dos policiaristas
não está identificada de uma forma directa, mas
sabe-se que o S. Pedro − 29 de Junho − foi festejado há poucos
dias, o que situa a acção no início do mês de
Julho, bem distante do dia de São Jerónimo que se celebra a 30 de Setembro,
segundo o calendário litúrgico. A questão dos santos protectores
não é consensual: varia de país para país, alguns santos têm a seu cargo mais
do que uma profissão, ou, por outro lado, uma única actividade
tem a protecção de vários santos, não vá o diabo
tecê-las. Na verdade, São Jerónimo é o patrono de várias profissões, como os
arquivistas, bibliotecários, livreiros e tradutores. Até à presente data, a protecção dos detectives tem
sido assegurada pelo São Sebastião, que lá vai arranjando tempo para olhar
também pelos atletas. Tempicos tenta ainda uma aldrabice
ingénua relacionada com o leitão servido no repasto, mas duvido que engane
alguém, mesmo os vegetarianos mais radicais. Tempicos
diz que acabou de ir buscar o leitão “aqui ao lado, à Mealhada”. Ora, a Mealhada
fica a cerca de 200 km do local do “lanchinho”, que se desenrola algures na
Serra de Monfirre. Ali próximo só o leitão à
Negrais, rival do da Mealhada com o tempero igual, mas forma de apresentação
diferente. Estas pequenas mentiras são secundárias, talvez Tempicos pretendesse dar cor ao ambiente. A questão
central é o relato, que o detective classifica como
o seu melhor golpe de sempre, e foi que engendrado apenas para levar os policiaristas a cair num logro. A primeira intrujice da história contada pelo Tempicos é a referência à inspiração nas cores da
bandeira portuguesa, por parte de Dürer, ao
executar o quadro de São Jerónimo. Esta obra está datada – foi pintada em
1521, altura em que a bandeira, de fundo branco com o escudo de Portugal,
ostentava cores bem distintas do verde e rubro do actual
símbolo nacional. Se esta mentira foi pensada ou não passou de um engano do Tempicos só ele o poderá esclarecer. A segunda intrujice, esta seguramente deliberada, constitui
a base para a decifração de um roubo que nunca poderia ter acontecido da
forma como foi contado. É impossível transportar, enrolada dentro do tubo oco
da canadiana, uma pintura sobre madeira.
Em resumo, Tempicos é bem
merecedor da adjectivação de pantomineiro concedida
por A. Raposo, porque montou uma história ardilosa. Altera a data de um dia
santo, concede-lhe errados poderes de protecção,
muda a origem gastronómica do leitão, troca a cores da bandeira e,
finalmente, transforma um óleo sobre madeira de carvalho numa tela maleável. Tempicos inventa cinco mentiras, enrola-as numa complexa
e ampla teia de verdades, construída com mil cuidados e paciência e apresenta
um produto final capaz de enganar os incautos ou os mais distraídos. |
©
DANIEL FALCÃO |
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