CLUBE  DE  DETECTIVES

 

CAMPEONATO NACIONAL 2003/2004

Prova nº 2

 

 

A MENSAGEM

Autor: Figaleira

 

Antes do mais, em jeito de introdução, sejam-me permitidas duas anotações:

1 – Solicitar (e antecipadamente agradecer) que o problema fique considerado como procedente de Alvares, povoação de que sou oriundo e pela qual nutro imensa afeição. Aproveito para adicionar que Alvares é palavra paroxítona, que não tem acento gráfico, pronunciando-se os dois a de forma aberta, como sucede com Almada;

2 – De quando em vez, há confrade que manifestam a sua estranheza pelo facto de, após cerca de cinco décadas – isto é, desde que comecei nestas andanças – a utilizar o pseudónimo “Big Ben”, de repente o substituir por “Figaleira”. A justificação é tão-só esta: o primeiro já estava a ficar “gasto”; depois, porque pretendia homenagear os netos – que são todo o meu enlevo, proporcionando-me mais “calor” que o próprio sol –, pelo que adoptei o sistema acróstico, de que resultou o segundo: FI (de Filipe); GA (de Gabriel); LE (de Leonor); I (de Inês) e RA (de Rafael), pela ordem crescente de idades.

Posto isto, vamos ao problema:

O “Veterano Confrade” andava taciturno. Queria conceber um enigma para enviar ao Policiário, mas não lhe ocorria qualquer ideia.

Por vezes, quedava-se a rever o trajecto percorrido desde que se iniciara na resposta a secções policiais, de que jamais abdicara, dada a convicção de que tal como o corpo precisa de exercício para não atrofiar, sendo até benéfico praticar actividades físicas, tendo como objectivo angariar maior capacidade, também a mente, mais concretamente os chamados neurónios, necessitam de adequada laboração no sentido de a treinar, se possível, desenvolver.

Nesta conformidade, de tal forma o “Veterano Confrade” se deixou enredar na teia que numa fase em que as secções do género entraram em interregno, alinhou nas palavras cruzadas e, agora, de igual modo, é assíduo participante em certames da especialidade – agradado com esse tipo de passatempo, fundamentalmente por as chaves serem concretas, ou seja, estão nas respectivas obras de consulta, a tarefa será encontrá-las, enquanto nos problemas policiais, com frequência, impera o subjectivo. Mais tarde, quando da aposentação, ainda tentou as charadas; porém, nessa vertente dos denominados entretenimentos lúdico-culturais, depressa concluiu tornar-se imprescindível, para além da consentânea “artilharia” – leia-se dicionários, calapinos e quejandos –, difusa paciência de chinês para as longas buscas, de onde limitar-se apenas às de fácil decifração.

Pois, como estava dizendo, o “Veterano Confrade” andava taciturno. Era seu intuito elaborar um repto para colocar aos confrades do Policiário, se possível enviando-lhes uma mensagem alusiva à rubrica – mais ainda laureando a vetusta durabilidade, mais de onze anos de publicação e seiscentas e tal páginas!, facto invulgar em similares – e não atinava com a maneira de conseguir o pretendido objectivo.

Eis que de súbito a ideia brotou: fazê-lo através do cruzadismo. E de imediato deitou mãos à obra, engendrando o seguinte:

 

 

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Horizontais: 1 – Ode. Prancha. 2 – Ódio. 3 – Leva à sirga. Inconveniente. 4 – Cortai. Inclinas. 5 – Apontada. Rendeiro. 6 – Indaga. 7 – Ocasião. Jactâncias. 8 – Abrira. “Vento”. 9 – Aureola. Ilustrar. 10 – Nascentes. 11 – Abalo. Silho.

Verticais: 1 – Sovam. Esfria. 2 – Irritação. Satélite. 3 – Claudicar. Energia. 4 – Nigromante. Terraço. 5 – Alna. Sumptuosidade. 6 – Elogia. 7 – Toldara. Aclama. 8 – Lais. Patetas. 9 – Abundante. 10 – Inúmeros. Número. 11 – Antigo. Seda.

 

Evidentemente, o “Veterano Confrade” sabia de antemão que alguns “companheiros de peleja” discordam deste género de enigmas, por considerarem essencial que os problemas ditos policiais – ou policiários, como perfilhou Fernando Pessoa – sejam alicerçados em questões de índole criminal. No entanto, estava convicto de que os mesmos facultam a inclusão de multifacetados desafios, desde que a sua resolução dependa do poder de observação e capacidade de raciocínio.

Asserção justificada pela diversidade de situações que servem de tema a contos e novelas apresentados em publicações da espécie, onde nem sempre a faceta delituosa é basilar. E, a propósito, recordava que, no decorrer de quase meio século de leituras de trabalhos desta natureza, tivera ensejo de apreciar entrechos magníficos, autênticas obras-primas – estando na primeira fila o conto baseado na conhecida história da “Branca de Neve”, em que esta não desperta do feitiço quando beijada pelo príncipe, gerando, portanto, a sequente ilação de aquele não ser o genuíno, uma produção lusíada galardoada pelo norte-americano “Ellery Queen´s Mystery Magazine”.

Contudo, o “Veterano Confrade” receava que os menos familiarizados com as palavras cruzadas se sentissem desmotivados e propensos à renúncia – motivo porque alterou a concepção inicial de não patentear diagrama, apenas o enunciado, assente nos dicionários de Sinónimos e da Língua Portuguesa, ambos da Porto Editora, ficando a elaboração daquele à conta dos respondentes. Para além disso, entendeu oportuno recomendar que nem sempre as coisas são como parecem – por vezes, as dificuldade são mais aparentes que reais – e incentivá-los a “ir à luta”, decifrando qual o teor da mensagem que cogitou promulgar. Decerto vão ficar deslumbrados com a facilidade.

 

{ publicado na secção “Policiário” do jornal “Público” de 9 de Novembro de 2003 }

 

SOLUÇÃO

 

 

© DANIEL FALCÃO, 2003