Publicação: “Público”

Data: 29 de Junho de 2008

 

 

Campeonato Nacional 2007-08

Taça de Portugal 2007-08

 

 

 

 

CAMPEONATO NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL 2007-08

 

SOLUÇÃO DA PROVA Nº 6

 

A CONFRARIA DO TERROR

Autor: Onaírda

 

Na parte de investigação criminal, apenas se refere que Orion foi assassinado com uma punhalada no coração, dentro do escritório de sua casa, num período temporal entre as 17h00 e as 17h25. Não foi suicídio, porque o punhal não estava lá. Não são fornecidas pistas de quem possa ter sido o criminoso. E desta maneira temos de fazer uma selecção das figuras enunciadas no texto para saber qual delas tinha a possibilidade de cometer o crime naquele espaço de tempo. Isto é, aquelas que não tinham álibis a provarem a impossibilidade de estar na casa de Orion naquele período temporal.

Artemisa, Vénus e Ceres juntaram-se a partir das 16h00 e ficam afastadas desta hipótese. Também não há referências, de que as três mulheres, em conjunto, tivessem interesse em matar o marido de Artemisa. Minerva estava na sede desde as 16h00 e teve a companhia do secretário às 16h45. O vice-presidente e o tesoureiro estavam reunidos num local desde as 16h00 e lá estiveram até saírem e irem para a sede aonde chegaram pelas 18h30. Não se reconhece que, conluiados, tivessem interesse na morte do presidente, embora este estivesse “a pôr o rabo”; mas a situação convinha-lhe para ser beneficiado, eventualmente, por ele.

As mulheres do tesoureiro e as dos três vogais estiveram juntas naquele período em plena sessão de cinema.

Resta assim Artur, o motorista, que só aparece às 18h30, quando vai buscar os três vogais, havendo a hipótese de ser ele o criminoso. Pode estar na casa do presidente entre as 17h00 e as 17h25, tem a chave de casa dele e o acesso facilitado. É esta a pista que Garçôa vai seguir. E será possível a sua confissão, se o “teórico” lhe der a entender que descobriu a verdade em teoria, através de algo em que um “Escorpião” é peça fundamental e manipulada sem o saber. E o desespero de ter sido enganado vai levá-lo a confessar que assassinou Ruy d’Orey.

Sabe-se que o “teórico” ajustava a sua cultura para levar a bom termo as investigações a seu cargo. Neste caso aproveitou a leitura da noite anterior para introduzir um tema cultural, como se de um caso real se tratasse. É um sistema muito usado em provas deste tipo, para testar a cultura dos candidatos. Estamos a falar de mitologia clássica. O texto refere que ele leu uma obra de A. R. Hope Moncrieff – este escritor é o autor do Guia Ilustrado da Mitologia Clássica. Daí que “o teórico”, para compor a sua história, se vá servir de figuras lendárias no ramo da mitologia. Das figuras masculinas interessa-nos retirar Orion (o gigante caçador que estragava as caçadas de Artemisa) e Escorpião, que são as alcunhas do presidente e do motorista. Das figuras femininas retira-se Artemisa, a deusa grega da caça. Há ainda uma referência a um animal, Tubarão, que é a alcunha do vice-presidente, que por ambicionar o lugar do presidente se comporta como um autêntico tubarão. O facto de andar envolvido com a mulher do presidente também faz jus à alcunha. E a escolha do restaurante de nome Mithos, sendo comunicado à mulher do presidente, tinha o objectivo de nela instalar – e não afastar a crença – de que deveria eliminar o marido, cumprindo a verdade mitológica. Trabalho de sapa, para um Tubarão, já se vê. Além disso, também temos a figura de Aurora (ajustada como sendo mulher de um dos vogais) como sendo amante de Orion. Portanto, será o Víbora o vogal atraiçoado pelo presidente.

Escalpelizemos, então, as sagas destas figuras mitológicas e as coincidências com o assassínio do Presidente da Confraria do Terror.

Orion (alcunha do presidente) nasce numa cova, onde estavam enterrados os restos mortais de um touro e no qual Zeus, Poseidon e Hermes, a pedido de Hireu, tinham impregnado uma gota de sémen de cada um. Concebido sem mãe, cresceu forte, mas sem sentimentos morais, e foi um “gigante caçador”.

Mais tarde ele estrupa a mulher de Enopião e este cega-o como vingança. Mesmo assim, Orion recupera a visão, ficando com os olhos cheios de fogo (paixão). Conhece a deusa Aurora, apaixona-se por ela e esta deixa-se possuir. A partir daqui, para Orion, as mulheres significam pouco, pois ele considera-as voláteis, fracas e interesseiras. Conhece Artemisa, mas nunca consegue entrar em seu coração para lhe sondar os mistérios. Artemisa quer ver-se livre da sedução dele, bate com uma clava na lama e surge um Escorpião terrível e venenoso que persegue Orion e lhe dá uma ferroada mortal no coração. Acabou, assim, definitivamente a vida de Orion. Esta cena está imortalizada no céu na constelação Orion, tendo o Escorpião ao seu lado. Curiosamente Orion desaparece no Ocidente e Escorpião no Oriente.

António Garçôa testava assim, deste modo, a cultura dos futuros inspectores, relacionando um crime virtual com uma coincidência mitológica.

Os factos passaram-se da seguinte forma: o vice-presidente (Tubarão) quer o lugar do presidente (Orion), seduz a sua mulher (Artemisa) e convence-a a eliminar o marido. Esta, para agradar ao amante e para se ver livre do marido, convence o motorista Artur (Escorpião) a assassinar metodicamente o presidente. Artur tem a chave de casa do patrão e sabe que ele está sozinho em casa. Para ele foi fácil cometer de surpresa o crime. O presidente, que se alcunhou de Orion, conhece mitologia, sabe que sua mulher é Artemisa e que esta é amante do Tubarão, pelo que receia o seu futuro. E quando recebe a punhalada desferida pelo Escorpião reconhece os seus receios e escreve num papel que o seu destino estava escrito!

Resta concluir que o vogal atraiçoado pelo presidente é o Víbora, marido de Aurora.

© DANIEL FALCÃO