22 de Março de 1957. É publicado, na revista “Flama”, o 1º número da Secção “O Gosto do Mistério…”, orientada por Jartur – curiosamente, por lapso tipográfico, identificado como “Mr. Dartur”.

Domingos Cabral, com 15 anos completados recentemente, responde ao problema naquela inserido – “O Táxi Misterioso”, transformando, assim, em “casamento” o “namoro” que à modalidade vinha fazendo há algum tempo, através do contacto com a Secção do “Mundo de Aventuras”, de que era leitor há alguns anos.

Sabendo, por isso, que era habitual o uso de pseudónimo, e perante a dificuldade que sentiu na escolha, rápida, de um, acabou, por associação, por perfilhar o “Inspector Aranha”. É que, naquele problema, o investigador (Marcos Dias), concebido pelo Autor (Jartur), após resolver o caso, dirige–se para o “Clube do Aranhiço”. Escolha pouco feliz, de facto, já que ninguém inicia a construção de um edifício pelo telhado e o principiante começava, nada modestamente, por se designar “Inspector”… De qualquer forma, iniciou–se, assim, um longo caminho…

In Mundo dos Passatempos, 1 de Setembro de 2007

 

 

 

 

 

 

  

Correio Policial, 23 de Julho de 2021

 

 

 

PRIMÓRDIOS DA PROBLEMÍSTICA POLICIÁRIA PORTUGUESA por DOMINGOS CABRAL (do livro com o mesmo título, a editar)

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2º PARTE – CICLO L. FIGUEIREDO

 

Terminada que foi, na passada semana, a reprodução dos denominados “50 Contos Misteriosos”, de Reinaldo Ferreira – “Repórter X” (cuja publicação se iniciou em Fevereiro de 1927 em «O Primeiro de Janeiro», do Porto, e marcou o surgimento da problemística policiária em Portugal) – sequenciamos a história dos primórdios desta modalidade de desporto cerebral com a republicação dos problemas com que L. Figueiredo, em 25 de Agosto de 1929, lhe começou a dar continuidade no “Notícias Ilustrado”, suplemento do “Diário de Notícias”.

Antes disso, porém, será interessante dar a conhecer como a existência desta Secção veio tornar-se mais conhecida, em tempos recentes. Fê-lo, da seguinte forma, um dos mais conceituados policiaristas portugueses ("Jartur", pseudónimo de João Artur Mamede – que também se iniciou como Seccionista em 1957 e é, de há uns anos a esta parte, o responsável pelo Arquivo Histórico da Problemística Policiária Portuguesa):

“Há uns anos atrás, na minha busca constante de velhos jornais, revistas e livros, (…) encontrei e adquiri, na Feira de Vandoma, no Porto, uma dezena de velhas encadernações que recolhiam anos consecutivos da Revista “NOTÍCIAS ILUSTRADO”, Edição Semanal do “DIÁRIO DE NOTÍCIAS”. (…) “Até que surgiu a ocasião de me regalar com a folheação daquele excelente material, apercebendo-me então que ali se encontravam exemplares da Série II, desde o seu nº 1, de 17 de Junho de 1928 até ao nº 382, de 6 de Outubro de 1933.

Como se depreende, trata-se de um semanário de actualidades, com colaboradores de grande mérito, donde ressaltam o director: Leitão de Barros, e a directora-gerente: Carolina Homem Christo.

Para além desses dois grandes vultos das Artes e das Letras portuguesas, apareciam pelas páginas profusamente ilustradas, a maior parte dos escritores e artistas nacionais, então famosos, e muitos outros que ali despontavam, mas viriam a ser talentos em variadas actividades culturais.

Quando observava as páginas do nº 62, de 18 de Agosto de 1929, chamou-me a atenção um artigo com ilustrações, em que Fernando Pessoa narra “A Origem do Conto do Vigário”.

Porém, o que motivou este escrito foi ter encontrado nas páginas do exemplar seguinte o nº 63, de 25 de Agosto de 1929, a Secção de Problemas Policiais “O Leitor é Sherlock Holmes?”

(…) A página era ilustrada por um desenho com anotações relacionadas com a solução do problema, apresentando-se o género da Secção, e davam-se “conselhos” e indicações para resolver o 1º problema… proposto à argúcia dos leitores”.

* * *

Passemos, então, à reprodução do cabeçalho e do desenho correspondentes ao 1º número da secção em referência:

 

 

1º PROBLEMA: “O ASSASSINATO DO PATACAS”

Um dos mais interessantes problemas policiais que se tem apresentado nos últimos tempos foi o do célebre assassinato do traficante de estupefacientes "Patacas", ocorrido numa curva da estrada de Mafra a Malveira e que foi comunicado à polícia por um carroceiro de Cheleiros que passou por aquela estrada depois da prática do crime.

Eram 4 horas da manhã quando na citada curva o carroceiro descobriu um automóvel de “sport” com dois homens mortos no banco da frente.

Estranha companhia, pensou a polícia, ao chegar ao local do crime, porque o corpo do debruçado sobre o volante era o do célebre “Patacas”, indivíduo cadastrado, conhecido da polícia e por ela ultimamente procurado por o considerar implicado num caso de comércio ilícito de estupefacientes. O outro cadáver era o do não menos célebre bandido “Bigode de latão”, inimigo fidalgal do seu companheiro na morte!

O “Patacas” fora atingido na testa e acima do olho esquerdo por uma bala de cavalaria “Enfield” e que o sub-inspector de saúde verificou que devia ter morrido poucos segundos depois ser atingido pelo tiro.

No chão, ao lado direito do automóvel (consulte-se a gravura) estava uma carabina “Enfield”, mostrando a autópsia realizada ulteriormente que pertencera a essa cavaleria a bala que penetrara no craneo do “Patacas”.

 

 

A polícia dificilmente achou explicação para o facto de o "Bigode de latão" ser morto por dois tiros de bala que o atingiram no pescoço do lado direito.

Entre os dois cadáveres e encostado ao corpo curvado do “Patacas” de forma que a coronha assente sobre o assento de coiro do carro estava junto da sua coxa direita com o cano encostado no “para-brisas” achou-se uma carabina “Winchester”.

A autópsia do "Bigode de latão" mostrou que as duas balas que o vitimaram pertenciam a uma carabina “Winchester”.

Que se teria passado? Um estranho e feroz duelo? Como explicar que o maior inimigo do “Patacas” tivesse sido encontrado morto dentro do seu automóvel?

Qual deles teria morrido primeiro? Não houve forma de colher impressões digitais nas espingardas.

O “Patacas” levava luvas calçadas, não as tendo o “Bigode de latão”.

A polícia verificou a existência de muitas pegadas no local do crime, tendo-a utilizado para a solução parcial do mistério que o envolvia.

Os rastos dos pneus foram também minuciosamente estudados, tendo concorrido bastante para o esclarecimento do caso.

Os agentes de investigação sabiam que as vítimas tinham bastantes inimigos, mas não poderiam nunca supor vir a encontrá-los assassinados em tão extraordinárias circunstâncias.

 

Que pensar? A que conclusões chega o leitor no final deste relato?

As perguntas a responder são:

1ª – Quem matou o "Patacas"?

2ª – Quem matou o “Bigode de latão”?

3ª – Quem foi morto em primeiro lugar?

4ª – Como se explica o facto do "Bigode de latão" se encontrar no automóvel do “Patacas”?

5ª – Porque motivo o “homem desconhecido”, cujas pegadas se veem na gravura, se dirigiu para o carro?

* * *

 “CONSELHOS E INDICAÇÕES PARA RESOLVER O PROBLEMA QUE PROPOMOS À ARGÚCIA DOS LEITORES”

“O crime de que o leitor se vai ocupar é o primeiro de uma série que publicaremos todos os sábados, julgando necessário esclarecê-lo inicialmente sobre as precauções a tomar durante a resolução dos problemas policiais e que sempre deve conservar bem presentes.”

1º – Não desprezar os mais insignificantes pormenores, mesmo que por vezes pareçam não interessar grandemente para o caso;

2º – Ler com a máxima atenção a descrição da forma misteriosa como se apresenta o crime;

3º – Atender às perguntas que são feitas no fim:

4º – Examinar cuidadosamente o desenho apresentado, notando bem os seus mínimos detalhes;

Qualquer indício pode, por insignificante que se julgue, constituir por si a “chave” do enigma, em fornecer qualquer auxílio de que depois se venha a lançar mão. O leitor que observe, deduza, raciocine como um verdadeiro polícia, sem pretender adivinhar. Não se considere em mau caminho sem ter gasto o tempo que a resolução do problema deve consumir.

* * *

SOLUÇÃO:

1º – O “Bigode de latão” foi o assassino do “Patacas”. Fez fogo com a carabina “Enfield”, emboscado na sebe do lado norte da estrada no sítio onde se veem as suas pegadas.

2º – O “homem desconhecido” matou o “Bigode de latão”. Atirou com a carabina “Winchester” emboscado na sebe do lado sul da estrada depois do “Bigode de latão” ter subido para o carro.

3º – O “Patacas” foi morto em primeiro lugar.

4º – O corpo do “Bigode de latão” foi encontrado no carro do “Patacas”, porque depois de o ter assassinado correu do esconderijo para o automóvel, para evitar que este seguisse sem direcção, o que chegou a conseguir, como se nota numa pequena extensão dos rastos dos pneus, que depois de se apresentarem irregulares, correspondendo aos momentos em que o carro foi sem governo, pela morte do “Patacas” se regularizam depois, ocasião em que o “Bigode de latão” dirigiu o carro para tornarem a ser irregulares depois da morte deste até que o automóvel parou junto à sebe marginal da estrada.

5º – O “homem desconhecido” dirigiu-se para o automóvel colocando dentro dele a carabina “Winchester” entre o “Patacas” e o “Bigode de latão” para fazer crer que os dois inimigos se tinham batido em duelo e apagando simultaneamente as impressões digitais da carabina.

Apesar de o “homem desconhecido” nunca ter sido descoberto pela polícia, ficou a certeza de que ele pertencia a uma quadrilha, que tinha aterrorizado aquela região, explicando-se o caso da seguinte forma: sabia-se, embora em segredo, que o “Bigode de latão” jurara matar o “Patacas”. O “homem desconhecido” que pertencia a um grupo de bandidos rival do capitaneado pelo “Bigode de latão” teve conhecimento do plano deste, do local e dia em que o devia pôr em prática. Tendo-o seguido, matou-o, tentando desnortear a polícia com a colocação da carabina entre os dois cadáveres e abandonando o local do crime com a certeza da impunidade.

 

 

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Fonte:

Blogue Repórter de Ocasião, 31 de Outubro de 2025 | Luís Rodrigues

 

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