CLUBE  DE  DETECTIVES

 

I TORNEIO “O LIDADOR… das CINZENTAS”

Prova nº 4

 

 

MORTE NA PISCINA

Autor: Medvet

 

O Inspector Fagundes saiu do carro e deixou-se ficar, a respirar o ar dos pinheiros. A casa parecia isolada, apesar de haver vizinhos não muito longe. As altas árvores escondiam as vivendas umas das outras. Era um lindo dia de Outono. O ar estava fresco, soprava uma nortada que fazia oscilar os ramos das árvores.

A casa era de rés-do-chão, ampla, com uma entrada calcetada para a garagem onde cabiam três carros à vontade, à esquerda. Para a direita, a perder de vista, estendia-se um relvado bem tratado, com tufos de flores e arbustos, que na Primavera deveriam ser espectaculares; mas naquele dia apenas se viam diferentes tonalidades de verdes, desde a hera bem aparada que cobria os muros ao acinzentado dos arbustos de alfazema.

Descendo três degraus de pedra muito inclinados, o inspector encontrou o seu subordinado, o agente Reis, que tinha chegado primeiro, depois de ter alertado a esquadra. A pouco mais de um metro dos degraus, numa piscina de água límpida e azul boiava o Dr. Bayliss, o norte-americano dono da casa. De bruços, enorme e robusto, estava vestido com um casaco de casa por cima de um fato leve, as abas flutuando como as asas de um pássaro exótico.

– Bom dia, inspector. Como vê, o homem foi descoberto pela empregada, há coisa de uma hora. Eram nove horas, e ela estava na cozinha, cuja janela dá para aqui. Viu uma coisa preta a boiar, e quando veio ver o que era, os seus gritos alertaram as pessoas da casa. Chamaram a polícia, e aqui estamos… Acha que foi um acidente?

– Isso já se verá. O Dr. Machado já chegou? – era o médico da polícia.

– Aí vem ele – disse o agente Reis. Passando pelo portão, o médico, um homem baixo e forte, de tez rosada e ar jovial, dirigia-se para eles.

– Viva, inspector, agente. O que temos aqui? Um afogado, hem? Dêem aqui uma mão, vamos tirá-lo da água.

Agarrando-se às pedras de granito que bordejavam a piscina, os três homens conseguiram, não sem custo, tirar o corpo da água, depositando-o na relva. O agente Reis “pescou” um chinelo de quarto que se soltara de um dos pés do morto, colocando-o de novo no pé, ao lado do outro, também calçado. O médico começou o exame do cadáver, resmungando para consigo:

– Hum, parece mesmo que se afogou; só terei a certeza com a autópsia, mas tem todos os sinais. Olá, o que é isto? – exclamou, virando a cabeça do morto. – Que grande golpe! Deve ter sangrado bastante, mas a agua lavou o sangue. Olhe, inspector. Diria que a vítima morreu afogada; bateu com o occipital nalguma coisa, não sei se dentro ou fora da água. Só posso dizer que, tirando a ferida na cabeça, não há sinais de violência. Mais pormenores, só depois da autópsia.

E com isto o Dr. Machado abandonou o local, depois de ordenar que levassem o corpo para o necrotério.

O Inspector Fagundes começou a interrogar as pessoas presentes na casa: a empregada, a viúva e um sócio da vítima.

A primeira, explicou:

– Sim, senhor, fui eu quem descobriu o pobre senhor, caído na piscina. Coitado, deve ter escorregado nos degraus. Quando estavam húmidos, eram um perigo! Muitas pessoas já caíram ali, mas o senhor nunca se decidiu mandar arranjar os degraus… Os senhores não se davam mal, mas nos últimos tempos discutiam. Sobre o quê? Sei lá, eles falavam lá na língua deles. Sim, eles falavam português, mas a senhora falava melhor, ela foi criada aqui. Quanto ao senhor, às vezes não se percebia nada do que dizia! Ontem, saí daqui por volta das nove horas. Sabe, costumo sair mais cedo, mas a senhora pediu-me para ficar a servir o jantar, tinham um convidado. Depois fui para casa, moro a cinco minutos daqui. Olhe, senhor, acho que o meu patrão deve ter ouvido alguém entrar, saltar o muro ou assim; foi ver o que era, escorregou e caiu na piscina. Oh, sim, ele sabia nadar muito bem!

A senhora Bayliss recebeu-o no vasto salão, com uma mesa de bilhar a um canto, uma lareira numa parede forrada de livros e amplas janelas que davam para o relvado. Era uma mulher miúda e frágil, quase desaparecendo no sofá onde se sentava. Enquanto tentava evitar que um pequeno “Yorkshire Terrier” lhe devorasse as pernas das calças e com elas os tornozelos, o inspector ouviu-a exprimir-se num português quase perfeito.

– O meu pobre marido deve ter escorregado nos degraus da escada. Não era do tipo de se suicidar! Nem ia tomar banho vestido… Ontem à noite, fui-me deitar por volta das dez. Pareceu-me normal, deixei-o a conversar com o Sr. Lemos, o sócio, têm uma empresa de navegação, lá para o Cais do Sodré. Se havia problemas? Bem, ele quase nada me dizia a respeito de negócios. Claro que por vezes discutíamos, mas nada de importante. Esta noite não ouvi nada de especial… sim, talvez ouvisse o barulho do corpo a cair na água, mas não me recordo. “Topsy” começou a ladrar lá pelas duas da manhã, mas ele faz sempre barulho quando há um gato a rondar pela vizinhança. Calou-se logo, por isso, não dei importância. Só soube quando a Maria começou a gritar…

O sócio do falecido era um homem de meia-idade, com o cabelo a rarear-lhe no alto da cabeça, mas bem constituído.

– Que tragédia, inspector! O meu pobre amigo deve ter escorregado nos degraus! Ainda no outro dia dei lá um tombo. Claro que ele não se ia suicidar! Apesar de as coisas entre ele e a mulher não irem muito bem… oh, nada de definido! Coisas que se ouvem por aí… De vez em quando convidam-me para um jantar, um fim-de-semana. Ontem Louise, quer dizer a senhora Bayliss, foi para o quarto cedo, por volta das dez e levou consigo aquele demónio do “Topsy”. Aquele maldito cão já me deu cabo de vários pares de calças!... Eu e o George ficámos a conversar no salão. Deixei-o por volta da meia-noite, de perfeita saúde. Não dei por nada, durante a noite…

De regresso à esquadra, o Inspector Fagundes dedicou-se a investigar os “suspeitos”. Descobriu que Louise Bayliss tinha um amante muito jovem, a quem tinha oferecido presentes extravagantes… e dispendiosos. O marido tinha descoberto a situação poucas semanas antes, e ponderava a hipótese de um divórcio, deixando a mulher com uma mísera pensão – migalhas perante a fortuna que possuía.

Por outro lado, o sócio da vítima estava à beira da bancarrota, tendo utilizado dinheiros da firma para cobrir as suas dívidas, fruto de investimentos irracionais e mal aplicados. Bayliss contactara o seu advogado, a fim de saber o que poderia fazer, neste caso. O advogado aconselhara o seu cliente a confrontar o sócio, e se este não repusesse o dinheiro, a “tomar medidas”.

Segundo o Dr. Machado, a pancada na cabeça fora dada em vida, com um objecto contundente, mas com a força suficiente para romper a pele e provocar grande perda de sangue, tendo a vítima morrido afogada. Pormenor curioso – o inspector não tinha visto nenhuma mancha de sangue perto da piscina…

E agora, caros detectives, ajudem o Inspector Fagundes a deslindar a meada. Foi suicídio, acidente ou crime? Expliquem a sua conclusão, sem esquecer quem, o quê, como e porquê!

 

{ publicado no boletim “O LIDADOR… das CINZENTAS” nº 12 de Fevereiro de 2005 }

 

SOLUÇÃO

 

 

© DANIEL FALCÃO, 2005