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(21.Abril.1925 – 30.Novembro.2019) |
CALEIDOSCÓPIO 73 EFEMÉRIDES – Dia 13 de Março Bill S. Ballinger (1912-1980) – William Sanborn Ballinger nasce em Oskaloosa, Iowa EUA. Consultor de
rádio e televisão, argumentista, escritor é considerado um autor com uma
linguagem e narrativas únicas. Escreve 160 peças para televisão: The Mice,
Outer Limits,
para as séries Ironside, I Spy,
Mickey Spillane's, Mike Hammer, etc. Escreve ainda 27 romances, 2 com o
personagem Barr Breed, um
investigador privado de Chicago e 5 com o agente Joaquin
Hawks. Bill S Ballinger
usa os pseudónimos B. S. Sanborn e Frederick Fryer. O seu livro de
1950 The Deadlier Sex, também editado com o título Portrait In Smoke recebe o prémio Les Grands Maîtres Du Roman Policier;
The Longest Second (1958) é galardoado com Edgar Allan Poe e Ballinger é
premiado ainda com um segundo Edgar em 1961 pelo seu trabalho para a
televisão. O escritor tem vários livros publicados em Portugal. TEMA – NARRATIVA POLICIÁRIA COM UM POUCO DE SORTE – De Severina Fortes A jovem jazia
nua, sobre a cama desfeita. Deitada de costas,
vista da entrada do quarto, dir-se-ia adormecida no conforto do aquecimento
ligado. Poderia, até, julgar-se que respirava pausadamente – o rosto delicado
caído de lado sobre o almofadão. Não era
verdade. Estava morta, tão morta como fora abandonada horas atrás. Depois de
breve contemplação, o seu assassino entrou devagar no compartimento, ainda
iluminado, do que faria se quisesse evitar despeitá-la; embora já nada a
conseguisse acordar. Foi-se aproximando da cama desejoso que a jovem
estivesse viva, que a anormalidade que recordava não passasse de pesadelo. A evidente
quietude da morta retirou-lhe qualquer ilusão. E só então, verdadeiramente
temeu as consequências! “Afinal,
porque a matara?”, pensava em desespero, “Porquê?”. Não sabia. Após o crime refugiara-se
no escritório da sua residência, ia eufórico, empolgado pelo feito
inesperado; assim como estaria se acabasse de vencer um inimigo no campo de
batalha. Todavia à medida que se ia acalmando (e moderando, em resultado da
chamada telefónica de negócios a que fora preciso atender) a euforia
abrandara e dera realce à sensação atávica do prazer de matar em liberdade –
a defrontar; afoita, o condicionalismo relativo de toda a vida. Logo o
instinto de defesa, no intuito de lhe fornecer o escape a uma situação sem
controlo imediato — que no fundo o horrorizava – tornara-o confuso e
duvidoso. Já não se queria acreditar, não se vendo a roubar a existência a
quem quer que fosse. E porquê a ela? Por isso
voltara ao apartamento –apesar do risco – a fim de
se certificar; e, sendo verdade o que agora recusava aceitar, tentaria
descobrir o que o arrastara a tamanha loucura. Quando chegara
à capital, na véspera, soube pela empregada doméstica que a esposa se
encontrava era visita na casa dos pais, nos arredores, só viria no dia
seguinte. Tinha jantado antes de entrar em casa. Ainda se encerrara no
escritório, mas o cansaço não lhe dera paciência para se entregar aos
assuntos pendentes. Aguardava uma chamada telefónica de fora, necessária;
contudo não esperara. Saíra directamente pela porta
exterior do gabinete e encaminhara-se para a casa da jovem, carente de calor
humano. Divertido,
vira os artigos de artesanato criados pela jovem, que os venderia nas lojas
da especialidade. Achara graça aos últimos arranjos dela para se deitar e
tivera a surpresa de saber que dormia sempre nua. Observara o medicamento que
andava a tomar para dormir e entretivera-se a vê-la mergulhar no sono, a seu
lado, até que dormirá também. Ao acordar,
vendo-a profundamente adormecida e indefesa – a oportunidade que não pedira,
mas em consciência desejara, agigantou-se. Algo de bestial o movera e
incentivara, pois nem esboçara uma tentativa de superar o impulso assassino.
Com súbita resolução apoiara almofadão no rosto da jovem, antes de se arrepender,
não de matar mas de ter coragem para o fazer, cedendo à tentação do momento. Tinha sido
fácil – tão fácil… – impedi-la de respirar sem empregar a força, mantendo-se
firme até ao ligeiro espasmo final, com a vítima imersa no sono. Se de algum
modo vinha a encarar essa morte como desejável, estava feita. Mas nunca dera
por tal! Olhando-a, já
morta, despida de tudo que por direito tivera ao nascer, não sentira
compaixão; nada se animou em si por ela, nem houve a turbação que seria
natural pelo relacionamento. Mesmo reconhecendo o mal que lhe fizera – e o
que se aproveitara – estava seco, quase indiferente. Quem sabe se porque
somente vira nela uma fêmea cheia de vivacidade, de rosto de criança e corpo
de mulher, ignorando-lhe a personalidade – talvez por não lhe interessar… A virgindade
que lhe trouxera lisonjeara-o, claro, sem contudo apreciar demasiado tê-la
conseguido sem se bater por ela. As vezes dava consigo a pensar porque motivo aquela quase criança se dera ao homem casado
há muito, começando a ser abandonado pela força da vida, em vez de escolher
um parceiro da sua idade. Tinha a
certeza de que pouco a requestara, e nem teria insistido se se tivesse
negado. Em verdade talvez nem se importasse tê-la, ou conservá-la muito mais.
Ia arrastando a ligação naquela de “não gosto muito, mas deixa andar”, pelo
comodismo supérfluo tão ao gosto dos machos endinheirados, ou apenas para a
assistir, retribuindo-lho o que lhe devia. Admirava-se
ainda dela não mostrar ciúmes da mulher dele, nunca lhe ter pedido para se
-divorciar, nem lhe exigir mais do que lhe dava. Limitava-se a estar
disponível, a ser como coisa dele, predisposta a alcançar um fim.
Descortinava essa determinação no fundo dos seus olhos, ao fitarem-se
seriamente de vez em quando. E ele não gostava! Tratava-se da
mesma determinação que a esposa, se tivesse sido perspicaz a quando do
noivado, teria vislumbrado nos seus olhos. E também não teria gostado! Para se casar
mentalizara-se que se apaixonara. Inventara naquela frágil menina rica a
beleza e os dons para se prender a uma união proveitosa: Mais tarde
confessava-se que o casamento enganara ambos. No entanto, ele tivera o lucro! Era isso que
lhe desagradava, e por vezes odiava, na jovem mulher: a ambição do amanhã alcançado
a pulso por ser útil, sem outro sentimento sincero: Via-a igual a si, na
faceta que desprezava. O relacionamento de ambos, psicologicamente, estivera
errado à partida: Existe a lei da atracção dos
opostos; para dois egos iguais, é o choque! Seria essa
identidade o bastante para, no subconsciente, querer desembaraçar-se dela! Não ousou
contrapor. Afinal, não há efeito sem causa… Considerou se
devia telefonar à Polícia, não deixar o corpo, decerto ainda tépido devido ao
aquecimento ligado, abandonado de novo, facultando-lhe a decência de se
decompor em dignidade; contudo tratou de limpar as suas impressões digitais
nos sítios em que poderia ter tocado, logo voltado a construir a sua defesa. Chegara o
momento de partir. O elo, de algum modo afectivo, que
o prendera à morta, ausente a essência vital do corpo, tornara-se nulo e
ficava para trás. Pensaria em si! “Se por excepção – monologava – desta vez não se cumprisse essa
espécie de regra que faz colocar um indivíduo desconhecido que nos conhece,
no nosso caminho quando queremos passar despercebidos, e que pode
testemunhar…” Viera ali para
ter uma certeza, talvez para se julgar: Todavia, apesar do crime, não estava
disposto a passar o resto da vida como criminoso. Tivera a sua razão! Com cuidado,
desligou o aquecimento – a hora da morte não seria determinada com exactidão. E havia a chamada que atendera no escritório! Com um pouco
de sorte… TEMA – HUMOR NEGRO VINGANÇA AO PEQUENO ALMOÇO Pelo ténue
zumbido, Rita pressentiu o perigo, antes mes mo de
o descortinar. Com o peito oprimido, incapaz de ousar respirar, tremendo pelo
imprevisto, tímida e ansiosamente olhava o marido do outro lado da mesa. Matias
espalhava satisfação no rosto corado e bolachudo. Mastigava devagar e
ruidosamente a torrada extremamente barrada de manteiga, enquanto os olhos
seguiam em leitura atenta as notícias. Lambeu guloso os dedos molhados e
procurou, sem desviar o olhar, nova torrada. A mosca
saltitou ligeiramente à aproximação dos dedos disputativos interrompendo a inspecção gustativa, para logo continuar, entretanto,
entre a chávena de leite e a restante torrada. Rita rolava os
olhos hipnotizada pela manobra do insecto, em
impotente expectativa. Demais conhecia a aversão mórbida do marido pelas
moscas. Assistira e fora parte integrante das invectivas
violentas quanto a sua pessoa e seu zelo em particular, e as moscas em geral.
Tinha consciência do comportamento ordeiro, limpo, constante, duma boa dona
de casa. A sua luta esbatia-se, porém, na incompreensão do marido. O verão era a
época crítica. Apesar dos cuidados, da multiplicidade de armas usadas, havia
sempre um exemplar obstinado, como que nascido do próprio vácuo, a romper o
cerco. A acrimónia do marido, sem vislumbre de desculpa, não tardava, azeda. A mosca
continuava as suas deambulações exploratórias indiferente ao martírio que
proporcionava. Matias dobrou
o jornal e estendeu a mão. Inesperadamente enrubesceu. Num ímpeto de raiva,
olhos esgazeados, atirou-se mosca, vociferando esganiçado, violento, bateu e
bateu sem ordem, insensível e insensato. Rita quedou-se
de olhos baixos e lacrimosos. Os bocados de
louça fina, resultado do desigual combate, espalhavam-se pela mesa e caídos
no chão. Sacudiu com
raiva incontida o vestido manchado de leite, peganhoso da manteiga dispersa.
Desta vez, enfim, verdadeiramente revoltada pela atitude desabrida do marido. Vingança,
vingança – uma palavra a mexer, a impor-se-lhe no cérebro. Dias depois, a
velha cena do início do dia. Rita, prenhe
de medo, ainda que satisfeita consigo própria. O marido,
sempre ruidoso, trincava a torrada loura. – Tem um sabor
estranho! – comentou. Rita quase
desmaiou. Deus! Iria ele descobrir o seu crime? A vingança, a sua terrível,
terminante vingança de eterna ofendida? O homem, o “seu
homem” acabou a derradeira torrada. Arrotou
grosseiramente, grunhiu um “óptimas” saciado.
Acabara de engolir duzentas e quatro moscas, esmagadas em papa gordurosa,
trituradas, passadas ao coador e misturadas na manteiga. Duzentas e
quatro… M. Constantino In Policiário de
Bolso,
13 de Março de 2012
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© DANIEL FALCÃO |
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