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(21.Abril.1925 – 30.Novembro.2019) |
CALEIDOSCÓPIO 74 EFEMÉRIDES – Dia 14 de Março Algernon Blackwood (1869-1951) –
Algernon Henry Blackwood nasce em Shooter’s Hill, Londres. O fascínio que tem
pelo hipnotismo e pelo sobrenatural leva-o ao estudo de filosofia e
ocultismo. A sua escrita reflecte estes interesses: escreve centenas de
contos de fantasmas/terror/sobrenatural e é reconhecido como um mestre deste
género literário. The Empty House and
Other Ghost Stories é publicado em 1906 e depois segue-se uma série de
contos com John Silence, um investigador extraordinário. Em 1914 escreve Incredible Adventures, a primeira
colectânea do género sobrenatural alguma vez publicada. Showell Styles (1908-2005) – Frank Showell
Styles nasce em Four Oaks, Birmigham, País de Gales, R.U. Explorador,
montanhista escreve o primeiro livro policiário, Traitor’s Mountain, em 1946. Publica perto de 150 livros de
aventuras históricas, parte na série Midshipman Quinn e na série Lieutenant
Michael Fitton. Entre 1951 e 1969 utiliza o pseudónimo Glyn Carr para a
escrita de ficção policial, escrevendo um total de 15 livros, todos da série
Abercrombie Lewker. O autor usa também o pseudónimo C.L. Inker para as
narrativas humorísticas. TEMA – BREVE HISTÓRIA DA LITERATURA POLICIÁRIA - 5 (continuação de CALEIDOSCÓPIO
66) A colectânea
designada por As Mil e Uma Noites,
só foi conhecida na Europa a partir de 1701, não obstante traduza a recolha
de épocas bem remotas, verdadeiramente impossíveis de detectar. Os estudiosos
têm concluído entretanto, que sua primeira tradução árabe teria sido feita em
Bagdad no Século III, do Livro persa Hazar Efsanch que, por sua vez, teria
origem indiana. Cabe aqui
perfeitamente a afirmação dos filósofos de que a luz de todo o conhecimento procede do Oriente. Terão razão?
De qualquer modo, representam um grupo de episódios muito antigos e de
proveniências diversas, como se depreende da variedade de lugares em que se
situam, muitos dos quais envolvem características que as definem como fortes
raízes que sustentam a formação da grande árvore narrativa policiária. Vejamos a
história do mercador de Bagdad, Ali Cogia (uma entre outras): No reinado do
califa Harun-al-Raschid, um mercador chamado Ali Cogia, como bom muçulmano,
resolveu ir em peregrinação a Meca. Vendeu os móveis e a loja e, da posse de mil
moedas de ouro conseguidas, preocupado se as levasse consigo: escolheu uma
vasilha de bom tamanho, meteu-as lá e acabou de encher o recipiente com
azeitonas. Depois que a fechou muito bem, levou-a a casa de
um mercador amigo a quem pediu que guardasse a vasilha. Esse mercador respondeu delicadamente: – Aqui está a chave do meu armazém. Levai a
vasilha, pondo-a onde quiserdes e prometo-vos que lá a encontrareis quando
voltardes. Ali Cogia assim fez. Carregou depois um camelo e
partiu. De tal modo lhe correu bem a viagem que, depois
de Meca, visitou Cairo, Damasco, Alepo, Xiraz e, sete anos depois resolveu
voltar. Entretanto, o seu amigo em Bagdad resolveu comer
as azeitonas e, dirigindo-se ao armazém deparou com elas todas podres, mas
encontrou as moedas de ouro que se apressou a tirar, enchendo a vasilha de
azeitonas que foi comprar. Ao voltar, o assunto foi posto na justtiça. Nas vésperas do julgamento, o califa, com o
grão-vizir Giafar e Mesrur, o chefe dos eunucos, fez o seu giro habitual pela
cidade. Em determinado ponto deparou com uns rapazes que brincavam aos
julgamentos e ficou a escutar. Estava em causa o caso das azeitonas de Ali
Cogia. O rapaz que fazia de juiz perguntava: – Sabeis por quanto tempo se podem conservar as
azeitonas em condições de se poderem comer? – Senhor – responderam-lhe – por muito cuidado
que haja ao prepará-las e conservá-las, se se guardam por muito tempo, ao fim
do terceiro ano já não valem nada: deixam de ter sabor, de ter cor, só servem
para deitar fora. – Se é assim – volveu o que fazia de juiz – se
Ali Cogia esteve ausente sete anos, alguém mexeu na vasilha, pois posso
garantir que as azeitonas que foram encontradas são deste ano. Mas não se julgue que o Oriente tenha o exclusivo
de histórias imaginariamente geradoras de espécie em causa. Pedro Afonso
ou Petrus Alphonsi, efectivamente Mose Sefardi, um judeu espanhol nascido em
1062 convertido ao catolicismo e médico do Ren Afonso, deixou em Disciplina Clericalis vasta obra de
carácter filosófico e exemplos, nos quais se encontra desde anedotas puras a
histórias inteligentes de observação e investigação, muito próximo das
embrionárias histórias policiais. Passamos por
Samaveda, com a colecção de contos indianos Kathasaritsagora onde algo se poderia desfrutar, poeta, autor do
livro Alif Ba com a bem concebida
história de conta dos pães com versões diversas segundo autores, Nuzhetol
Udeba ou Giraldo Cint Ecatormiti (1354-1426) um jurisconsulto e gramático que
chegou a Kadi de Granada e deixou uma extensa colecção de anedotas,
provérbios e contos da época, para nos fixarmos nas Histórias de Sinbdan, atribuídas a um sábio sírio desta última
época. Com as
referências anteriores aproxima-se a Época das Literaturas Modernas.
Citam-se, não obstante, o Novellino
uma colecção de cem contos dos finais do século XIII, cuja exploração aduz um
novo elemento em busca da identidade pré-policiaria. A escolha
recai sobre a resolução de um famoso litígio num tribunal de Alexandria e,
como acontece com muitas outras narrativas aludidas, também ela de duvidosa
proveniência. Transcreve-se não na exacta medida constante do Novellino, mas a que, reportada ao
mesmo período, se afigura mais popular e melhor enroupamento na contextura. Cansado e de
garganta a arder, Jemal-ed-Din, alegrava-se por ser este o último caso do dia
que requeria a sua atenção, pensando, não obstante, na melhor maneira de
lidar com Nasr-et-Din (traduza-se por “a vitória da Fé”), o arguto professor
e “dirigente das preces”, oficialmente protegido pelo Imperador Tamerlão, que
apreciava as suas graçolas e ironias e o dignificara com o título de “Hoja”.
Este estivera toda a tarde no Tribunal, mascando ruidosas pastilhas goma e
apontando falhas nos julgamentos de Jemal-ed-Din. Réu e autor aproximaram-se da mesa do Cadi, um
baixote, gordo, feio e sujo trazendo na mão um saco com dinheiro, o outro, um
homem alto e condescendente. Um dos dois tinha mandado subornar o juiz. Jemal-ed-Din solicitou levemente: – Sou Bedi-ud-Din. Este homem combinou cortar
cinquenta carradas de lenha para um nobre… por cem moedas de ouro. Ofereci-me
para ser seu sócio. Concordou. Agora depois que a lenha foi cortada e
entregue e o pagamento feito, guarda o meu quinhão. O outro homem, que enrubesceu explodiu: – Ele é um trapaceiro e tenta roubar-me! – Declare o seu nome na forma da lei, réu – disse
Jemal-ed-Din asperamente – depois o caso. – Isso não Cadi – atalhou o outro. Eu fiz a minha
parte e, por isso, reclamo o meu quinhão. Fez um sinal ao oficial de diligências do
Tribunal que arrancou o saco da mão de Abnur Ago. Este mugiu como um touro: – Fui EU quem cortou, quem enfeixou, carregou o
burro, o conduziu e descarregou… Cinquenta vezes! Ele não fez nada! – Nada disso! – repetiu
Bedi-ud-Din – ajudei-o! – De que forma? Diga de que forma! – berrou Ahmet Ago a ferver. – Certamente – replicou Bedi-ud-Din. – Eu gemi com força, cada vez que ele levantava o
machado. Lamentei-me a valer cada vez que ele ergueu uma carga. Encorajei-o.
Teve muita sorte em ter um sócio como eu! Está claro Cadi, fiz a minha parte. – Está louco – bramiu Ahmet Ago. – Nada disso, Cadi. Por acaso não lhe poupei o
fôlego que precisava para gemer, queixar-se, não foi por minha causa que teve
mais forças para concluir o trabalho? O auditório agitou-se e Jemal-ed-Din
congratulou-se por poder meter o Hoja no embrulho. – Nasr-ed-Din – chamou. Como sois entre nós o
mais sábio dos homens, peço o vosso precioso auxílio para proferir a sentença
neste caso… O Hoja adiantou-se. – O autor – disse o juiz –foi
certamente sócio do réu. Concordais? O Hoja acenou sabiamente, – Fez parte do
seu trabalho – continuou Jemal-ed-Din a questão é… qual é o seu quinhão? Vocês estão loucos! – gritava
Ahmet Ago. – Não tanto – adiantou o Hoja – o tribunal de
Jemal-ed-Din é um tribunal de justiça, não de loucura, se me permitis Cadi,
farei a divisão justa das moedas. – Era o que eu tencionava! – afirmou
o juiz. O Hoja pediu que trouxessem uma bandeja e
entregou-a a Bedi-ed-Din, dizendo-lhe: – Eu mesmo contarei as moedas. Bedi sorriu, Ahmet encolheu-se com fatalismo. O Hoja tirou a primeira moeda do saco de Ahmet
Ago e deixou-a cair na bandeja. – Soa bem... não é? – disse o Hoja - e, metodicamente, prosseguia, inclinando a
cabeça a cada moeda que caia, fitando o radiante Bedi-ud-Din. Quando acabou
de contar a quinquagésima moeda Ahmet Ago fechou os olhos. O Hoja virou o
saco vazio… – Cadi – perguntou o Hoja – mantive os altos
padrões de justiça e equidade deste tribunal? Jemal-ed-Din fitando a pilha de
moedas de ouro sobre a bandeja, fez um sinal afirmativo. Então o Hoja pegando nas moedas voltou a
colocá-las no saco e entregou-o a Ahmet Ago. – As moedas – disse – foram agora divididas
igualmente. – Você deu todas as moedas a Ahmet Ago, eu não
recebi nada! – gritou Bedi-ud-Din. – Nada disso –
contestou o Hoja. – Ouviu quando fiz cair as moedas na bandeja, não foi? Esse
foi o seu pagamento. E a lei: Bedi-ud-Din contribuiu com os sons do trabalho,
em pagamento recebeu o som do dinheiro. M. Constantino In Policiário de
Bolso,
14 de Março de 2012
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© DANIEL FALCÃO |
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