CLUBE  DE  DETECTIVES

 

CAMPEONATO NACIONAL 2001/2002

Prova nº 2

 

 

MAIS DATAS MISTERIOSAS

Autor: O Falcão

 

O último mistério que apresentei numa das reuniões passadas está na génese deste “Mais Datas Misteriosas”. A aceitação foi, tal como previa e conhecendo como conheço os meus ilustres colegas, generalizada. Por um lado, porque implicava uma análise cuidada do texto descritivo e, por outro lado, porque obrigava a desenvolver alguma investigação. Este segundo aspecto é bem aceite, já que como resultado da investigação advém sempre um acréscimo de conhecimentos. É este, sem dúvida, o motivo que me incita a apresentar, nesta nova oportunidade, um mistério em que as datas misteriosas voltam a marcar presença.

Tudo começou, desta vez, com um toque de campainha. Como já era relativamente tarde, passava das 23 horas, fiquei um pouco curioso sobre quem se prestava, e com que assunto urgente, a perturbar a calma do meu lar. Qual não foi o meu espanto, ao abrir a porta e ter na minha frente o tal alfarrabista (que todos já conhecem). O espanto fica a dever-se à singularidade da situação, pois era a primeira vez, em muitos anos, que se tinha dirigido a minha casa. O assunto devia ser realmente urgente!

Lamento muito interromper o seu descanso e aparecer a uma hora tão tardia, mas preciso que me ajude a decidir sobre a aquisição de alguns manuscritos muito antigos. Depois da preciosa ajuda que me forneceu da última vez, tenho a certeza que só o senhor me pode ajudar a decidir... – tudo isto foi dito, literalmente, de rajada. E se mais não disse, foi porque o interrompi.

Pedi, calma e amavelmente, para se sentar, já que, mesmo tratando-se de uma visita tardia e inesperada, as regras de um bom anfitrião a isso me obrigavam. Com ele já menos frenético e após tê-lo deixado digerir uns goles da bebida que lhe havia servido, solicitei-lhe que calmamente me explicasse o motivo daquela visita.

Explicou-me, então, que na manhã seguinte iria decorrer um leilão em que iriam ser postos à venda quatro manuscritos. Como constava que, ultimamente, tinham aparecido algumas falsificações, surgiram-lhe algumas dúvidas sobre se deveria, ou não, licitar alguns deles. Trazia com ele um pequeno catálogo, no qual aparecia uma breve descrição dos manuscritos. O que o alfarrabista pretendia era que, recorrendo aos meus conhecimentos, lhe desse uma opinião sobre cada manuscrito.

Tomei o catálogo nas minhas mãos e, cuidadosamente, analisei cada uma das descrições. Não trago comigo o catálogo mas vou indicar-vos, em traços gerais, mas suficientes, o respectivo conteúdo.

O manuscrito mais antigo indicava “A.D. 415” (apenas) como correspondendo à data em que havia sido redigido. Descrevia a viagem de um clérigo de Braga, Paulo Orósio, até Hipona, e o seu encontro com Santo Agostinho.

O segundo manuscrito descrevia a fundação régia do primeiro condado português, em Barcelos, a favor de João Afonso de Albuquerque. Este manuscrito, mais recente quando comparado com o anterior, estava datado de 29 de Fevereiro de 1300.

Os dois últimos manuscritos descreviam, embora de forma não rigorosamente igual, o mesmo acontecimento histórico, o tratado de paz anglo-luso, no qual os ingleses exigiam, entre outros privilégios, a liberdade de comércio na Costa de África e em S. Tomé. Dois aspectos fundamentais distinguiam estes manuscritos: o primeiro, dizia respeito ao idioma em que estavam redigidos, um deles em português e o outro em inglês; o segundo aspecto, sem dúvida o mais estranho, relacionava-se com a respectiva datação. Enquanto no manuscrito redigido em português aparecia 25 de Fevereiro de 1642, no outro manuscrito, o redigido em inglês, aparecia 17 de Fevereiro de 1641.

Após rever, cuidadosa e interessadamente, o catálogo, levantei-me e dirigi-me a uma das estantes do meu escritório onde sabia encontrar-se um livro que apresentava, cronologicamente, alguns dos acontecimentos que marcaram a história de Portugal: “História de Portugal em Datas”?; ou era este o título, ou qualquer outro afim.

Encontrado o livro e localizado o que pretendia, voltei a sentar-me.

E então?... Há falsário na costa?...

Tal como da última vez, a curta conversa que tivemos permitiu-lhe dissipar as suas dúvidas.

 

O que eu gostaria que me dissessem, atendendo ao conhecimento que têm dos manuscritos, é se a resposta à questão do alfarrabista deverá ser positiva ou negativa? E, caso a resposta seja positiva, que manuscritos são falsos e que manuscritos podem ser verdadeiros? Descreva, sucinta mas claramente, as razões que justificam a sua opinião.

 

{ publicado na secção “Policiário” do jornal “Público” de 2 de Setembro de 2001 }

 

SOLUÇÃO

 

 

© DANIEL FALCÃO, 2005