CLUBE  DE  DETECTIVES

 

TORNEIO JARTUR MAMEDE

Problema nº 4

 

 

A MISTERIOSA CHARADA

Autor: Rip Kirby

 

Quando o Dr. Jorge Guerra chegou ao seu consultório, já Rosário, a mulher-a-dias, tinha feito a limpeza ao gabinete dele, à sala de espera e preparava-se para fazer o mesmo ao gabinete da sua secretária. Contudo, “mal sabia” ele que aquele era o seu último dia de vida. Às 11h da manhã, um dos seus pacientes encontrou-o morto no seu gabinete. Um telefonema para a PJ trouxe ao local o Insp. Eduardo Trindade e toda a sua equipa.

O consultório constava de uma sala de espera com algumas cadeiras e uma mesa com algumas revistas. O chão estava coberto com uma espessa alcatifa. Quando se entrava, à direita ficava o gabinete do doutor. Em frente, situava-se o gabinete da secretária. À esquerda, duas portas. Uma pertencia à arrecadação e a outra era a do bar. Entre este e o gabinete da secretária havia um corredor que dava acesso a uma casa de banho.

Eduardo Trindade entrou no gabinete do médico e viu este sentado à secretária, recostado como se falasse com alguém à sua frente. Entre os olhos, um pouco acima da confluência do nariz com a testa, via-se o orifício por onde entrara a bala que lhe tirara a vida. Não havia queimadura nem resíduos de pólvora.

Sobre a mesa de trabalho viam-se, à direita do cadáver, o telefone, um bloco de papel, com folhas numeradas, destinado a receitas, e um copo de cristal, contendo algumas esferográficas Bic de tinta vermelha, azul e negra. No lado contrário, ao alcance da mão, um bloco de papel quadriculado e, mais longe, um livro de medicina. Nas gavetas, só amostras de medicamentos. Na frente de Guerra estava uma folha arrancada do bloco de receitas, com alguns algarismos e uma frase escrita com esferográfica de tinta verde. Os algarismos (dispostos aproximadamente como se podem ver abaixo) e a frase eram os seguintes (tendo a parte superior virada para o lado do cadáver):

 

            1                           Ligar entre si os algarismos que tenham algo em comum entre eles

   2                 4   

   3                 5    

            6

 

O número de ordem desta folha era três vezes mais baixo do que o da primeira folha visível no bloco. De acordo com o parecer de perito competente, os algarismos e a frase haviam sido redigidos por um esquerdino. Segundo o médico legista, a morte havia sido instantânea e ocorrera cerca de 30 minutos antes de ter sido dado o alarme. Os peritos concluíram que o tiro fora disparado por uma arma de pequeno calibre, a pouco menos de um metro de distância, por alguém que se encontrava de pé.

No local nada foi encontrado de estranho. Quanto a impressões digitais só as do médico e, aqui e ali, as da empregada de limpeza. Nos braços do cadeirão destinado aos pacientes foi detectado um emaranhado de impressões frescas, mas de identificação praticamente impossível.

Após o corpo ser levado, o Inspector entrou no gabinete da secretária da vítima com um dactilógrafo e, enquanto este passava o rato do computador aqui existente da esquerda para a direita, disse a Silveira que chamasse a Rosário. Quando esta entrou, pediu-lhe que lhe contasse tudo o que ali se passara nessa manhã. A empregada, muito nervosa, contou o seguinte: O doutor entrou e foi direito ao gabinete, voltando pouco depois com uma folha de papel que me entregou, dizendo-me: Rosário, a D. Natália não vem hoje de manhã pelo que preciso da sua ajuda. Aqui estão os nomes de alguns pacientes, e a hora a que cada um deve ser atendido. Não deixe entrar nenhum fora da hora aí apontada.

O primeiro chegou às 8h50 e dez minutos depois mandei-o entrar. Foi o senhor Eduardo Neves, que esteve lá dentro vinte minutos. O senhor Rui Abreu chegou alguns minutos antes das 9h30 e a essa hora ele entrou. Saiu eram 9h55. Às dez horas era a vez do senhor David Mayer, mas ele só chegou dez minutos depois dessa hora, pelo que não o deixei entrar sem que antes perguntasse ao senhor doutor se o atendia. Respondeu-me que não.

Transmiti ao senhor David a resposta do meu patrão, o que o irritou; deu-me um empurrão e entrou no gabinete. Ouvi eles discutirem (a porta ficara aberta) e cinco minutos depois saiu. Ia muito exaltado.

Como a próxima consulta seria às 11, aproveitei e, como de costume, fui ao bar, fiz café e comi duas sanduíches, pois estava com fome.

Demorei no bar perto de 30 minutos, depois fui ao banheiro. Quando voltei à sala de espera, senti o cheiro de um perfume no ar e pensei que tivesse sido a D. Natália que já tivesse chegado; mas enganei-me e o perfume devia ser o do senhor David, que também estava muito perfumado. Às 11h chegou o senhor Alberto Pimentel, que mandei entrar imediatamente. Mas ele, logo que abriu a porta, voltou para trás, dizendo que o senhor doutor não estava bem. Entrámos os dois e verificámos que o patrão estava morto. 

Findo o depoimento, que foi digitado no computador, Trindade imprimiu uma cópia e, tirando uma esferográfica de um copo de cristal, colocado à esquerda do computador, tendo toda a variedade de cores de tinta da Bic, pediu a Rosário para assinar, o que esta fez sob as vistas de Silveira que parecia fascinado pelo tremor da mão direita da empregada segurando a caneta.

Depois que Rosário saiu, entrou Natália de Sousa, a secretária da vítima, que, entretanto, havia chegado. Era uma mulher muito bela e alta. Disse não poder dizer nada de útil, pois não estivera no consultório nessa manhã nem fazia ideia de quem podia ter disparado no Jorge. Afirmou que era ela quem fazia as marcações das consultas, que na véspera transmitia por escrito ao doutor. Silveira parecia fascinado pela beleza de Natália, não desviando os olhos dela, mas mentalmente pensava: Como era possível que uma mulher, vestindo tão luxuosamente, usasse no braço uma bolsa, que, apesar de ser nova, tinha um pequeno buraco num dos topos?

Perguntado a Natália se ela sabia o significado dos algarismos e da frase que estavam na folha de receitas encontrada junto do morto, ela respondeu que não, mas que devia ser alguma das charadas em que Jorge andava sempre a pensar.

Natália assinou o seu depoimento e saiu, entrando de seguida David Mayer, que havia sido mandado chamar. Quando se cruzaram, Silveira detectou o olhar rancoroso que Natália lançou a David, mas este pareceu não se impressionar.

Do que David Mayer disse, ficou registado o seguinte: Não estava doente; a consulta que marcara fora um pretexto para falar com Jorge de quem era amigo, mas este havia dias que andava a fugir de se encontrar com ele. Jorge tinha um caso com Natália e andava a tratar do divórcio para poder casar com ela. Ele, David, aconselhara-o a que não fizesse isso, mas o Dr. não lhe dava ouvidos.

Na semana anterior, David, que havia descoberto que Natália traía o amigo, contara a este, que se zangou seriamente. Parecia que Jorge havia confirmado as acusações, pois mandara suspender o processo de divórcio. Mas ainda estava ressentido com ele. David afirmou que não havia chegado atrasado à consulta. No papel que Natália lhe dera estava anotado 10h10; infelizmente, ele deitara fora o papel. David assinou as suas declarações, com mão firme, sob o olhar atento de Silveira, que parecia admirar a grossa aliança de casamento que o declarante tinha na mão, espalmada sobre o papel.

Por diligências feitas posteriormente, determinou-se que naquele dia o médico havia passado três receitas cujos números eram os exactamente anteriores ao que se encontrava visível no bloco de receitas e os que se seguiam ao da folha com a charada.

 

Será que com estes elementos é possível descobrir quem matou Jorge Guerra?

 

{ publicado na secção “Mundo dos Passatempos” do jornal “O Almeirinense” em 1 de Dezembro de 2008 }

 

SOLUÇÃO

 

 

© DANIEL FALCÃO, 2008