Autor

Abrótea

 

Data

16 de Maio de 1999

 

Secção

Policiário [409]

 

Competição

Torneio “Detective Rápido"

Prova nº 8

 

Publicação

Público

 

 

SIR ALDRA OUTRA VEZ

Abrótea

 

Certa noite em que me encontrava sem fazer nada, “Sir Aldra” desafiou-me para assistir a um jogo de “snooker”, fazendo logo, com ares de grande mistério, a sua advertência:

– Prepare-se, Ricky, vai haver crime.

Funguei e dei-lhe uma valente palmadona nas costas, dessas do tipo amigável, pois detestava que me chamassem Ricky, e detestava ainda mais “Sir Aldra”. Remoí as últimas palavras deste, pensando que se tratava de mais uma balela a juntar a tantas outras. De qualquer modo, decidi dar corda aos sapatos e seguir atrás daquele estafermo.

O jogo realizava-se em casa de um importante “homem de negócios”, que subiu na vida à custa da morte dos outros – era fabricante de armas. Todos os figurões que lá estavam, se fossem bem juntinhos, embrulhados numa saca de serapilheira e jogados ao mar com um lacinho, de certeza que quando o povão soubesse me aclamaria herói nacional e nesse dia era feriado.

O certo, certinho, era que, tirando os jogadores – quatro –, havia bem mais de uma dúzia de canha-lhas a encher o enorme salão, gente que decerto mataria a própria mãe se daí lhe adviesse algum lucro, e os remorsos ficavam para mais tarde. “Sir Aldra, apontou-mos sem ser necessário, pois já os tinha identificado. Os seus olhares cruzaram-se com o meus e, se matassem, era certo e sabido que o coveiro tinha trabalho a quintuplicar.

Manuel Sabujo, um dos maiores traficantes de café, ninguém em Campo Maior sabia disso, ia passando o giz pelo seu taco, enquanto esperava a hora da desforra. Constava-se que sempre que era convidado para jogar perdia grandes somas. Talvez por isso mesmo insistissem em convidá-lo.

António Seco era de outro estofo: costumava voar muito alto, tão alto que a maior parte das vezes batia com os… (cortado pela censura) nas nuvens, mas eu tinha para mim que, quanto mais alto eles voam, maior é o trambolhão. Este era daqueles que nem perdiam nem ganhavam – simplesmente apostavam pouco. O maior prazer deste magano era roubar chuchas e doces a pobres criancinhas indefesas.

O terceiro elemento, encostado a um canto, esperava que o parceiro terminasse a jogada. De seu nome Joaquim Horta, de agricultura não percebia nada. Era o terror das moçoilas da pré-primária. Tinha uma folha de serviço maior que a Via Láctea: um dia, quando morresse, até o Diabo fugia dele.

A quarta e última figura deste grupinho chamava-se Artur Carraça. Engraçado que o primeiro nome era igual ao do prestimoso “Sir Aldra”, também conhecido por Artur Bidé. Este tinha na mania que era o galã cá do sítio, mas nem sequer chegava a galão… Era vê-lo sempre empoleirado em brutas máquinas e… loiraças bonitonas. Se tivessem bago, ainda melhor. Quantos lares não ficaram destruídos à custa do suor deste pobre trabalhador, cujo trabalho passava pela cama e, depois de terminado, pelo vídeo ao esposo…

Até agora ainda não tinha notado nada de especial, a não ser o facto de o ambiente se ter tornado irrespirável, notando-se que se mantinham algumas trocas de olhares entre alguns “tubarões”.

Quase apostava que a minha vinda ali teria sido em vão e, se eles se matassem uns aos outros, o mundo nada perderia. Na mesa de “snooker”, as paradas agora eram bem altas visto faltarem poucas bolas e nem sinal do assassinato… Bolas que também me estava a tornar sádico!!

Carraça e o parceiro Horta suavam em bica. Aproximei-me tanto quanto pude, pois minha presença ali não era muito apreciada, e consegui por uma ou outra frase compreender que os dois estavam em muito maus lençóis. Ao que parece, estes acabaram por perder tudo aquilo que tinham e o que não tinham, provocando enormes risotas em Sabujo, que por um dia tinha perdido a sua triste fama de azarado profissional. Ao sentir-se observado, o bando dos quatro preferiu ir para um reservado, pelo que me obrigaram a escolher outro o mais perto possível deles.

Não tinha aquecido a cadeira, quando um empregado muito solícito me depositou na mesa um copo tamanho família com um líquido de cheiro atraem-te. Sem saber o que continha, neguei-o; entretanto “Sir Aldra” teve direito a outro. O empregado afirmou ter recebido ordens do reservado para onde tinham entrado os dois “pares de jarras” e que aquela bebida era especialidade da casa, que sendo ingerida com moderação não provocava efeitos “colaterais”.

O tempo foi-se passando e vimos sair, pela seguinte ordem, Manuel Sabujo, Joaquim Horta, António Seco. Faltava só ir para casa Artur Carraça, os empregados, dois ou três clientes e, como é lógico, eu e “Sir Aldra”, ali abancados já há algumas horas sem fazer despesa ao patrão, e isso até parecia mal.

Ouvimos um grito rouco. Corremos como dois galgos em busca de uma lebre, para o local de onde parecia ter vindo esse indício de que algo de anormal se estava a passar. Quem lançara o grito fora o empregado que nos servira: admirado com a demora do último elemento da trupe, decidira ir dizer que estava na hora do “ó-ó”, portanto queria fazer contas para fechar a loja. E o algo de anormal era o Artur Carraça que se encontrava esvaído em sangue.

Este não deveria ter podido esboçar qualquer movimento de defesa e a sua morte deve ter sido no meio de um enorme sofrimento, já que esta deverá ter sido numa lenta agonia. Na mão, apertava uma carteira de fósforos semiaberta, tirei-a e ao abrir deparei com algo escrito com seu próprio sangue: dois ésses deitados e em letras que não se poderia dizer que seriam normais estava escrito “réptil”.

De resto, parecia que por ali se tinha assistido a uma festa. Entretanto, chegaram os meus colegas que trataram de tudo o mais. Quanto a mim, visto não fazer ali mais nada, dei corda aos sapatos e meti-me na alheta, para o vale dos lençóis. Ao menos aquela prova, se poderia chamar prova àquilo, ficara comigo.

Não consegui dormitar quase nada, e quando me preparava para engolir o café fez-se luz no meu espírito, vesti-me apressadamente, saí de casa, entrei numa livraria, pedi licença para consultar o que queria e… “Eureka!”

Os dados estão lançados, uma e só uma pode ser a resposta correcta:

 

A) Artur Carraça praticou “hara-kiri”.

B) Joaquim Horta assassinou seu companheiro.

C) António Seco matou A. Carraça.

D) Manuel Sabujo matou e ficou com o dinheiro de A. Carraça.

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO