Autor

Agente X-9

 

Data

30 de Setembro de 1976

 

Secção

Mistério... Policiário [81]

 

Competição

Interregno...

Prova nº 4

 

Publicação

Mundo de Aventuras [157]

 

 

Solução de:

PRODUÇÃO…

Agente X-9

 

Não foi publicada a solução do autor, apenas o comentário seguinte!

 

 

COMENTÁRIO por Jartur

 

Tenho na minha frente a tua «PRODUÇÃO…», Prova n.o 4 do «INTERREGNO»...» Já a li duas vezes, e como tenho que comentar esse teu trabalho, embora contrariando – no entanto sem as contestar – as normas sugeridas pelo nosso amigo «SETE», vou aproveitar para duma cajadada, matar dois coelhos, isto é, preparar a solução que me classificará, nesse torneio a que ambos estamos a concorrer, e elaborar a minha apreciação, «virgem», imparcial e honesta, agora, e ainda, sem quaisquer influências de terceiros, sem os benefícios ou prejuízos que as soluções dos outros companheiros concorrentes poderiam sugerir.

Assim, estou certo que este será efectivamente o meu comentário.

Mas podes crer, Amigo, que, se posteriormente, no decorrer do longo processo que o teu problema, a tua solução, a minha resposta e as restantes vão constituir, eu me aperceber de qualquer falha ou exagero da minha parte, imediatamente rectificarei a minha posição perante o acontecimento, produzindo os comentários de aditamento que me pareçam justos e válidos.

I

A forma como inicias o problema, com aquela frase proferida pela vítima, que telefonicamente se dirigia ao detective Artur Neves – (Há aqui um sarilho por causa da Clara…) – sugere-me que havia uma certa familiaridade ou intimidade entre o investigador e o Barros. Do mesmo modo, a maneira como ele se referira à Clara, dá-me a entender que esta não seria desconhecida do detective. Tu colocaste o homem a nomear a Clara, assim, simplesmente dizendo: …por causa da Clara… Repara que, efectivamente, à primeira análise nos sugeres a ideia que te refiro. Se assim não fosse, ele diria ou, logicamente, deveria dizer, se se tratasse de pessoa para o investigador desconhecida: ….da minha prima Clara… ou, …da minha irmã Clara… ou ….da minha noiva Clara… Concordas? Aceitemos, porém, que essas indicações pretenderia a vítima fornecê-las após a referência do nome da noiva, mas o estampido do tiro, ou melhor, o efeito do tiro, tirou-lhe essa possibilidade.

II

Depois, como colocas o detective a correr para o apartamento de solteiro de Barros, sugeres que essas instalações estão nas imediações, nas vizinhanças, talvez até, e mais provavelmente, no mesmo edifício. Referindo ali, no mesmo período, que ele encontrou a porta entreaberta, reforças essa ideia.

Não fazendo uma descrição mais ou menos exacta, das demoras e da localização dos objectos e dos acontecimentos, no tempo e no espaço, tu estás a dificultar a investigação e a diminuir a qualidade do problema, porquanto permites admitir uma chegada do detective bastante rápida, após o crime, sem que, entretanto, tenha visto o criminoso em fuga. Assim, estás de certo modo a construir uma incongruência, já que a falta de definição dos tempos nos coloca na expectativa de ser ou não possível que o investigador encontrasse o criminoso em fuga.

III.I

Quando escreves que… – «Barros estava caído de bruços, a um metro do auscultador pendurado pelo fio.» – estás a fornecer, agora sim, os elementos que fornecerão a chave do problema. Porém, também aqui deverias ser do mesmo modo claro e exacto, referindo mais pormenorizadamente a posição do corpo em relação ao telefone, e, se é – tu não o dizes – que o auscultador era o do telefone onde se encontrava este aparelho.

A um metro do auscultador, não é coisa que de certeza absoluta nos dê um posicionamento exacto. O auscultador tanto poderia encontrar-se a um metro dos pés, como a um metro da cabeça do morto. E cada possível posição, ditará uma quantidade de possíveis raciocínios.

III.II

Dizes que o assassinado tinha sido atingido com um tiro nas costas. A bala tinha entrado por baixo da omoplata e saído, como verificou Artur Neves ao voltar o corpo de costas. Adianta, depois, que: – A camisa de seda branca de Barros estava cheia de sangue nos pontos de entrada e saída da bala.

Como primeiro pormenor para a construção da chave do mistério, está mais ou menos certo. Isto é, nós sabemos o que tu pretendes. Queres que nós, com aquela leitura, fiquemos a perceber que o investigador viu, ao chegar, o corpo caído de bruços com um buraco à mostra, nas costas, por onde entrara a bala; e que, ao virar o corpo, o detective viu o buraco por onde a bala saíra, algures, no peito, parte do corpo que agora ficara voltada para cima.

Tudo isso deveria ter sido posto com mais exactidão e precisão, isto é, melhor definido, o que não significa que o não tivesses dito duma forma discreta e camuflada. Quero dizer, para que o problema constituísse ainda mais problema, poderias ter arranjado literariamente o texto, de forma a não estar tudo isso dito assim «à disparada». Claro que todos esses dados necessários à boa decifração do problema, devem ficar bem patentes no texto, mas não se torna necessário que a sua assimilação seja feita de imediato, numa leitura directa. Basta, e isto quanto a mim torna o problema ainda mais válido, quando o decifrador para chegar ao conhecimento dos elementos essenciais tenha que fazer um aturado exercício raciocinativo.

III.III

Depois, dizes que quando Neves estava à procura da bala, ouviu um grito, e a pessoa que o emitiu, emitiu igualmente a opinião de que teria sido Eduardo Matos o autor do crime, pois… «É mesmo próprio dele matar Filipe pelas costas. É um cobarde!

Pretendes, portanto, que o criminoso, melhor, a criminosa, é ela, a noiva, porquanto, se o não fosse, ou se, pelo menos, não tivesse sido conivente no crime, não saberia que o homem fora alvejado pelas costas. Repara, todavia, que tu não disseste que o corpo fora deixado ficar pelo investigador, na posição em que o colocara, isto é, de costas. Não ficou posta de parte a ideia de que o detective o repusera na posição inicial. Até porque, tu dizes que quando Neves estava à procura da bala… e nós não sabemos o que se passou entre o descrito voltar do corpo e a procura da bala. Nem o lapso de tempo de procura, até à chegada da Clara. Essa abertura, permite-nos tecer enormes conjecturas. Deverias ter deixado explícito ou implícito na escrita, que o corpo ficara exactamente de costas, não deixando margem para possíveis dúvidas.

III.IV

Também não seria mau que tu tivesses dito, precisamente, como fizeste em relação ao oríficio de entrada, onde se situava o «ponto» de saída da bala.

III.V

Melhor ainda. Para o detective Artur Neves saber que o primeiro buraco que observou era o de entrada da bala, era necessário que neste estivessem, bem patentes, as características que o definissem como tal. Ora, essas características deveriam ter sido por ti divulgadas, e nem era preciso que dissesses por onde entrara a bala. O problema reuniria melhores condições, deixando aos «sherlocks» o trabalho de concluir qual fora o orifício de entrada e o de saída, da bala assassina.

III.VI

De futuro, tens que ter mais cuidado com a construção dos problemas policiários, de forma a evitares as gralhas e a incoerência que em alguns pontos da produção sobressaem.

Quando tu dizes… «ouviu um grito era Clara Barros» …estás a dar a ideia de que fora o detective que assim a identificara. Então, confirma-se o que lá atrás escrevi, de que ela não seria estranha ao investigador. Logo a seguir pões a senhora a identificar-se, dizendo: – Eu sou Clara Neves, a noiva de Filipe… Etc. etc. Há aqui uma insólita mudança de nomes, e um certo ficar na dúvida se ela era noiva ou esposa. Se usava o nome do marido; Barros, ou se, por coincidência, tinha o mesmo sobrenome que o investigador.

III.VII

Mesmo atendendo à pequenez do problema, e pequenez não é sinónimo de fraqueza, deverias ter-lhe dado um maior cuidado na elaboração do texto, nomeadamente na marcação dos diálogos. Deverias ter separado, em parágrafos diferentes, a voz de cada um dos personagens. Hás-de reparar, na apreciação das obras literárias de escritores dos diversos ramos literários, de que maneira são colocadas as «falas» dos intervenientes. Com ligeiras alterações, isso tem uma certa maneira convencional de ser feito. Verás que não é difícil.

III.VIII

E por agora, é tudo quanto se me oferece dizer-te.

Quando coloquei a primeira folha do papel na máquina, estava animado de todo o entusiasmo para desbobinar, ao longo de não sei quantas folhas, exaustivamente, todos os pontinhos que o problema denunciasse. De repente, caiu-me em cima uma montanha de afazeres, e a terceira folha esteve metida na máquina à espera de continuação de trabalho, para cima de dez dias. Depois, até o «M.A.» me desapareceu, e tive que pedir ao XZZ que me cedesse urna fotocópia. Prossegui e terminei o trabalho hoje, sem sequer ter tido oportunidade para reler o que tinha escrito nos dias anteriores. Espero não me ter repetido nem perdido, e que este meu trabalho te vá agradar.

Cá por mim, fico na esperança de que cada nova produção tua seja melhor que a anterior, desde o título até à pergunta final.

Mais úteis do que todos os conselhos que aqui te pudesse dar, vão ser para ti, sem dúvida, os ensinamentos que recolherás à medida em que fores apreciando os problemas dos nossos companheiros e confrades, praticantes deste famoso, aliciante e útil desporto raciocinativo.

© DANIEL FALCÃO