Autor Data 28 de Março de 1999 Secção Policiário [403] Competição Prova nº 3 Publicação Público |
O ESQUELETO SEM DONO A. Raposo O meu nome é Herédia. James Herédia. Aliás, entre o James e o
Herédia, tenho mais uma dúzia dos mais sonantes nomes da monarquia europeia,
que me escuso a mencionar, por profunda modéstia. Moro num enorme casarão, num
dos bairros mais antigos de Lisboa. A casa onde habito é multo anterior ao
terramoto e pertence aos Herédia desde o princípio da nacionalidade. Felizmente que os meus
antepassados se deram ao trabalho de registar, em pesados volumes de riquíssimo
valor histórico, a linhagem e os muitos personagens que fazem parte dos meus
maiores. Leio os enormes volumes e
vou sabendo, quase de cor e salteado, os diferentes personagens que, no
decorrer do tempo, foram valorizando o meu património genético, isto, claro,
com uma ou outra blenorragia, que, por mais que as tentemos evitar, sempre
conspurcam o insigne sangue real de esmeralda das melhores origens. Acontece que, este ano,
resolvi deitar umas antiquíssimas paredes abaixo, para alargar o salão principal,
e sucedeu o impensável. No interior da parede, surgiu um cadáver. Devia lá
estar há séculos!!! Chamei a PJ para evitar
problemas. O esqueleto foi retirado
com todo o cuidado e tudo foi metodicamente analisado pelos Laboratórios da
PJ. Posteriormente, recebi um
relatório em que, resumidamente, me informavam de que o esqueleto pertencera
a um indivíduo, do sexo masculino, de idade entre os 30 e os 40 anos. Através dos restos das
roupas, foi possível calcular que o corpo teria sido colocado entre paredes
há mais de 300 anos. Junto ao corpo foi
encontrada uma espécie de bolsa, em cabedal forte, cujos restos guardavam
dois morabitinos de ouro já gastos e, ainda em bom estado, uma moeda, também
de ouro, do tempo de D. Pedro I, chamada de “dobra”. Conseguiu-se também
descobrir, junto com as moedas, uma côdea de broa e umas mirradas sementes de
trigo, cevada e tabaco. A PJ arquivou o caso porque
estava mais do que provado que, se tivesse havido crime, como creio que era o
caso, até os bisnetos do criminoso já estariam a fazer tijolo. Para a
polícia, a investigação parou, mas não para mim. Fui novamente aos livros
dos meus antepassados e comecei a fazer a minha análise. Cheguei à conclusão
de que, desde a primeira edificação do casarão-palácio, as obras que houve
nunca tinham incidido sobre o salão. Por aí a busca não me levaria a lado
nenhum. Porém, no capítulo dos antepassados que tinham desaparecido sem
deixar rasto, aí sim, havia nada mais nada menos do
que quatro. E foi por este caminho que
fui, para tentar descobrir a qual dos antepassados pertencia, com certeza,
aquele velho esqueleto. Na minha linhagem, como era
corrente, todos os meus antepassados tinham cognomes. Os cognomes, às vezes,
não davam aos donos grande prestígio. No caso dos quatro antepassados desaparecidos
sem deixar rasto, todos tinham o seu nome de guerra. D. Fluas era o “Roupão”,
porque tinha a mania de usar um grande roupão onde escondia donzelas lá
dentro. Tinha desaparecido em 1349, com quase 40 anos. D. Afonso, o “Louco”, não
devia bater bem da bola. Em 1400 saiu de casa e nunca mais foi visto. Tinha
38 anos. D. António, o “Seca-Adegas”.
Usava e abusava dos tintos e brancos. No ano da graça de 1453, numa bela
tarde de Verão, com a idade em que dizem Cristo morreu, saiu de casa e nunca
mais voltou. D. Teodorico, uns meses
após o ano da graça de 1670, desapareceu como fumo. Tinha por alcunha o “Judeu”.
Eu vou ficar com a alcunha
do “Policiarista”. Convenhamos que me assenta como
uma luva. Graças às minhas investigações, descobri qual dos meus antepassados
era o dono do esqueleto. Gostaria que os prezados
amigos escolhessem um dos quatro: a) D Fuas b) D. Afonso c) D. António d) D. Teodorico. |
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© DANIEL FALCÃO |
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