Autor Data 14 de Maio de 2000 Secção Policiário [461] Competição Prova nº 2 Publicação Público |
CRIME NO CASTELO DE ALMOAR A. Raposo Esta história passa-se na
Idade Média. Toda a gente sabe que foi
um tempo cheio de dificuldades para o povo, já que a nobreza e o clero tinham
com que se entreter. Os primeiros a lançar dízimas e impostos ao povo, os
segundos alimentando as fogueiras dos que se armavam em espertalhões. Valia
tudo. Os maiores enxovalhos caíam sobre o desgraçado do povo que, como de
costume, comia e calava. O castelo de Almoar ficava
numa zona de grande conflito, na raia de Castela. Ora vinham os mouros e
corriam os cristãos a fio de espada, ora vinham os de Castela e era um
ver-se-te-avias. Finalmente, vinham os indígenas e voltava a dança. Até que
D. Álvaro de Montarya, um nobre “free-lancer”, que tanto se vendia a Castela
como a quem mais desse, tomou conta do castelo de Almoar e terras adjacentes,
autonomeou-se dono e senhor e começou a dar cartas, por muitos anos e bons.
Bons para ele, claro. Os problemas começaram uns
anos depois, com seu filho varão, de nome Ambrósio de Montarya. O mocetão, na
falta de pelejas, dedicava-se à caça de damas, fossem elas casadas, solteiras
ou viúvas. Ambrósio já tinha variadíssimos bastardos, medrando pelos povoados
em redor. E, assim, o tempo corria,
até que um dia surgiu a bronca! Ambrósio apareceu morto junto às portas do
castelo. Tinha-se esvaído em sangue – presumivelmente azul – pelo corte cerce
das suas vergonhas. Imediatamente se pensou que
o crime teria origem nos maridos vilipendiados. O problema era saber quem. E
eram tantos! Na falta de polícias e
outras modernices, foi nomeado o almoxarife, homem muito sagaz e da confiança
de D. Álvaro, para resolver o problema. Assim, iniciou o almoxarife
a sua investigação, começando exactamente pelo guarda do castelo, que era
simultaneamente o vigia. Era ele quem passava as
noites em branco, fazendo o percurso pelas ameias, na mira de eventuais assaltantes.
Contou ele que, logo no
princípio da noite, caiu uma chuvinha tipo “molha-tolos” que durou pouco, e
passado um bocado caiu um nevoeiro que rapidamente também se dissipou para
voltar a ver-se a bolachuda Lua. Andei toda a noite a percorrer as ameias e demorei-me
na barbacã em vigia. Não dei por nada. Só sei que, ainda noite, antes do
nascer do Sol, ia a sair pela porta grande e encontrei o corpo do Ambrósio. O
coitado estava completamente morto, pálido e frio, certamente por ter perdido
tanto sangue. Chamou-me a atenção aquela moeda de prata que tinha ao pescoço,
como amuleto, a brilhar, e ninguém lha roubou. Portanto, o móbil do crime
deve ter sido a vingança não o roubo! Sabia pouco o almoxarife de
problemas criminais, mas tinha um grande conhecimento da alma humana e das
suas fraquezas. Na presença do crime,
verificou que o corpo de Ambrósio, estava com a roupa seca, apesar de ter chovido.
Uma grande quantidade de sangue ensopara as suas calças. Concluiu que o crime
devia ter tido lugar debaixo de telha. Teria sido arrastado para ali, já
noite avançada. Verificou que um roço ficara desenhado no chão, marcas dos
calcanhares da vítima ao ser arrastado, puxado pelas axilas. Os passos
marcados no chão davam a perceber que haviam sido duas as pessoas a carregar
a vítima. Tudo isto lhe parecia
óbvio. Mas quem teria feito o trabalho? Voltou-se assim para os
suspeitos. O primeiro a ir a perguntas
foi Isaías, um rústico trabalhador do campo, casado com uma bela moça, ainda
jovem. Isaías morava numa casa
junto ao terreiro da entrada principal do castelo, perto do lugar onde o
corpo apareceu. Jurara por Cristo que toda a noite estivera a tentar aumentar
a prole. A certa altura da noite, ouviu um barulho e veio espreitar mas não
viu nada, estava tudo ainda muito escuro. Também dera pela chuva e pelo
nevoeiro mas, quando veio à rua, já a chuva passara e o nevoeiro partira. A
noite já ia a chegar ao fim. A mulher de Isaías não pôde
confirmar as declarações do marido porque tinha ido, entretanto, a casa dos
pais, numa aldeia distante. Um outro suspeito era José
da Eira, que estivera fora, muito tempo a trabalhar nas ceifas. Dizia-se que
o seu filho mais novo era a cara chapada do Ambrósio… José disse ter ido a um
lugar longe do castelo, ter com uns primos e que na volta, já noite cerrada, encontrou
nevoeiro ao chegar perto do castelo onde vivia. No caminho ouviu um grito,
mas pareceu-lhe ser um mocho a piar. Chegou a casa e foi dormir. Outro suspeito, de nome
João Soldado, estivera com o seu amigo, Zé Moleiro, na estalagem da terra, a
beber umas pingas. Despedira-se do amigo a meio da noite. Notou o chão
molhado, mas não deu pela chuva, nem pelo nevoeiro que, tinham-lhe dito,
fizera no princípio da noite. Dizia-se que a mulher do
João Soldado, quando este estava longe, recebia regularmente o nobre na sua
humilde enxerga. Más-línguas. O almoxarife passou a
seguira ouvir o Zé Moleiro, cuja mulher, diziam os invejosos, também tinha visitas
do Ambrósio, quando ele saía a entregar farinha. Zé Moleiro, jovem ainda mas
já curvado pelo peso dos sacos de farinha que alombava, disse que saíra da estalagem
depois do amigo João e fora para casa. Notou o chão molhado mas já não viu
nevoeiro nenhum, talvez porque vivia afastado do castelo. Um novo suspeito, Zé Nabo,
hortelão, disse que apanhou um grande pifo e ficou toda a noite tombado junto
ao cruzeiro. Quando acordou, já sóbrio,
tinha perdido a bolsa do pão e o cajado. Apesar de ter boa vista, teve que esperar
pela manhã para encontrar tudo aquilo que, afinal, estava ali, junto aos seus
pés. Só deu pela chuva porque a sua roupa estava molhada. Se fez nevoeiro,
não deu por ele. Devia ter estado a dormir. Apanhou a sua tralha do chão e
abalou para casa, já o Sol era nascido. João Padeiro, o último
suspeito a ser inquirido, disse que esteve a trabalhar toda a noite. A
enformar pão. O forno demorou a acender porque alguma lenha apanhou chuva. De
manhã foi para casa, dormir. Caros Amigos, precisamos de
arranjar um duo, para ser incriminado pela morte do Ambrósio. Façam o favor
de escolher entre as seguintes propostas: A) Isaías e Zé Nabo B) João Soldado e Zé
Moleiro C) Zé Nabo e João Padeiro D) José da Eira e Isaías |
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© DANIEL FALCÃO |
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