Autor Data Novembro de 2004 Competição I
Torneio Policiário “O Lidador… das Cinzentas” Prova nº 1 Publicação (em Secção) |
D. PIO-PIO PERDEU O PIO A. Raposo Este
caso passou-se na Península Ibérica, num reino à beira-mar plantado, que
viria a ter uma revolução ao 25º dia de um florido mês de Abril. Também
nestes tempos, as chuvas eram escassas e a terra madrasta. Tempos de fomes e
de pestes. Ainda
não tinha chegado o pino do Inverno e já as terras gretavam por alguma chuva,
eram tempos maus para os nabos, as couves, isto para não falar dos lençóis freáticos. D.
Pio-Pio era dono de sete léguas em redor. Vivia com os seus, familiares e
lacaios, numa bela mansão senhorial, com beirais de andorinhas no telhado,
alguns porcos no chiqueiro e um ou outro alazão na estrebaria. Como a
agricultura era de resultados imprevisíveis, os campos mantinham-se a mato e
os javalis, com a fominha, rondavam por perto. D.
Pio-Pio tinha um nome só por mero acaso coincidente com ruído galináceo. Os
seus antepassados eram ilustres, todos inscritos nos livros de linhagens. O
facto de ter perdido o pio, deve-se às vicissitudes da história. D.
Pio-Pio gostava de ir à caça. Hoje dir-se-ia um hobby.
Mas gostava de dar o seu show. Enquanto todo o mundo
ia à caça a pé, com arco e flecha, o bom do homem ia a cavalo, de lança em
riste. Enquanto
o pessoal ia a roçagar as nádegas pelos espinhos e cactos,
o senhor ia todo empinado no seu cavalo, com a sua meinha
preta a condizer com a cor do gibão. Apesar
de já ter passado mais de 50 Outonos, ainda tinha um rosto jovem, com laivos
de cretino. Contavam-se dele coisas, que deixaria perplexo qualquer cronista
coevo. Quando
a caçada já ia a meio e quando toda a gente já estava a insultar belzebu,
visto que de javalis nem sombra, D. Pio-Pio apanhou uma flechada nas costas e
caiu com as ventas no pó do caminho. Os
seus peões, a princípio estupefactos, verificaram que D. Pio, perdera definitivamente o pio. Lá levaram o pobre no
dorso do cavalo até casa. Mortinho da Silva. Suspeita era toda a gente que fora na
caçada. Também (dizia-se) tinham razões para o liquidar. Coube-me
a tarefa de reunir os depoimentos de todos os suspeitos. Depois de os ler
conclui que um deles tinha feito afirmações que o levariam às masmorras. Eis
o que disseram: D.Segismundo –
Durante algum tempo segui à frente do cortejo. Deu-me uma forte vontade e
fiquei para trás. Quando regressei tinha D. Pio caído no chão. Não utilizei
qualquer flecha. Estão todas comigo. Os
dois peões de D. Pio-Pio – Íamos ao lado do cavalo. De repente ele caiu no
chão. Teve morte quase imediata. A flecha deve ter atingido o coração,
através das costas. D.
Jerónimo (potencial herdeiro de D. Pio-Pio) – Toda a gente sabe que não gosto
dele. Mas não fui eu. Atrasei-me, fiquei para trás a espreitar uma toca de
lobo. Juro que não fui eu. D.
Raimundo – Eu não morro de amores por ele, mas também não ia matar o homem.
Eu andava distraído à cata de uns cogumelos e atrasei-me do cortejo. Depois
quando cheguei já ele estava no chão. D.
Perlimpim – Não parti com o grupo. Atrasei-me a
observar um casal de andorinhas e depois uma ninhada de cães. Só depois é que
me pus a caminho. D.
Serafim – Ia junto a D. Pio, mas como levava um cão pela trela, o bicho
picou-se nus espinhos e atrasei-me… D.
Jasmim (peão de D. Jerónimo) – Tive muitos azares. Caí e parti duas flechas.
Deitei-as fora. Esfolei os joelhos. Não fiz mal ao homem. Serapião
– A determinada altura por razões fisiológicas fiquei para trás. Depois
recuperei e quando cheguei ao cortejo tinha sucedido já o caso. Com a pressa
perdi uma flecha, mas não me apeteceu voltar atrás. Pergunta-se:
Quem terá mentido? |
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© DANIEL FALCÃO |
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