Autor Data 1 de Agosto de 2021 Secção O Desafio dos Enigmas
[121] Competição Torneio
de Iniciação A. Raposo Prova nº 3 Publicação Audiência GP Grande Porto |
A MORTE DO MORENO DE OLHOS VERDES A. Raposo Aquela noite, do quente e
ventoso Verão lisboeta, passava lenta e monótona. O detetive Tempicos estava de plantão, na Judiciária, e, para passar
o tempo, entretinha-se a fazer palavras cruzadas, ouvindo um longo trecho de
jazz no seu mini-rádio. Sem dar por isso,
acompanhava, tamborilando com os dedos no tampo da secretária, a velha
melodia, na voz roufenha e eterna de Louis Armstrong. Uma cervejinha gelada e
um pacote de pevides refrescavam o ambiente. Às três da madrugada –
normalmente, a hora do crime –, o seu telefone, finalmente, tocou. Tinha
havido caso, para os lados do Areeiro. Na Avenida do Aeroporto. Num instante,
desceu à rua e cerca de 10 minutos depois estava junto ao portão da Vivenda
Ornelas. Tocou à campainha e este abriu-se, bem como a porta da casa. Um
indivíduo alto, forte e com algumas brancas no cabelo, apresentou-se: – Coronel Ornelas. O senhor
deve ser da polícia... – Sim, detetive Tempicos, da Judiciária. Limpou os pés no tapete e
entrou no “hall”. No chão, estendido, de bruços,
estava um corpo. – Entramos por aqui, para a
saleta – disse o dono da casa, e continuou: – O corpo que está no chão é o do
Quinzinho, o marido da minha sobrinha. Esta noite aconteceu um acidente. Eu
sou o responsável. Assumo. Estava no meu quarto a tratar da coleção de
borboletas, quando ouvi um ruído esquisito. Pareceu-me vir do lado da porta
da rua. Este ano já fomos assaltados uma vez, por isso fiquei atento. Desci
do meu quarto e entrei nesta saleta; retirei da secretária a minha velha Luger, mas sempre operacional, e fiquei esperando, às
escuras. Ouvi uns passos no corredor e apontei a pistola ao alto e disparei
um tiro de intimidação. A seguir, como o intruso nada dissesse ou fizesse,
apontei de novo, para o que pensei ser as pernas do vulto. Verifiquei,
infelizmente, que tinha acertado. Pela minha prática de guerra, vi que ele
estava morto. Não mexi no corpo, nem deixei ninguém aproximar-se. Vim
telefonar logo para a polícia. Só depois chegou o jardineiro que habita num
anexo exterior à vivenda; veio ver o que se passava. A minha sobrinha, a
Fatinha, que vive com o Quinzinho, apareceu a espreitar do quarto, mas eu,
rapidamente, voltei a empurrá-la para o interior, poupando-lhe o espetáculo e
até a dor. A criada, a Hilda, como é um bocado surda, não deve ter dado por
nada, porque não saiu ainda do seu cubículo. O detetive Tempicos apontou a secretária e abriu a gaveta. – É esta
a arma? – perguntou. E, sem esperar pela
resposta, enfiou uma caneta pelo cano, meteu a arma numa saqueta de plástico
que trazia no bolso, fechou-a e meteu tudo no bolso. De caminho tateou ainda
umas pevides perdidas no fundo da algibeira. Tempicos
dirigiu-se ao corpo estendido no chão, para uma observação superficial. A
vítima era muito jovem, de tez morena e de olhos verdes, verificou. Vestia
uma camisa clara e um casaco de cabedal leve e fino, calças de bom corte em
bombazina escura, sapatos de boa marca de macio cabedal, muito bem tratados.
Sangue escorria por debaixo do corpo. Tempicos deixou o resto para a brigada que viria
depois. E ao coronel Ornelas pediu para lhe indicar o quarto da sobrinha,
para a interrogar. Fatinha abriu a porta após
a apresentação do detetive. Era uma moça roliça e farta de curvas. Daquelas
meninas mulheres muito comuns nos filmes americanos da série B. Tanto melhor,
pensou o detetive e, com um sorriso forçado, interpelou a jovem sobre o caso.
– O meu tio não me deixou
sair do quarto, mas calculo que deve ter havido uma desgraça com o Quinzinho,
porque ele estava estendido no chão… Eu ainda vi. Tínhamos uma relação de
amor-ódio. A nossa ligação era difícil. Não estávamos casados, de papel
passado, mas era como se o fôssemos. De vez em quando, tínhamos as nossas
coisas. Ele está morto, não está? Não há nada a fazer? Que desgraça! Quem
diria, ele era tão forte, tão atlético, tão saudável, foi um tiro certeiro.
Que vai ser de mim agora? O meu tio tem-me protegido muito, felizmente.
Fiquei órfã muito nova. Tempicos fez com a mão o sinal de “já chega” e,
despediu-se da jovem, entregando-lhe um lenço de papel como forma de
contribuição para enxugar as próximas lágrimas. Após as explicações do
coronel, o detetive dirigiu-se ao cubículo de arrumos, onde a jovem criada
Hilda preferia pernoitar. Tempicos bateu à porta e
só depois de se identificar como polícia conseguiu que esta se abrisse. O cubículo
mal dava espaço para um sofá-cama velho, vassouras, baldes e um escadote.
Interrogada sobre aquele local para pernoitar, a empregada disse preferir
dormir ali nas noites de muito calor a ficar no sótão, onde tinha quarto, mas
o calor não permitia pregar olho. Tempicos
pediu-lhe que resumisse o que se passara naquela noite e registou: – Sou um bocadinho surda,
mas ouço as brigas do casal. Estava já quase a pegar no sono quando ouvi um
ruído no corredor. Do meu interruptor do cubículo acendi a luz do “hall” e subi três degraus do escadote, para espreitar pela
bandeira da porta, que tem vidro, e vi a cara do Sr. Quinzinho a dizer
qualquer coisa voltado para dentro da casa. De repente, ouvi um tiro, o Sr.
Quim ficou com cara de pânico, depois outro tiro e ele fez uma careta e
desapareceu do campo de visão. Pensei que tinha sido alvejado. Subi mais um
degrau do escadote e vi o pobre do senhor no chão, com aqueles olhos verdes,
parados. Devia estar morto. Fiquei aterrada, pensando em ladrões. Tempicos agradeceu as informações e voltou à
presença do coronel. Perguntou-lhe se havia mais alguém na casa. Ornelas só
nesse momento se lembrou do motorista. Dormia no piso superior no corredor,
ao fundo. A custo e só depois de bater diversas vezes à porta é que a ensonada
personagem apareceu em pijama. O seu depoimento também não adiantou grande
coisa: – Na véspera, estive de
folga e fui numa excursão a Vigo. Já cheguei perto da meia-noite com a
barriga cheia de mexilhões e cerveja, caí na cama e dormi como um anjo… Tempicos não precisou de mais nada, desceu e foi
ter com o coronel que se preparava para ser levado, sob a suspeita de crime.
Telefonou para a sua brigada, a fim de mandar avançar o processo burocrático
e técnico da polícia. Ao sair com o coronel verificou que na ombreira da
porta uma bala estava incrustada. Antes, tinha apanhado do chão duas
cápsulas, perto da entrada da saleta. Posteriormente, o relatório da técnica
deu-lhe mais alguns dados: 1 – A arma do coronel fora a que provocara o crime
e as eventuais impressões digitais tinham sido limpas; 2 – Quinzinho tivera
morte súbita. Uma bala cortara a aorta e deixara o coração em péssimo estado.
Ornelas fora preso preventivamente e iria ser acusado de ter praticado
homicídio involuntário. Por ter confessado, certamente que a sua condenação
teria atenuantes. No seu currículo tinha uma carreira militar exemplar e,
ironia do destino, ultimamente dedicava-se com êxito à escrita de romances
policiais… Esta é a história. Pede-se somente um final para a mesma, se possível
curto, certeiro e verosímil. |
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© DANIEL FALCÃO |
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