Autor Data 10 de Abril de 2016 Secção Policiário [1288] Competição Campeonato Nacional e Taça de Portugal – 2016 Prova nº 3 (Parte II) Publicação Público |
UMA INVESTIGAÇÃO DO OLHO VIVO E PÉ LIGEIRO A. Raposo & Lena Caía uma chuvinha teimosa na
calçada e os candeeiros da rua mal conseguiam romper o breu da noite que
descia sobre a cidade. Um vulto elegante de mulher
seguia apressada. “Olho vivo e pé ligeiro” na
sua gabardina e chapéu mole seguia a passo estugado, para fugir ao vento e ao
mau tempo anunciado. De repente. É sempre de
repente que as coisas mais estranhas acontecem. Do fundo da noite alguém
surgiu com um objeto brilhante e quiçá cortante meio escondido do interior do
casaco. Um grito. Um corpo, no
chão, ferido. Uma correria de um homem que levava na mão a mala da senhora
ferida. “Olho vivo e pé ligeiro”,
um antigo inspetor da PJ reformado tentou a corrida atrás do fugitivo mas
logo refreou. A sua idade, o reumático, não davam chance. Ligou ao 112 a pedir um
médico e foi inspecionar a senhora caída. Uma ferida na omoplata esquerda,
eventualmente profunda pois o sangue corria abundante. A senhora balbuciou em tom
queixoso: “O malvado atacou-me por detrás, nem dei pela aproximação. Deu-ma a
facada e levou-me a mala. Eu tinha vindo do multibanco e lá se foram os
duzentos euros, mais outro tanto que lá tinha para pagar a renda de casa. Nem
lhe vi a cara, nem nada.” Passadas umas horas a
senhora ferida e já tratada e recuperada do susto, estava na esquadra a
tentar observar quatro potenciais assaltantes. Eis a descrição, completa
dos mesmos que constava do álbum de suspeitos que a vítima observou
atentamente antes de os ver alinhados na parede de uma cela. Zé Fininho – Homem do
interior norte, rude e especialista no furto por esticão. Costumava usar uma
motoreta e um pendura e percorria a estrada junto ao passeio até encontrar
uma vítima. Ultimamente atuava a solo. O seu parceiro fora “dentro”. Era canhoto e gostava de
vestir bem. Arturzinho Portuense –
Conhecido no meio pelo “bota alta”. Falava-se de problemas sexuais que
tinham-se cruzado com ele e a instituição que o criara, visto que fora
abandonado à nascença. Praticava o esticão e até em situações de aperto
andava a “fazer” os transportes públicos. Carteiras e assim. Era ambidextro.
Exímio a trabalhar com as mãos. Xico Dois Dedos – Um
acidente levara-lhe os três últimos dedos da mão esquerda. Porém, no meio da
desgraça sabia valorizar o “handicap” e era um ás a introduzir os dois
dedinhos restantes nos bolsos dos parolos roubados. Especialidade principal:
carteirista. Tó Liru – Fadista amador,
em jovem a “pólio” atacara-lhe as pernas e ficou coxo. No fado vadio era o Tó
Coxelas. No gamanço era o “sexta e sábado” pelo movimento que dava às pernas.
Tivera uma infância terrível e passara a juventude na Casa Pia. Só roubava quando a fominha
apertava e os rendimentos não caíam do céu. Atacava nos autocarros. Na
hora dos apertões. Mas não em exclusivo. Na esquadra de Campolide lá
estavam todos alinhados à parede. A vítima estava com muita dificuldade em
chegar a qualquer conclusão pois o que vira fora um vulto e nada mais, a
correr, levando a sua mala. Os suspeitos alinhados aos
olhos da vítima não davam a entender qual deles seria o autor do delito. Da esquerda para a direita o
Arturzinho Portuense, nas suas botas altas, parecia um cavaleiro que perdera
o cavalo. O Xico Dois Dedos coçava-se
com a mão boa e parecia que andava por ali pulguinha a viajar de borla. O Zé Fininho olhava
embevecido as suas sapatilhas Nike. Não dispensava a marca nem que tivesse
que trabalhar fora de horas. O Tó Liru cantarolava o “Ó
tempo volta p’ra trás”. A vítima sem saber o que
responder voltou-se para o polícia reformado “Olho vivo e pé ligeiro” e
limitou-se a um encolher de ombros. E estava assim a coisa sem
grande saída quando alguém se lembrou, lá na esquadra, creio que foi o cabo
Jeremias (um verdadeiro cabo de esquadra!) que havia no jornal Publico um
grupo de gente do mais alto gabarito em descobrir casos policiais. Até se
dizia que se a Agatha Christie cá voltasse ficaria admirada por ver gente com
tanta pespibesbilhocácia. E assim sendo se põe o
problema: A – Foi o Tó Liru. B – Foi o Zé Fininho. C – Foi o Xico Dois Dedos. D – Foi o Arturzinho
Portuense. |
|
© DANIEL FALCÃO |
||
|
|