Autor

Bernie Leceiro

 

Data

9 de Março de 2008

 

Secção

Policiário [868]

 

Competição

Campeonato Nacional e Taça de Portugal – 2007/2008

Prova nº 4

 

Publicação

Público

 

 

O NAUFRÁGIO DO VERONESE

Bernie Leceiro

 

Nas suas deambulações pelos arquivos históricos da biblioteca Florbela Espanca, em Matosinhos, o detective Alves da Selva, assim apelidado pelos amigos devido ao seu mau feitio e aspecto – farta cabeleira ruiva que em tudo se assemelhava à juba de um leão –, encontra uma carta com um curioso agradecimento de um cidadão brasileiro ao capitão de um salva-vidas da Póvoa do Varzim que, supostamente, terá estado envolvido na acção de salvamento dos passageiros e tripulação de um vapor inglês de nome Veronese que encalhou junto à praia da Boa Nova, em Leça da Palmeira.

O Veronese zarpou de Liverpool, fez escala em Vigo e encalhou junto à praia da Boa Nova, em Leça da Palmeira, no dia 16 de Janeiro de 1913, devido a um forte temporal. Tinha a bordo 232 pessoas. Este trágico acidente foi o maior de que há memória nas águas de Matosinhos.

Alves da Selva, um apaixonado pela vida marítima e as suas apaixonantes histórias, resolveu de imediato fotocopiar a carta que abaixo se transcreve e iniciar a investigação de uma história que poderia ser bastante curiosa…

 

“Rio de Janeiro, 20 de Outubro de 1913

Caro amigo e digníssimo capitão Lagoa,

Escrevo-lhe uma vez mais para lhe agradecer o seu acto de bravura no nosso resgate do vapor Veronese.

Efectivamente, caro amigo, ainda hoje me arrepio com a história que me contou tão amavelmente, já no conforto do seu lar, sobre a forma determinada como as gentes da Póvoa do Varzim, às quais também estarei eternamente grato, voluntariamente se uniram e transportaram em ombros o seu barco até ao comboio que o levaria a Matosinhos, para que o senhor e a sua tripulação, num impensado desprezo pelas próprias vidas, embarcassem para salvar as nossas almas desprotegidas que estavam à mercê daquele mar revoltoso.

Na noite do naufrágio, segunda-feira, na companhia da minha mulher Lídia e do comandante do Veronese, Cristophe Turner, já depois de termos largado de Vigo, comentava a má sorte que nos tinha acompanhado nesta viagem à Europa no sentido de nos afirmarmos como músicos profissionais – eu como violinista e ela como pianista –, nos bares de Liverpool. Falávamos sobre a possibilidade de desembarcar em Leixões e tentar a sorte na cidade do Porto, onde teríamos a vantagem de falar a mesma língua, e onde ainda não teria chegado a loucura dos novos ritmos negros do jazz de Duke Ellington, Fats Waller e Louis Amstrong tão em moda nas cosmopolitas cidades inglesas.

Foi já perto das duas da manhã, quando só estava na companhia da minha inseparável garrafa quase vazia de Cutty Sark – como costuma dizer um amigo meu, o “uísque é o melhor amigo do homem, é o cachorro engarrafado” – que tudo aconteceu: um enorme estrondo no convés e de repente o caos instalou-se e parecia que o mundo iria acabar. O mar estava agitadíssimo, com vagas impetuosas e altas batendo furiosamente no costado do navio, galgavam e varrendo o convés. A neblina cerrada envolvia o barco, que apitava, pedindo socorro.

Foram longas as horas de espera, as tentativas contínuas dos Bombeiros Voluntários de Leixões para passar os cabos de vaivém, o desespero dos populares na praia, ali tão próxima, até que você e os seus homens surgem do meio do temporal no seu barco Dragão Azul para nos salvar.

Este deve ser um ano amaldiçoado para o construtor de navios Penman, Clark & C.ª, Ld.ª, pois um outro navio por ele construído, de seu nome Workman, afundou-se há poucos meses aqui na baía de Guanabara, felizmente sem vítimas mortais.

Quem lhe escreve esta carta, caro capitão Lagoa, acredite que deve ser o homem mais feliz do mundo, pois acabo de ser pai de um menino muito bonito, que nasceu ontem, e que sem a sua bravura e das suas gentes certamente não teria nascido.

O que o senhor não sabe é que, provavelmente, terá sido debaixo do seu tecto, e na ressaca da alegria que o seu salvamento nos proporcionou, que o meu filho terá sido concebido e, como tal, é com enorme alegria e satisfação que lhe comunico que, em sua homenagem, o meu filho se chamará Marcus como o senhor e Vinicius como o avô.

Aceite um grande abraço deste homem feliz e eternamente grato ao grande capitão Lagoa,

Clodoaldo Pereira da Silva Moraes”

 

Pergunta-se aos leitores: Poderão ajudar o detective Alves da Selva a verificar a veracidade desta carta? Poderá existir alguma relação entre o naufrágio do Veronese e um personagem da história cultural e política do Brasil? Explique as suas opções.

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO