Autor

Bernie Leceiro

 

Data

17 de Março de 2019

 

Secção

O Desafio dos Enigmas [65]

 

Competição

Torneio "Solução à Vista!"

Prova nº 8

 

Publicação

Audiência GP Grande Porto

 

 

O DIA EM QUE O MÉNO ROCK MORREU

Bernie Leceiro

 

Esta é a estória de lenhas e lumes, de nomes e lugares comuns. É a estória banal de Mingos & Os Samurais, banda de reconhecido insucesso, que se arrastou sem glória – mas com alegria e sedução – por diversos palcos durante os primórdios dos anos setenta, animando recintos dançantes. Esta é a estória imortalizada em disco por Rui Veloso e Carlos Tê no início dos anos 90. Esta é a estória que se tornou uma lenda mas da qual nunca foi conhecido o verdadeiro epilogo.

Arménio Marmita, imortalizado como Méno Rock vocalista de Mingos & Os Samurais, um famoso bilharista da Areosa, estucador de profissão, foi incorporado no regimento de atiradores de Tavira. No fim do Inverno de 1972 recebeu guia de marcha para Moçambique. Reza a lenda que morreu em missão, perto do quartel, quando a mina rebentou. Vinha em pé na Berliet com a G3 em forma de guitarra a cantar Satisfaction dos Rolling Stones. Nunca se soube ao certo se foi assim.

No velório de corpo ausente em casa dos pais de Méno Rock, descobre-se afinal que Méno é casado com uma moça de Águas Santas, legítima viúva e da qual até tem um filho. Zira sua madrinha de guerra fica destroçada.

Lau, guitarrista da banda e amigo de ambos, convence-a que não importa a legalidade das uniões, porque Zira é que foi a eleita. Zira fica muito triste pois Méno Rock tinha-lhe prometido ir a Lisboa no dia dos seus anos e afinal o prometido é devido…

De promessas quebradas percebe Lau. Anos antes Berto convence Lau da Viola que estava em curso uma cruzada universal contra a música foleira. Lau tenta converter Mila que só gosta de Fernando Farinha e Roberto Carlos. Leva-a ao Rivoli ver os Vinegar Joe de Elkie Brooks, Mila vem embora por causa do barulho.

Algum tempo antes Nicolau, troca toda a coleção de Mundo de Aventuras, por uma viola empenada, tudo para conquistar a sua amada Mila. Falta ao emprego numa drogaria e perde o Portugal-Coreia em direto no Mundial de 66. Tudo por uma visão mais ousada da sua musa. Mila falta ao prometido e deixa Lau destroçado.

Quero ser um marinheiro sulcar o azul do mar/Vaguear de porto em porto até um dia me cansar/Quero ser um saltimbanco, saber truques e cantigas/Ser um dos que sobe ao palco e encanta as raparigas.

Assim respondeu Berto quando a professora o mandou fazer uma redação sobre o que queria ser quando fosse grande. Berto não sabia dançar, dedicava-se ao culto das paixões secretas e inevitavelmente ao culto das poesias. Tinha por hábito escrever poemas românticos ás suas paixões, das quais Zira não estaria excluída, que contrastavam com os aerogramas militares cheios de erros de ortografia de Méno. Ficou batizado de Berto Poeta e escrevia as letras da banda.

Gastão Santos, fuzileiro regressado do Ultramar, melómano sem emenda, andava perturbado pelos gases de guerra e pelas águas de África. É o empresário de Mingos & Os Samurais e fica conhecido por Gastão Psicadélico. Gastão era famoso por ser o rei do twist e da sedução. Terá sussurrado várias vezes ao ouvido de Zira algumas das letras das músicas com quem calorosamente dançava.

Conta-se na cidade que Zira finalmente cumpriu o seu sonho e casou no dia dos seus anos, na igreja de Santo António na última das cerimónias patrocinada pelo Diário Popular, antes do interregno provocado pela revolução dos cravos, tendo dado a morada de uma prima afastada casada em Lisboa com um funcionário da Carris.

Zira casou com um dos membros dos Samurais, no entanto perdeu-se na memória popular qual foi o privilegiado, Berto Poeta, Lau da Viola ou Gastão Psicadélico.

Poderá o leitor reviver o prazer de ouvir esta obra de referência da música portuguesa dos anos 90 e ajudar a clarificar de vez quem poderá ter casado com Zira?

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO