Autor Data 17 de Março de 2019 Secção Competição Prova nº 8 Publicação Audiência GP Grande Porto |
O DIA EM QUE O MÉNO ROCK MORREU Bernie Leceiro Esta é a estória de lenhas
e lumes, de nomes e lugares comuns. É a estória banal de Mingos
& Os Samurais, banda de reconhecido insucesso, que se arrastou sem glória
– mas com alegria e sedução – por diversos palcos durante os primórdios dos anos
setenta, animando recintos dançantes. Esta é a estória imortalizada em disco
por Rui Veloso e Carlos Tê no início dos anos 90. Esta é a estória que se
tornou uma lenda mas da qual nunca foi conhecido o verdadeiro epilogo. Arménio Marmita, imortalizado
como Méno Rock vocalista de Mingos
& Os Samurais, um famoso bilharista da Areosa, estucador de profissão,
foi incorporado no regimento de atiradores de Tavira. No fim do Inverno de
1972 recebeu guia de marcha para Moçambique. Reza a lenda que morreu em
missão, perto do quartel, quando a mina rebentou. Vinha em pé na Berliet com a G3 em forma de guitarra a cantar Satisfaction dos Rolling
Stones. Nunca se soube ao certo se foi assim. No velório de corpo ausente
em casa dos pais de Méno Rock, descobre-se afinal
que Méno é casado com uma moça de Águas Santas,
legítima viúva e da qual até tem um filho. Zira sua
madrinha de guerra fica destroçada. Lau, guitarrista da banda e amigo de ambos,
convence-a que não importa a legalidade das uniões, porque Zira é que foi a eleita. Zira
fica muito triste pois Méno Rock tinha-lhe
prometido ir a Lisboa no dia dos seus anos e afinal o prometido é devido… De promessas quebradas
percebe Lau. Anos antes Berto convence Lau da Viola que estava em curso uma cruzada universal contra
a música foleira. Lau tenta converter Mila que só
gosta de Fernando Farinha e Roberto Carlos. Leva-a ao Rivoli ver os Vinegar Joe de Elkie Brooks, Mila vem embora por causa do barulho. Algum tempo antes Nicolau, troca toda a coleção de Mundo de Aventuras, por uma
viola empenada, tudo para conquistar a sua amada Mila. Falta ao emprego numa
drogaria e perde o Portugal-Coreia em direto no Mundial de 66. Tudo por uma visão
mais ousada da sua musa. Mila falta ao prometido e deixa Lau
destroçado. Quero ser um marinheiro
sulcar o azul do mar/Vaguear de porto em porto até um dia me cansar/Quero ser
um saltimbanco, saber truques e cantigas/Ser um dos que sobe ao palco e
encanta as raparigas. Assim respondeu Berto
quando a professora o mandou fazer uma redação sobre o que queria ser quando
fosse grande. Berto não sabia dançar, dedicava-se ao culto das paixões
secretas e inevitavelmente ao culto das poesias. Tinha por hábito escrever poemas
românticos ás suas paixões, das quais Zira não estaria excluída, que contrastavam com os
aerogramas militares cheios de erros de ortografia de Méno.
Ficou batizado de Berto Poeta e escrevia as letras da banda. Gastão Santos, fuzileiro
regressado do Ultramar, melómano sem emenda, andava perturbado pelos gases de
guerra e pelas águas de África. É o empresário de Mingos
& Os Samurais e fica conhecido por Gastão Psicadélico. Gastão era famoso
por ser o rei do twist e da sedução. Terá sussurrado várias vezes ao ouvido
de Zira algumas das letras das músicas com quem calorosamente
dançava. Conta-se na cidade que Zira finalmente cumpriu o seu sonho e casou no dia dos
seus anos, na igreja de Santo António na última das cerimónias patrocinada
pelo Diário Popular, antes do interregno provocado pela revolução dos cravos,
tendo dado a morada de uma prima afastada casada em Lisboa com um funcionário
da Carris. Zira casou com um dos membros dos Samurais,
no entanto perdeu-se na memória popular qual foi o privilegiado, Berto Poeta,
Lau da Viola ou Gastão Psicadélico. Poderá o leitor reviver o
prazer de ouvir esta obra de referência da música portuguesa dos anos 90 e
ajudar a clarificar de vez quem poderá ter casado com Zira?
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© DANIEL FALCÃO |
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