Autor Data 2 de Março de 2008 Secção Policiário [867] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2007/2008 Prova nº 3 Publicação Público |
Solução de: MORTE NA PONTE Búfalos Associados 01
– Na história original, é o louco quem mata a jovem. E, no problema, o
guarda-florestal poderia estar a mentir, encobrindo o primo, quando disse que
o levou para sua casa, pouco depois das 9 da manhã. Mas o facto é que, tanto
o amigo, como o marido, como o sedutor, declararam ter ido à ponte depois das
9 horas e não ter visto nada nem ninguém. Não podem os três estar a mentir, o
que iliba completamente o louco e até o próprio guarda, dando credibilidade
às suas afirmações. Torna-se claro que um dos três declarantes deverá ser o
criminoso e, se foi à ponte, foi para matar, já que tanto o barqueiro, como o
mordomo ou as criadas não parecem ter qualquer motivo para o crime, e
suicídio está fora de causa. 02
– O marido, que poderia ter sido o assassino movido pelo ciúme, tem
testemunhas de que não mudou de roupa e não é normal que o botão de metal
amarelo cosido com linha preta pertencesse ao seu fato castanho. Inocente, em
princípio. Note-se também que a roupa vermelha de Nora não devia comportar o
mesmo botão. 03
– O amigo podia ter morto a Nora, despeitado por se sentir o eterno recusado.
Não fica completamente ilibado pelo facto de ter vestido um gilet bege com
botões de madeira, pois podia ter mudado de roupa, mas não há nada no seu
depoimento que levante suspeitas. 04
– Já quanto ao sedutor o caso é diferente. Para começar, segundo o mordomo,
devia estar vestido com o seu blazer escuro e é
muito possível que o botão de metal cosido com linha preta lhe pertença. Um blazer é, por definição, um casaco, muitas vezes preto,
com botões de metal, casualmente com um emblema ou brasão bordado no bolso
exterior superior esquerdo. 05
– O marido, esse, teve conhecimento da morte da mulher, uma vez que até teve
de reconhecer o cadáver, mas tanto o amigo, como o barqueiro, como o mordomo,
mostram ignorar o que se terá passado. Pelo contrário, o sedutor mostra já
saber que a Nora morreu. E, pouco depois, declara ainda que ela, afinal,
teria já regressado a casa. Evidente contradição: primeiro descai-se e mais
tarde tenta aparentar inocência. 06
– O sedutor apresenta-se na polícia, impecável, de fato de treino, ténis
brancos e uma toalha branca à volta do pescoço. É de estranhar tão boa
apresentação após uma corrida de cerca de 20 quilómetros na margem do rio,
tanto mais que, de madrugada, chovera abundantemente. 07
– O mordomo afirma que o patrão estava já vestido para sair com o tal blazer quando ficou furioso com o desaparecimento do valiosíssimo
prato de porcelana, portanto pelas 9, 9 e meia da manhã. Mas ele afirma que
deu pelo furto do prato só quando se dirigia à polícia, ou seja, bastante
depois do meio-dia. Estranhamente, não atribuiu grande valor ao objecto roubado (em contradição com as declarações do
mordomo), mas pergunta à polícia se não terá aparecido na ponte, já que ele
nada encontrara. Como pode ele saber que era lá que o prato deveria estar?
Certamente por saber que foi lá que algo aconteceu, de que ele não deveria
ter conhecimento se estivesse inocente. 08
– Foi por todas estas suspeitas que a polícia norueguesa se inclinou
decididamente para indiciar o sedutor como autor da morte da jovem Nora, o
que ele acabou por confessar no decorrer do processo. Também os cabelos
escuros e curtos encontrados na ponte, vieram a ser
identificados como pertencendo-lhe. 09
– Como se terão passado as coisas? É igual à história do teste o trajecto da jovem em busca da solução para o seu drama.
Faltará dizer que, quando foi pedir o dinheiro ao sedutor, terá
habilidosamente surripiado o prato de porcelana, com o qual pensaria pagar ao
barqueiro. O Krogstad terá notado o furto após
estar vestido para sair e, como o mordomo referiu, ficou furioso dado o
enorme valor do objecto. Correu para a ponte,
disposto a reaver o prato a qualquer preço. Passaria já, talvez, das 9 e meia
da manhã e tanto o Rank como o Helmer,
já teriam estado na ponte, sem se encontrarem e sem terem visto ninguém.
Nora, enquanto o sedutor se vestia para sair e dava pela falta do prato,
tinha já ido junto do barqueiro pela segunda vez sem o conseguir convencer e
andado ainda algum tempo atrás do barco, pela margem, razão pela qual não
terá visto os outros dois. Finalmente, voltou à ponte; o louco já lá não
estava, mas tentou a passagem cautelosa, não fosse ele estar por ali
escondido. Para eliminar vestígios do sucedido (e por não ser já necessário)
terá atirado o prato para o rio, onde ficou até ser encontrado dias mais tarde.
O sedutor chega, agarra-a, ela nega ter o prato, gera-se violência durante a
qual ele perde um botão do blazer e, furioso,
estrangula-a, deixando-a caída na ponte. Não vê o botão perdido nem o prato
no fundo do rio. Convencido de que o louco viria a ser acusado do crime,
corre para casa, não é visto pelo mordomo que está na jardinagem, e muda de
roupa para o fato de treino com o intuito de simular a corrida pela margem do
rio, o que manifestamente não aconteceu, senão o barqueiro tê-lo-ia visto e
referido. 10
– O detective norueguês, querendo ocultar os
verdadeiros nomes dos intervenientes reais, socorreu-se de uma ficção que lhe
era próxima, com a qual havia curiosas coincidências. Um escritor norueguês
de nome Henrik Ibsen,
cujo centenário da morte passou em 2006, escreveu um drama conhecidíssimo
intitulado Uma Casa de Boneca, peça clássica do repertório universal, que até
recentemente voltou a ser representada em Portugal. Nela, a protagonista
chama-se Nora e é uma jovem casada com um advogado de nome Helmer. Ela sente-se pouco acompanhada pelo marido,
escravo da carreira e do trabalho. Nora tem um amigo médico, o Dr. Rank, o qual nutre por ela um amor platónico já antigo. E
há ainda outra personagem, de nome Krogstad, que
não tem na peça a mesma função que nesta história, mas, em todo o caso, é o
elemento perturbador que vem alterar a suposta paz do lar burguês. Só que na
peça de Ibsen ninguém morre. Ao contrário, Nora
liberta-se de um marido que a não compreende e abandona o lar, livre e
independente, o que, em 1879, constituiu um escândalo considerável. |
© DANIEL FALCÃO |
|
|
|