Autor Data 15 de Agosto de 2010 Secção Policiário [995] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2010 Prova nº 7 (Parte I) Publicação Público |
Solução de: CONVITE FATAL Búfalos Associados Tudo nesta
história trouxe à memória do Inspector Garrett um
dos mais famosos e bem imaginados romances policiais de sempre. Fora
publicado na Colecção Vampiro com o n.º 18,
chamava-se Convite para a Morte,
tinha a assinatura de Agatha Christie e a data de
1939. O original intitula-se Ten Little Niggers e foi
recentemente reeditado noutra tradução pelas Edições Asa, com o nome As Dez
Figuras Negras. Que arrojo alguém
ter tentado copiar a ideia original do romance, em que nove pessoas, acusadas
de terem cometido crimes não punidos pelos tribunais, são vítimas de um
assassinato em série, repondo-se a justiça pelas mãos de um juiz que no final
acaba por se suicidar, completando os dez culpados assim abatidos. As coincidências
entre as duas histórias eram evidentes. Vejamos algumas: 1 – Dez
desconhecidos entre si são convidados para um local de difícil acesso onde
acabam por ficar isolados. No romance é a Ilha do Negro; aqui uma mansão
remota na Fraga Negra, na zona do Gerês. 2 – A mensagem
gravada, após o jantar, acusando os presentes de crimes não punidos, que
todos parecem aceitar em silêncio, como quem se sente culpado. 3 – O poema
emoldurado encontrado em todos os quartos, equivalente na língua portuguesa
ao poema do romance em que os dez negrinhos vão morrendo, um após outro, até
não restar nenhum. O poema português foi passado a escrito pela pena de Mário
Cesariny de Vasconcelos e foi gravado em disco
várias vezes, inclusive pela voz de Mário Viegas, constando de uma antologia
(livro e disco) editada pelo Público. 4 – As dez
figurinhas de barro encontradas sobre a mesa de jantar, certamente destinadas
a ir simbolicamente desaparecendo, à medida que as vítimas fossem sendo
assassinadas. Tal como no romance. 5 – A assinatura
dos convites, A.N.Ónimo (pronuncie-se Anónimo)
correspondente a U.N.Owen no romance (leia-se Unknown traduzível para português por desconhecido). 6 – O texto
escrito na folha A4 encontrada no quarto da vítima, lembrando quase palavra
por palavra a confissão que o assassino do romance lança ao mar dentro de uma
garrafa e na qual descrevia como liquidara as suas vítimas. Só que aqui este
texto estava inacabado, naturalmente. Mas o que terá
acontecido para que o autor dos premeditados crimes não tenha conseguido
realizar os seus objectivos na totalidade? O
primeiro sinal de que algo não está conforme, é o facto de, dois dias após o
crime, ainda estarem as dez figuras intactas sobre a mesa, o que indicia que
quem matou não foi quem devia ter sido, para cumprir o romance. Houve um
pormenor que deu a chave do problema ao inspector.
Todas as dez senhoras presentes se queixaram de ter ficado sem os seus
telemóveis no dia da chegada, mas a vítima foi encontrada com o seu
telemóvel. Esse pormenor aliado ao facto de se tratar de uma juíza (no
romance é um juiz) e portanto poder ter tido conhecimento dos factos que
alegadamente incriminaram todas as outras, era a explicação que faltava para
reconstituir a história. Vejamos: A juíza Ágata
Cristina terá planeado reconstituir o método usado pelo juiz Wargrave no romance de Agatha Christie.
Mas entre as acusadas havia alguém que também era conhecedora de literatura
policial, e que por isso adivinhou a maquiavélica ideia da juíza e tratou de
a liquidar antes que a sequência de mortes tivesse início. Vejamos agora como
é que o Inspector chegou à conclusão de quem foi a
criminosa. No telemóvel da vítima, pelas 23h45, ficou registada a marcação de
um número que não estava atribuído. Será que a vítima, antes de sucumbir à
hemorragia ainda teve tempo para deixar uma pista sobre o nome da assassina?
Tudo indica que sim, até pela data e hora registadas. Percebendo que ia
morrer, era inútil chamar a polícia. Uma mensagem escrita poderia ser
descoberta e apagada. O mais inteligente seria digitar as teclas
correspondentes ao nome desejado. Entre as convivas, seis delas têm nomes com
nove letras, mas só uma começa por uma consoante correspondente ao dígito
nove: Z de Zaida. Confirmando as nove letras chegamos ao nome Zaida Neto.
Terá sido pois à escritora de romances policiais que não terá escapado o objectivo daquelas férias na Fraga Negra, por ter logo
descoberto os paralelismos com o romance. Até a estranha recusa em arrombar a
porta do quarto denuncia insegurança e talvez culpa. Dirigiu-se
após o jantar ao quarto da juíza, pois só ela podia ser a promissora
assassina em série por poder ter acesso aos processos judiciais. Com um
qualquer pretexto conseguiu entrar. O quarto ainda cheirava a plástico
queimado. A confirmação, de resto, viria a encontrar-se na confissão encetada
na folha A4 e na existência de cianeto de potássio e hidrato de cloral na
gaveta da cómoda, bem como o revólver que, segundo o romance, iriam servir
para os vários crimes e para o suicídio final da juíza. A Zaida, empunhando
um atiçador de ferro da lareira, agrediu a outra com violência partindo-lhe
as duas pernas, deixando-a imobilizada e depois, dando-lhe uma forte pancada
no pescoço que lhe atingiu a jugular, provocou a hemorragia fatal. Note-se
que também o que parecia serem cinzas provenientes de plástico e metal, pode indicar a queima dos telemóveis. Após o crime, a
Zaida terá fechado a porta do quarto pelo lado de fora, atirando depois a
chave para bem longe enterrando-a assim bem fundo na neve. O crime da Zaida
dificilmente ficaria por descobrir mas, possivelmente, evitou deste modo a
morte de todas as outras. A verdade é que não lhe servirá de muito em
tribunal. Nem todos os juízes leram Agatha Christie.
Mas também nem todas as juízas metiam ombros a uma iniciativa deste calibre
sem se assegurarem de que as condições atmosféricas iriam permitir o total
isolamento do local dos crimes. Afinal o temporal abrandou e também por aí
falharia o plano deste Convite Fatal. |
© DANIEL FALCÃO |
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