Autor Data 23 de Outubro de 2011 Secção Policiário [1057] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2011 Prova nº 9 (Parte I) Publicação Público |
Solução de: CRIME EM TEMPO DE GUERRA Búfalos Associados Eis
a síntese das respostas ao problema por parte dos amigos do Inspector Garrett, enquanto bebiam os cafés: 1
– Não havendo provas concretas temos de raciocinar no campo das hipóteses. De
resto é esse o sentido da pergunta que nos é feita. Única certeza: o disparo
terá sido antes das 16 horas. 2
– Todas as pessoas envolvidas poderiam ter motivos para matar o Jorge: o
João, o Edgar ou o Abílio podiam ter provocado um ajuste de contas com o
Jorge, por suspeitarem de ter sido ele o delator que os teria denunciado à
Pide. A Louise aparenta ter, ou ter tido, uma
relação íntima com o Jorge e isso poderia justificar uma cena violenta que
conduzisse ao crime. O próprio pai Meyer não está
afastado das suspeitas (tinha uma chave da casa), nem sequer o Inspector Garrett, embora no caso deste não se divisem
motivos. 3
– Assim sendo, vejamos quem talvez tenha a possibilidade de apresentar alibi.
O Abílio poderá ter o testemunho dos primos do Café na estrada de Catete,
onde teria estado toda a tarde. Até trouxe dois abacaxis de presente. Não é
suspeito para já. 4
– O João acompanhou as bagagens ao R.I.L., onde esteve até às 16h00 e foi
mesmo visto pelo Garrett. Saiu e chegou ao apartamento pelas 16h30. Não teria
tido tempo para cometer o crime. 5
– A Louise poderá ter o testemunho das amigas com
quem esteve na praia e depois em casa delas. Quanto
ao pai pouco ou nada sabemos. Mas o texto iliba-o, bem como à filha, ao
indiciar um culpado militar. Caso contrário não se justificaria que a censura
tivesse abafado o caso “para não deixar a tropa mal colocada”. Seria
muito pouco abonatório para o regime tornar público um ajuste de contas com
origem em divergências políticas, como já se adivinha, entre oficiais do
Exército. 6
– O Inspector Garrett não deve ter encontrado
nenhuma estação de Correios aberta e acabou por ir ao R.I.L. telefonar à mãe.
Não parece ser culpado, até porque não sabemos de motivações para o crime. 7
– Só o Edgar Valente não apresenta qualquer hipótese de alibi. Ainda por cima,
quando, ainda da porta, levou as mãos à cabeça num gesto de horror, mostra
ter as mãos desocupadas não parecendo portanto ter feito quaisquer compras,
contrariamente ao que tinha anunciado. Onde
terá estado durante aquelas quase quatro horas se não foi às compras? 8
– Por que razão Garrett teve dificuldades em encontrar uma estação de
correios aberta e o Edgar não poderia ter ido às compras? Muito simplesmente
porque o dia 19 de Agosto de 1962 foi um domingo e o comércio em Luanda
estava todo fechado, bem como os correios, como era usual na época.
Finalmente, um facto concreto, que faz recair sobre o Edgar, desde logo, as
suspeitas do crime, mais do que sobre qualquer um dos restantes
intervenientes. E
é bem exagerada a sua reacção, da porta, ao “saber”
da morte. “Muito
bem” – disse o Inspector Garrett – “a vossa dedução
está perfeita. Efectivamente o que aconteceu foi
que o Edgar Valente tinha fortes desconfianças de que fora o Jorge quem o
denunciara à Pide e, ao chegar a Luanda, resolveu pôr tudo em pratos limpos.
Sem se lembrar de que era domingo, inventou aquela desculpa de ter de ir às
compras e, mal desembarcou, foi logo directo ao
apartamento onde o Jorge nos esperava. A
discussão aqueceu, o Jorge terá confessado a sua culpa e a pistola Walther ali pousada à mão criou a oportunidade para o
crime. De
notar que naquela época a familiaridade dos militares com armas tornava
normal que elas estivessem quase sempre pousadas em locais de fácil acesso. O
mais curioso da história foi o que se seguiu. O Edgar foi acusado e julgado
em Tribunal Militar, mas influências tendentes a abafar casos políticos e a
proteger a identidade de informadores da Pide fizeram com que apenas fosse
condenado a dois anos com pena suspensa, por negligência no uso de armas de
fogo. Foi
depois compulsivamente passado à disponibilidade, mas nunca mais deixou de
ser perseguido pela Pide, tendo acabado os seus dias no Tarrafal. “Malhas
que o Império tece”, como dizia o poeta. Neste país ainda há muitas histórias
para ser contadas”. E
Garrett acabou por pedir outro café porque o seu entretanto arrefecera. |
© DANIEL FALCÃO |
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