Autor Data 10 de Junho de 2012 Secção Policiário [1088] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2012 Prova nº 5 (Parte II) Publicação Público |
QUEM MATOU O SALAZAR? Búfalos Associados Nos
anos 50 do século que nos deixou, ocorreu um estranho caso que chegou a
intrigar o inspector Garrett, coleccionador
de histórias e mistérios curiosos. Tudo se passou na humilde Travessa da Trabuqueta, ali a Alcântara, local celebrizado por Eça de
Queirós no terceiro parágrafo de A Cidade e as Serras por lá se ter
estatelado o anafado avô de Jacinto, logo prontamente socorrido por um
transeunte ocasional que por acaso até era o senhor infante D. Miguel.
Naquele rincão bem lisboeta existiu uma castiça taberna, propriedade de um
tal Inocêncio Salazar que, por se recusar a vender fiado, era odiado por uma
boa parte da clientela. Além disso, desde os tempos da guerra, era conhecido
pelas suas tendências germanófilas. Aquele
templo de “vinhos e petiscos” era um ninho de discórdias onde se misturavam
diversas religiões e outras divergências. Havia
já na época grandes rivalidades clubistas e habitualmente, aos domingos à
noite, ali se reunia uma assembleia de fanáticos discutindo os casos mais
candentes da jornada futebolística, numa troca de argumentos que, não raro,
acabava com recurso à arnica e ao mercurocromo. Digladiavam-se quatro facções principais defendendo por vezes violentamente os
seus clubes de eleição, e os chefes de fila tinham curiosas alcunhas
adequadas às cores que defendiam. Por exemplo, o adepto do Sporting, que
professava a religião judaica, era conhecido por Zé da Europa, alcunha dada
ao excelente jogador que era José Travassos que até já jogara pela selecção da Europa que em Londres defrontara a
Inglaterra. A outro, que era
católico, todos chamavam o Pipi, alcunha por que era conhecido o mais popular
jogador do Benfica, o Rogério de Carvalho que, além de ser um artista da
bola, usava uma popa no penteado que nunca se desmanchava porque não era
muito dado ao jogo mais viril. Um terceiro frequentador da tasca do Salazar
era originário de África e muçulmano, e como era simpatizante do Belenenses,
não escapou à alcunha de Matateu, o que era para
ele motivo de grande orgulho, tal a classe do jogador. Resta
falar do adepto do Futebol Clube do Porto, protestante, que por ser o mais
gordo dos quatro, tinha a alcunha de Barrigana, grande guarda-redes que fora
da turma portista. Numa
manhã invernosa de segunda-feira, o drama estalou na pacífica Travessa da Trabuqueta. O Salazar, que mantinha uma aparente
imparcialidade não se lhe conhecendo inclinação clubista, foi encontrado pela
empregada da limpeza morto no pequeno cubículo que habitava nas traseiras da
taberna. O
homem vivia modestamente num pequeno pavilhão isolado, onde se chegava
partindo dos fundos da taberna, atravessando um escasso pátio a descoberto.
Apenas uma porta e uma pequena janela, ambas dando para o pátio. Na
noite anterior o calor da discussão excedera tudo, em contraste com o forte
arrefecimento que se fez sentir ao longo da madrugada. Soube-se mais tarde
que os quatro chefes de fila teriam sido os últimos a sair, tiritando de
frio, por volta das quatro da manhã. Um dos temas do desaguisado tinha sido
mesmo a recusa do taberneiro em aceitar dívidas pelas despesas feitas e
naquela noite havia-se bebido a bom beber. Alguém
ouvira um dos quatro embriagados ameaçar o Salazar de morte pela sua atitude.
O corpo do homem foi encontrado ensanguentado, alvo de múltiplas pauladas no
crânio, no tronco e nas pernas, fechado no cubículo com a chave do lado de
fora da porta e marcas de sangue por toda a divisão, principalmente junto à
porta, o que indiciava que a morte não teria sido imediata e ele teria
tentado sair para o exterior. O
relatório da autópsia indicou que a morte se teria verificado perto das seis
da manhã. A
polícia cedo chamada a investigar o caso verificou que nos vidros da janela
era bem visível desde o exterior, uma data escrita com os dedos nos vidros
embaciados: 1919. Também
que não havia marcas de sangue fora do cubículo e que lá dentro só foi
encontrado um barrote ensanguentado, presumível arma do crime, o que
indicaria que o agressor teria sido só um. Os
quatro adeptos, depressa apontados como suspeitos, apresentaram álibis
credíveis em que uns justificavam os dos outros. Foi preciso o inspector Garrett descortinar qual deles teria sido o
agressor. A
– O Travassos? B
– O Rogério? C
– O Matateu? D
– O Barrigana? |
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© DANIEL FALCÃO |
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