Autor Data 2 de Dezembro de 2012 Secção Policiário [1113] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2012 Prova nº 8 (Parte I) Publicação Público |
Solução de: A TIA LAURINDA E O TESOURO DO CAPITÃO KIDD Búfalos Associados O Escaravelho de Ouro
e A Carta Roubada foram os dois
contos de Edgar Allan Poe, incluídos nas Histórias Extraordinárias, que
inspiraram a tia Laurinda nos factos rememorados pelo Inspector
Garrett enquanto gozava as delícias do clima algarvio, na varanda da moradia
que herdara de sua tia. Poe
é um dos mais importantes escritores norte-americanos, a tradução das suas
obras por Baudelaire deu-lhe uma enorme repercussão a nível mundial, e é para
muitos o iniciador da novela policial e das histórias de raciocínio. Nascido
em Boston em 1809 e falecido em Baltimore em 1849, depois de se ter alistado
na Marinha foi destacado para a ilha de Sullivan,
que o inspirou para a escrita do conto O
Escaravelho de Ouro. Foi nele que a tia Laurinda pensou quando alcunhou a
sua colecção de jóias de
“Tesouro do Capitão Kidd”, que é no conto a suposta
origem das jóias encontradas por Legrand na base de uma tulipeira gigante nas matas da
Carolina do Sul, com a ajuda de um escaravelho dourado e de um papel que
continha um estranho criptograma. Só que, no seu caso, a tia Laurinda
substituiu o criptograma por charadas, outra das suas paixões. “Nada
é mais detestável para a sabedoria do que demasiada subtileza”, é esta
citação de Séneca que abre A Carta
Roubada. Resumidamente é a história de uma carta altamente importante e
comprometedora, que escapa a aturadas buscas de quem a quer encontrar, apenas
porque está bem à vista e com todo o ar de não ter qualquer valor. Foi
seguindo esta lição que a tia Laurinda deixou bem à vista o sobrescrito com a
pista que conduziria Garrett ao “Tesouro”, bem à vista dos ladrões a cuja
“limpeza” escapou desta forma. Quanto
à pista, Garrett decifrou-a graças aos conhecimentos básicos de charadismo
aprendidos com tia Laurinda e os trabalhos do saudoso Ordisi.
Ainda tinha escrito num velho caderno de notas: “Uma charada é, basicamente,
uma frase lógica na qual aparecem destacadas pelo menos duas palavras (no
caso das Adicionadas são normalmente três) em que a última é sempre um
sinónimo da palavra a encontrar (Conceito). A outra (ou outras) é uma palavra
(Parcial) cujo sinónimo terá de ser encontrado para a partir dele construir o
Conceito. Para tal é-lhe aplicada a adição ou elisão de uma sílaba, consoante
as regras da gramática: PRÓTESE, EPÊNTESE e PARAGOGE, ou AFÉRESE, SÍNCOPE e
APÓCOPE, formando desta forma a solução desejada ou Conceito. Deve ainda ser
indicado o número de sílabas de cada palavra destacada, pela ordem em que
aparecem na frase.” No
papel da tia Laurinda apareciam oito charadas cuja decifração Garrett
encontrou da seguinte forma: 1
– ADICIONADA: ESCARAVELHO (insecto) = ESCARA
(ulceração) + VELHO (idoso) 2
– PARAGÓGICA: OURO (riqueza) = OU (alternativa) + RO 3
– APOCOPADA: ESTÁ (existe) = ESTAME (filamento) - ME 4
– PROTÉTICA: DESPENSA (depósito) = PENSA (cogita) + DES 5
– EPENTÉTICA: BANCADA (balcão) = BANDA (flanco) + CA 6
– PARAGÓGICA: DIREITA (recta) = DIREI (afirmarei) +
TA 7
– APOCOPADA: LATA (descaramento) = LATADA (descaramento) - DA 8
– EPENTÉTICA: ROBUSTA (café) = ROTA (caminho) + BUS A
pista fica então: “o ESCARAVELHO de OURO ESTÁ na DESPENSA na BANCADA DIREITA
na LATA da ROBUSTA”. E, de facto, lá estava dentro de uma velha caixa de folha de flandres pintada com os dizeres “Café Robusta”
(um belo café do sul da Índia), uma quantidade apreciável de jóias das quais se destacava um enorme escaravelho em
ouro maciço com três grandes rubis encastoados que davam ao conjunto o aspecto de uma caveira. Claro que a Tia Laurinda usou à
sua maneira as regras do charadismo, uma vez que o intuito era apenas deixar
uma pista que nem todos decifrassem. Sobre
A Carta Roubada escreveu Lacan: “Só vemos o que queremos ver ou o que estamos
dispostos a ver e não vemos aquilo para que não estamos motivados para ver.” Sábio
aviso para quem, como todos nós, se dedica a decifrar enigmas policiários. |
© DANIEL FALCÃO |
|
|
|