Autor Data 13 de Julho de 2014 Secção Policiário [1197] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2014 Prova nº 6 (Parte II) Publicação Público |
ROUBARAM A GIOCONDA Búfalos Associados Há
muitos anos havia zonas nesta velha Lisboa que não eram de todo recomendáveis
para qualquer pacato e honesto cidadão. José Saramago, que passou alguns anos
da sua juventude no bairro da Penha de França, refere no seu "Caderno
2" o Pátio do Padeiro no chamado Vale Escuro, para onde se escapulia a
garotada da vizinhança em busca de aventura, "local onde a gente
"normal" não se atrevia a entrar e a própria polícia evitava
fazendo vista gorda aos supostos ou autênticos comportamentos ilícitos dos
seus habitantes". Quando anos mais tarde o camartelo municipal limpou a
área, ficou de pé durante alguns anos um pequeno prédio que incluía um
cafezito chamado "Toca do Leonardo", sobrevivendo enquanto foi
possível à construção das "gavetas" de habitação sobrepostas que
hoje ocupam o local. O velho Leonardo tornara-se amigo do então jovem Garrett
após um problema que tivera com a polícia por causa de uma questão de falta
de licença para vender castanhas assadas na rua. O processo acabou por ser
esquecido e o velho ficou para sempre agradecido a quem julgava ter sido o
responsável pela "amnésia" da polícia. Garrett nunca o assumiu, mas
a verdade é que a amizade entre os dois homens perdurou. Num
domingo de temporal desfeito sobre Lisboa, com ventos ciclónicos e chuva que
duraram todo o dia, Garrett resolveu ficar em casa a pôr papéis em ordem.
Seriam talvez umas sete da tarde quando o telefone tocou. Era o Leonardo
aflito a gritar: "Roubaram a Gioconda!" - "O quê, outra vez? - exclamou Garrett. - A última vez que isso aconteceu foi em
1911! Outro italiano maluco?"- "Não brinque, Inspector,
a minha gata desapareceu. Ajude-me, por favor." O
Leonardo tivera veleidades artísticas na juventude, tendo chegado a ser autor
do guarda-roupa de marchas populares. Herdara a leitaria "Flor de
Ourense" da filha de um galego, de quem enviuvara há coisa de dez anos,
e o "estaminé", mudado o nome, lá ia fazendo algum negócio enquanto
houve clientela. Porém ultimamente naquele deserto raramente aparecia alguém
e o homem dedicara-se então às castanhas assadas que vendia numa padiola
clandestina, sobretudo aos domingos, quando o café estava fechado. A sua
única família era agora uma gata maltesa a que dera o nome de Gioconda e que
era uma espécie de mascote do café, de onde nunca saía. Garrett
não podia faltar ao apelo do amigo e assim apanhou um táxi para o local, onde
se inteirou do que se passara. Leonardo, que vivia perto, às 11 horas
estivera no café a deixar comida para a Gioconda, e tudo estava normal. De
seguida pedalou com a gerigonça das castanhas para o Campo Grande, pois
jogava o Benfica. Não podia perder o negócio, apesar do temporal. Quando, ao
fim da tarde, voltou para arrumar a geringonça, encontrou a rapariga que lhe
costumava limpar o estabelecimento, a Elsa, a dar-lhe chorosa a triste
notícia de que a bicha tinha desaparecido. -"Como é que aconteceu? - queixava-se o Leonardo - Fugir era impossível porque as
janelas estavam todas fechadas. De certeza que a roubaram, inspector. Ontem à tarde dei pela falta de uma chave
suplente que tinha pendurada na ombreira da porta. A Elsa encontrou-a hoje em
cima do balcão quando aqui entrou." A
rapariga apressou-se a esclarecer: -"Foi isso. Ainda não eram duas horas
vim ao café porque na véspera tinha-me esquecido do porta-moedas. Claro que
utilizei a chave que uso sempre que venho fazer a limpeza. O porta-moedas
estava onde o tinha deixado, a gata é que não estava em parte nenhuma. A
única porta da rua estava fechada à chave com duas voltas como o Sr. Leonardo
a costuma deixar. Não tinha maneira de o contactar, por isso fiquei aqui à
espera dele pois sabia o desgosto que ia ter." -"Quantas
pessoas têm chave desta porta?" - perguntou
Garrett. Leonardo: -"Além da minha, da da Elsa
e desta que estava ali pendurada, como por vezes eu sou distraído, distribuí
outras duas pelos vizinhos do prédio. A Dona Rosa que mora no andar de cima e
o Sr. Lopes do segundo andar. É gente que está quase sempre em casa porque já
são velhotes." Chamados
à presença de Garrett mostraram as suas chaves e declararam, o Lopes ter
saído pelas dez e ter estado sempre à pesca na doca do Poço do Bispo, e a
Dona Rosa ter ido, como era costume ao domingo, à missa das onze à igreja da
Penha de França, onde encontrou uma prima que morava ali perto. Regressara havia
pouco, acompanhada da prima em casa de quem estivera. Vinham ambas
encharcadas da chuva que não parara todo o dia. O Lopes voltara pelas três
horas, e a Elsa confirmou tê-los visto chegar. Ele vinha na sua
"arrastadeira" e até ia escorregando ao dar uma corrida até à porta
para não se molhar. E a rapariga, aproveitando uma oportunidade, chamou de
parte o Inspector e segredou-lhe: "Eu não sei
se lhe deva dizer isto, mas a verdade é que a Dona Rosa gostava muito da gata
e mais do que uma vez me disse que achava muito mal que a bicha passasse aqui
tanto tempo só. Talvez isto não queira dizer nada, mas o senhor lá
sabe..." A
Dona Rosa por sua vez não teve qualquer dúvida em dizer-lhe, também à parte:
-"Este senhor que mora cá em cima não é nada boa rês. Não podia ver a
gata nem pintada porque já mais de uma vez o arranhou. Não me espantava que a
vontade dele fosse atirá-la ao rio." -"Leonardo,
quem é que pode ter roubado a chave suplente?" -"Sei lá, a casa tem
poucos clientes, mas ontem até passaram por cá pessoas. Eu da Elsa desconfio
sempre, mas para que é que ela queria outra chave?" Garrett
já tinha uma forte desconfiança. Qual seria? A
– A Elsa deve ter mentido. B
– O Sr. Lopes deve ter mentido. C
– A Dona Rosa deve ter mentido. D
– Não havendo quaisquer provas concretas, é admissível que o roubo da 5.a
chave possa ter sido obra de um cliente desconhecido, para mais tarde poder
entrar e roubar a Gioconda. |
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© DANIEL FALCÃO |
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