Autor

Carlos Paniágua Fèteiro

 

Data

 

Secção

Crime e Castigo

 

Publicação

A Rabeca

 

 

Solução de:

UM CRIME COLORIDO

Carlos Paniágua Fèteiro

 

- Tomado o fio à narrativa, que interrompi para lançar o desafio aos solucionistas, vou reproduzir a parte final de «Crime Colorido»:

Ao ouvirem as palavras de Mr. Pilot, os homens entreolharam-se com um misto de espanto e de receio.

Ele, imperturbável, prosseguiu:

- Esta afirmação tem a sua razão de ser pelo facto, puro e simples, de não haver qualquer outra entrada nesta secção, além da porta. Nem sequer há janelas para ventilar o ambiente, dada a aparelhagem de que dispõe para o efeito. Ora, como o porteiro afirmou não ter entrado qualquer outra pessoa além de vós, tal facto invalida a possibilidade de que o assassino possa ter vindo do exterior. Deste modo, o próprio porteiro forneceu um alibi ao senhor contramestre que, assim, fica fora de suspeita. O contramestre respirou, aliviado. E passou a olhar os outros com sobranceria e rispidez.

Sem trair na sua voz nenhuma emoção, o sherlock n.º 1 continuou:

- Por ordem de eliminatórias, temos o porteiro, o homem que forneceu um alibi para os outros. Descanse, meu amigo. A sua inocência é fàcilmente demonstrável: O ferimento produzido pela bala é na têmpora esquerda, precisamente o lado contrário ao da entrada desta sala. Todos os pintores foram unânimes em afirmar que nada de anormal (salvo o crime) aqui se passou. Pode admitir-se por isso, que ninguém saiu dos seus lugares.

Logo, seria impossível ao porteiro alvejar, da porta, a face contrária do morto. E esta mesma teoria põe a coberto de suspeitas o senhor que pinta os carros verdes, que sòmente poderia atingir o seu colega na têmpora direita, se viesse para a parte de trás do seu carro (à vista do porteiro, portanto) ou então, na nuca, se atirasse do sítio onde esteve sempre até dar com o morto, isto é, entre o veículo e a parede. Para conseguir ângulo que propiciasse um tiro nas condições presentes, teria que vir para a frente do seu automóvel, portanto, junto ao carro amarelo e, então, o pintor deste, que pintava do mesmo lado, teria visto a manobra e denunciá-lo-ia.

Os dois ilibados tomaram um aspecto mais tranquilo e juntaram-se ao contramestre, de modo que ficaram ali dois grupos distintos: 3 homens que não eram criminosos. 2 outros que podiam ser assassinos. E, caso curioso, destes últimos havia um que dava evidentes sinais de nervosismo. Mas, continuemos a escutar Mr. Pilot:

Os dois pintores que restam teriam ambos possibilidade, pelo sítio onde estavam trabalhando, de atirarem da maneira requerida. E o caso seria intrincado para mim, se um deles não mentisse. Os senhores, que são pintores, sabem melhor do que eu quais são as cores que formam a púrpura. Poderá parecer-lhes estranha esta minha afirmação, mas, na realidade, não o é. Neste carro azul, bastava uma mancha vermelha para que se conseguisse a tal púrpura. E foi isso precisamente o que aconteceu. O guarda-lama direito, na frente deste automóvel, tem uma mancha púrpura. Quero dizer, a tinta vermelha também ali chegou. Se o senhor pintor do vermelho afirmou que não saiu da frente do seu carro, mentiu, porque, na realidade, ele veio até à parte de trás.

O acusado nem sequer teve ânimo para fugir. Fôra tão luminosa, tão plausível, a explicação do Rei dos Sherlocks, que, de braços caídos, se entregou sem resistência.

Mas Mr. Pilot queria conjecturar como tudo se passara e, ante o espanto de todos, continuou:

- O senhor, por qualquer questiúncula que, para o caso, não interessa, decidiu matar o seu colega. E foi assim que, quando ele passou para o lado de dentro dos carros (o lado esquerdo do que estava a pintar) o senhor se aproximou da traseira do seu e, consequentemente, da parte da frente do dele. Aí, sem para a pistola de pintura para poupar tempo, alvejou-o. A trajectória da bala corresponde exactamente a uma linha imaginária que traçaríamos entre a têmpora esquerda do morto e o local de onde atirou. Seguro da sua impunidade (ninguém tinha dado por nada), regressou ao seu lugar, mas não notou, felizmente, que aquela mancha púrpura provocada pelo seu vermelho, a cor do sangue que derramou, o iria denunciar. A arma, talvez munida dum silenciador, está dentro do seu carro, não é? E aqui têm toda a história deste crime, a que poderemos chamar, com propriedade, um crime colorido.

© DANIEL FALCÃO