Autor Data 15 de Fevereiro de 2009 Secção Competição Problema nº 5 Publicação O Almeirinense |
Solução de: ESTÁ TUDO LÁ Daniel Falcão À
primeira vista, parece não haver dúvidas sobre a culpabilidade do sobrinho da
vítima. Nenhum dos amigos escutou o toque do telemóvel, apenas se aperceberam
que ele teria estado a falar com alguém. Ele poderia ter saído de casa do
amigo, ter-se dirigido à moradia do tio, ter entrado (possui a chave,
naturalmente), ter-se dirigido ao escritório (calçando previamente as luvas)
e ter assassinado o tio. Em seguida, poderia ter ido buscar os maços de
notas, ter saído do escritório, ter fechado a porta à chave, ter escondido as
notas na caixa de sapatos, ter escondido a chave e as luvas na gaveta e ter
saído. Por fim, poderia ter regressado à casa do amigo, passando pelo bar
onde tomara uma bebida, poderia ter contado a história do assalto e, porque
este não acontecera, demovera-os de ir atrás dos meliantes. Talvez
as coisas pudessem ter acontecido como acabei de descrever. Todavia, há nesta
versão dos acontecimentos algumas coisas estranhas. Se possa ser, de certo
modo, compreensível que ele tenha escondido as notas no seu quarto, já não se
compreende por que foi ele lá guardar a chave do escritório e as luvas.
Ademais, se pretendia roubar o tio, porque foi ele fechar a porta do
escritório, quando, em vez disso, a podia ter deixado aberta, bem como a
porta de entrada da moradia, para dar a ideia de que o tio tinha sido vítima
de um assaltante (e porque não desarrumou um pouco o escritório)? Se
bem que não apenas pelas razões apontadas, imediatamente afastei o sobrinho
da minha lista de suspeitos. Das personagens conhecidas, aparece-nos outro
candidato a homicida – o advogado. Este também teve oportunidade e não tem
álibi para uma parte do período apontado pelo médico legista. Mas, se
assassinou o cliente e colocou a chave e as luvas no quarto do sobrinho da
vítima para o incriminar, por que razão não levou com ele o dinheiro? É caso
para perguntar: o que ganhou ele? Parece-me que nada e, pelo contrário,
perdeu um cliente. Não
sendo expectável o envolvimento de qualquer outra personagem, restava-me uma
última hipótese: a vítima ter-se suicidado e incriminado o sobrinho. Não
existindo uma boa relação entre os dois e estando os seus negócios em
iminente ruína, decidiu deixar-lhe em herança… a cadeia. E talvez o estivesse
a ajudar, pois já não precisaria de procurar emprego… A
vítima teria decidido, com antecedência, suicidar-se naquela noite. Sendo
conhecedor dos hábitos do sobrinho, sabia que ele ia estar em casa do amigo
que morava mesmo ali ao lado e sabia que, nas reuniões em que participava,
ele desligava sempre o som do telemóvel, embora o colocasse no bolso da
camisa onde sentiria as suas vibrações. Possivelmente
durante a tarde daquele dia, a vítima fora levantar os 50 mil euros ao banco,
fora buscar o duplicado da chave do escritório que mandara fazer e contactara
dois marginais para estarem em determinado lugar e em determinado hora, onde
iria aparecer o sobrinho e a quem deveriam roubar o telemóvel e o mais que
quisessem, excepto as chaves e o automóvel, para que ele pudesse regressar.
Deve ter-lhes adiantado uma pequena quantia e pagar-lhes-ia a parte mais
avultada depois do serviço concluído, garantindo assim que os meliantes
cumpririam o contratado e ficariam à espera do pagamento. Naquela
noite, já sozinho, com o sobrinho e os empregados fora de casa, entrou no quarto
do sobrinho, colocou os 50 mil euros na caixa de sapatos dentro do
guarda-fatos, enfiou a chave do escritório (a original) e as luvas no fundo
da gaveta da roupa interior e regressou ao escritório. Fechou a porta com a
cópia da chave, abriu uma das janelas e lançou a chave pela janela garantindo
que cairia dentro do lago (ali a uma escassa dezena de metros). Claro que
também poderia ter realizado estas acções já depois dos telefonemas. Chegara
o momento dos telefonemas: às 22h14, ligou para o advogado, convocando-o;
logo a seguir, ligou para o sobrinho, combinando o encontro; às 22h20, enviou
a SMS ao advogado, cancelando a convocatória. Talvez tivesse aguardado alguns
minutos, imaginando o sobrinho a caminho do local do encontro e, após lá
chegar, a ser assaltado. Chegou a hora! Apagou a luz (tudo aconteceu num
período nocturno e não há qualquer referência a luzes acesas) e desferiu o
tiro fatal. Mas
o imprevisível aconteceu! A companheira do amigo que devia receber a reunião
daquela noite obrigou-os a transferirem-se para uma outra casa, a trinta
quilómetros de distância e, curiosamente, perto do local para onde fora
chamado o sobrinho da vítima. A intenção da vítima era enviar o sobrinho para
longe, de modo que ele não tivesse qualquer álibi para a hora da morte e, com
o roubo do telemóvel, ele não teria forma de provar que o tio lhe tinha
ligado. Além do mais, ele próprio teria eliminado do seu PDA o registo do
telefonema que fizera ao sobrinho; daí esse registo não ter sido encontrado.
Aquelas dezenas de minutos que demoraria a ida e a volta iriam mostrar à
polícia que provavelmente ele tinha encenado aquela história e, em vez disso,
fora assassinar o tio. Até o envio do SMS ao advogado não foi inocente:
repare-se que a convocatória foi feita com uma chamada de voz, claramente
identificada, enquanto o cancelamento foi feito por SMS, logo, por qualquer
pessoa, ou seja, poderia ter sido enviado por alguém que descobrira que o
advogado vinha a caminho. Afinal,
o sobrinho da vítima não estava ali ao lado, mas bastante próximo do local do
encontro. Foi por essa razão que os assaltantes demoraram, já que o período
de tempo que devia demorar a viagem tinha sido largamente encurtado ou
praticamente anulado. Poderia
o sobrinho ter assassinado o tio? Para responder a esta questão, irei fazer
alguns cálculos: se os trinta quilómetros entre as duas casas fossem
percorridos a uma velocidade média de cem quilómetros horários seriam
necessários 18 minutos. É verdade que desconheço as características das vias
de ligação, mas parece-me que a velocidade estimada já é muito elevada. Nesta
situação, a ida e a volta demorariam 36 minutos. Se a isto somarmos o tempo
para o homicídio e a passagem pelo bar (confirmado pelo empregado)
ficaríamos, na melhor das hipóteses, em cima das onze horas. Possível, mas
pouco provável. Uma
consulta, mais tarde, ao operador do serviço de telemóvel confirmaria a
chamada desaparecida e ilibaria o sobrinho. |
© DANIEL FALCÃO |
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