Autor

Daniel Falcão

 

Data

17 de Maio de 2009

 

Secção

Policiário [930]

 

Competição

Campeonato Nacional e Taça de Portugal – 2008/2009

Prova nº 7

 

Publicação

Público

 

 

Solução de:

DE REGRESSO AO PASSADO…

Daniel Falcão

 

Este problema é dedicado ao povo poveiro e à Povoa de Varzim, onde durante vários anos passei o mês de Setembro, antes do regresso às aulas – cidade magnífica, pela sua praia, pelo seu mar, onde é sempre agradável voltar. E a sombra do Guarda-Sol (o meu café) continua à minha espera, entrando pelo areal dentro.

Já quanto ao resto, como facilmente perceberam, foi imaginado para instigar as vossas células cinzentas e aproveitado para divulgar as marcas que são a escrita do povo poveiro, que as lê com a mesma facilidade com que nós procedemos à leitura do alfabeto. Estas marcas são como que brasões de família que vão passando de pais para filhos.

Mas, afinal, quem foi o assassino? Domingos “Turra”, Luís “Chichão” ou Gustavo “Piloto”?

O Gustavo “Piloto” chegou, entrou, viu e saiu para chamar as autoridades.

O Luís “Chichão” chegou, entrou, viu e ficou aguardando a chegada das autoridades.

O Domingos “Turra” mentiu quando disse que não estivera no escritório e voltara a mentir quando disse que não entrara no escritório. E porquê?

Precisamente porque, por um lado, se ele lá tivesse ido bater à porta antes da agressão, esta seria aberta, como foi aberta para o agressor. Por outro, se ele lá tivesse ido depois da agressão, não precisava bater, pois a porta fora encontrada encostada. Duas hipóteses são possíveis. Na primeira hipótese, foi o Domingos “Turra” quem assassinou e roubou. Na segunda hipótese (a porta encostada) devemos admitir duas possibilidades; ou seja, o Domingos “Turra” viu o cenário macabro e foi-se embora sem avisar as autoridades ou entrou e assaltou o escritório.

O esbanjamento presenciado na tasca mostra que ele tinha bastante dinheiro, o qual até poderia ser proveniente de duas fontes possíveis: das massas que ganhara no dia anterior, cuja origem as autoridades iriam averiguar; ou do assalto ao escritório.

Primeiro a mentira (negou ter estado no escritório), depois o esbanjamento (o dinheiro não lhe custou a ganhar) e por fim a mancha na camisola que parecia ser de sangue, colocam o Domingos “Turra” como principal suspeito.

E os rabiscos encontrados sobre a secretária o que significavam?

O Santos conhecia muito bem aquelas marcas. Identificavam as famílias poveiras e eram herdadas de geração em geração. Mas aquela em especial era muito estranha. O primeiro símbolo era um meio arpão com cruz no rabo, já o segundo símbolo pareciam ser duas cruzes sobrepostas: uma em forma de “+”, outra em forma de “×”. Ora, Santos desconhecia que aquele símbolo fosse utilizado por alguma família poveira, pois parecia uma estrela, mas não era uma estrela, pois o traço horizontal estava a mais.

Foi então que se fez luz. As marcas encontradas foram falsificadas. Na realidade, as marcas que a vítima desenhara, para apontar a identidade do seu agressor, foram:

 

 

A marca formada por um meio arpão com cruz no rabo seguido de uma cruz em forma de “+” é o “brasão” da família poveira dos Chichões. A vítima queria apontar alguém da família dos Chichões.

(Nota: Não confundir as cruzes, “+” e “×”, sobrepostas com o símbolo da estrela, já que o meio arpão com cruz no rabo seguido de uma estrela é o símbolo dos Turras.)

Como se costuma dizer: o criminoso volta sempre ao local do crime; e assim foi mais uma vez. Luís “Chichão”, acompanhado por Gustavo “Piloto”, entrou no escritório, aproximou-se do corpo e viu… a folha em cima da mesa com as marcas que o incriminavam. Possivelmente, teria dita ao Gustavo para chamar as autoridades, enquanto ele ficava a vigiar o local do crime. Já sozinho, teria tido a tentação de destruir a folha. Contudo, como não sabia se o amigo também teria reparado na folha e talvez salientasse depois o seu desaparecimento junto das autoridades, arriscou escrever uma nova cruz em forma de “×”, sobre a existente. Talvez o amigo tivesse visto o papel com os rabiscos, mas não tivesse memorizado o que lá estava.

Para finalizar, o Luís “Chichão” teria cometido o homicídio, por razões que viriam a ser apuradas, e o Domingos “Turra” assaltara o escritório quando lá fora e deparara com aquela oportunidade para limpar as gavetas. Contrariamente ao Luís “Chichão”, o Domingos “Turra” não tivera oportunidade para falsificar a marca. Fora assim que a camisola ficara manchada de sangue e que ele conseguira o dinheiro que estava a esbanjar na tasca. Refira-se ainda que seria possível a folha branca não conter sangue, considerando que o telefone foi tocado com a mão do braço ferido, enquanto a marca podia ter sido escrita com a mão direita.

Nota final: para recolha de elementos sobre esta simbologia poveira, consultar “O Poveiro” de António Santos Graça ou pesquisar na Internet pelas palavras-chave ‘marcas’, ‘balizas’ e ‘divisas’. A imagem seguinte, útil para conhecer os símbolos utilizados, está disponível na Wikipédia, por exemplo, quando se pesquisa “Cultura da Póvoa de Varzim”:

 

 

Observação: a cruz tanto pode apresentar-se com a forma “×” como com a forma “+”.

© DANIEL FALCÃO