Autor Data 15 de Abril de 1994 Secção O Detective
- Zona A-Team [207] Publicação Jornal de Almada |
UM CRIME DE SEXOS De La Tierra Depois
de ter caído uma chuva espessa ao longo de todo o dia, a noite apresentava-se
límpida e suave. No entanto, o sangue já havia marcado a sua presença. O
quarto estava impregnado de um odor mórbido, de cores escarlates e de cenas
eventualmente chocantes. Eu já sou detective há uma
boa dúzia de anos mas, por vezes, ainda me impressiono. Os
pais da mulher jovem que jazia sobre a cama, de nome Noelme,
tinham-me contratado para descobrir o seu paradeiro, desde que ela
desaparecera, dois anos atrás, da terra natal, algo perdida na vastidão texana.
O brilho e a glória da «Big Apple» tinham atraído
mais uma vítima, e esta para o rol das prostitutas de luxo. Nua,
de pele morena e longos cabelos pretos, a jovem tinha sido violentada
fisicamente, mutilada nos seios, um dos quais horrivelmente maltratado e,
mais que provável, sofrera agressões sexuais. Algumas linhas e manchas de
sangue seco e escuro traçavam sobre a pele as marcas de um sofrimento atroz.
Depois reparei… Todos estes ferimentos circunscreviam-se ao tórax. A jovem
mulher ter-se-ia esvaído em sangue como uma rés no matadouro, e essa seria a
causa provável da sua morte. Mas
a descoberta mais espectacular foi a de que
existia, sabe-se lá porquê, uma câmara-vídeo num corredor do hotel de quinta categoria
onde ocorreu o homicídio, e que registou uma cena muito interessante.
Precisei de bastante saliva e de um bom maço de dólares para o gerente do
hotel me facultar uma cópia da gravação e esconder essa «oferta» dos chuis… Quando
cheguei a casa, revi uma certa passagem da fita, onde três homens se desculpam
mutuamente, referindo-se à morte de Noelme. Estão
os três juntos da porta do quarto do crime quando um deles, vestido de
operário, de ombros estreitos, imberbe e de boné, diz «…como posso ter sido
eu a ir p’rá cama com ela, se nem sequer tenho falo…,
hum, quero dizer, fala, lábia e massa para engatar
um ‘Mercedes? daqueles?… Mas tu, um chulo famoso do
bairro, talvez tivesses motivos fortes…» O outro, de fato cinzento e gravata
amarela, ripostou: «Meu, não estás bom da bola! É certo que conheci a gaja quando ela deu os primeiros passos na vida, era ainda
uma pêga de esquina, mas agora… Lá me interessa
arranjar problemas com os chuis, quando há por ai
muitas gajas para fazer dinheiro. De qualquer maneira, será sempre muito
difícil provar que um tipo como eu, que pisa montes de sítios ao longo da
noite, estava num certo sítio e a uma certa hora…» O terceiro homem, de jeans e chapéu à «cowboy», balbuciava: «Eu estou limpo
nesta história. Era o noivo dela, lá no Texas, mas nunca quis vingar-me por Noelme me ter abandonado, ao vir para N.Y.. Pelo contrário, até éramos bons amigos. Vim para cá porque
ela pediu a minha ajuda. Parece que tinha recebido ameaças graves de uma
mulher, cujo marido dera umas voltinhas na cama com Noelme.
Vim para resolver o problema. Nos «States», só os
touros bravios têm «tomates» maiores que os dos homens do Texas. Cheguei tarde…» Parei
o filme neste ponto. A imagem fixa dos três permitia uma visão relativamente
definida das respectivas caras. E havia algo
estranho. Estava neste interlúdio quando tocou o telefone. Era um tipo, meu
amigo, da medicina legal. Não havia qualquer indício de violação sexual, de
penetração… Olhei
mais uma vez para o écran da televisão. A imagem
fixa dos três tipos parecia apagar o meu discernimento. Foi então que me
lembrei de ti, Gráfico, e dos teus amigos portugueses que gostam de pensar
sobre sangue e sobre crimes. Qual será a pista mais forte, para eu seguir um
dos suspeitos? |
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© DANIEL FALCÃO |
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