Autores Data 23 de Março de 1996 Secção O Detective
- Zona A-Team [262] Publicação Jornal de Almada |
À MESA… De La Tierra –
Então, em qu’é que ficamos? –
Mais uma vez, já disse tudo o que sei. –
Continua a insistir que, ao entrar no gabinete, em casa, encontrou o dr. Ekstrom morto, assassinado?
–
Sim. O
inspector De Sousa leva a mão à testa, limpando o
suor. O caso com que se defronta é muito claro. O tipo mata o patrão e
insiste que já o encontrara estendido sobre a secretária. Clássico. Só
precisa de insistir com o suspeito para este revelar alguma incongruência
fundamental. Mas o tipo tem resistido até ao momento… –
Vamos recapitular – diz De Sousa. – Você era assistente do dr. Ekstrom há dez anos… –
Mais ou menos isso. Eu acabara o curso de Bioquímica e tinha dado nas vistas
com um estágio sobre o metabolismo ósseo de mamíferos do Círculo Polar Árctico. Ekstrom convidou-me
para o seu departamento. –
Durante todo esse tempo, pôde descobrir alguns segredos do seu patrão, não? –
Se Ekstrom tinha segredos, nunca mos revelou. Era
muito inteligente e extremamente frio, calculista, um homem solitário. –
Parece que sim – anui De Sousa. – Parece que a mulher dele, afinal, também
mal o conhecia, segundo o que ela própria me confidenciou. Tanto, que a Srª Ekstrom desconhecia
totalmente a existência do compartimento secreto no sotão
da casa, por cima do gabinete… –
Tal como eu. Até ao dia da sua morte, como sabe. –
Nesse ponto é que eu coloco as minhas dúvidas, caro senhor. Porque, se
analisar bem as coisas, a sua versão apenas é consistente com aquilo que você
afirma, e isso, até ao momento, não tem qualquer prova que o suporte.
Convença-me, se for capaz. –
Como, se a sua predisposição é a de me crucificar? Reconheço que o mau
relacionamento que mantinha com Ekstrom faz de mim
um bom suspeito, mas… –
Repare, nós recebemos um telefonema da mulher dizendo que encontrara o dr. Ekstrom esfaqueado, no
gabinete, e que você tinha sido a última pessoa a visitá-lo (pelo menos, ela
assim acha) e que tinha desaparecido sem deixar rasto. Pouco depois, chego ao
local do crime, ouço um ruído estranho no tecto e
acabo por descobrir o tal compartimento secreto, com você lá metido.
Estranho, não é? –
Não é! Quando percebi que a polícia estava no gabinete, achei que o melhor
era manter-me dissimulado, pois era de supor que me tomassem por culpado se
me achassem. –
Natural, não?… –
Infelizmente, fiz um barulho estúpido. –
E imagina a minha surpresa quando descubro no compartimento um arquivo
interessantíssimo, no qual uma súmula extensa revela detalhes insuspeitados
sobre você. E alguns bastante comprometedores… –
Juro-lhe que nunca desconfiei que tal arquivo existisse. E não faço a menor
ideia como ele soube tanta coisa a respeito de tanta gente. Potenciais
suspeitos, como eu. –
Sim? Mas você esteve no gabinete dele no dia em que foi morto e parece ter
sido a última pessoa a vê-lo com vida. Apesar disso, insiste que foi o dr. Ekstrom, morto, que lhe contou
da existência do compartimento secreto? –
Insisto. –
Como?!… –
Ekstrom tinha a mania dos enigmas, dos mistérios, deliciava-se
com isso. O que poderá ter contribuído para a sua morte… Possivelmente,
alguém foi visado com alguma chantagem com origem nas informações de que Ekstrom dispunha naquele arquivo. Esse alguém serviu-se
da violência para o silenciar. Ekstrom é
esfaqueado. Mas entre a vida e a morte, tem tempo para rabiscar umas
palavras. O seu último enigma. De
Sousa está pensativo. Limpa o suor que lhe escorre nas têmporas. Acaba por
dizer –
Nós temos esse papel connosco. Tudo indica que foi escrito mesmo antes do
último suspiro. Do
interior de uma gaveta, retira um pedaço de papel introduzido num invólucro
de plástico. –
Ekstrom escreveu: «Se seis elementos-quinze se
tocarem sobre a minha mesa, para formar quatro triângulos iguais, eles
apontarão o lado de onde vêm os vossos medos». –
O inspector encontra-me dentro do compartimento
secreto porque eu compreendi o significado dessas palavras. Que estavam
escritas, e que não precisavam de ser ditas por um homem vivo… –
«Seis elementos-quinze…» –
Seis. –
Será possível você estar a dizer a verdade? |
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© DANIEL FALCÃO |
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