Autor Data 1 de Junho de 2024 Secção Competição Torneio
Cultores do Policiário Problema Policiário nº 6 Publicação Blogue Repórter de Ocasião |
UM DESAFIO Detective Jeremias O
caso que aqui relato passou-se recentemente. O desafio que deixo aos leitores
é a identificação do culpado e a devida justificação. Mudei-me
para uma zona rural há uma meia dúzia de anos. Moro numa rua tranquila com
poucas habitações, todas com uma pequena fatia de terreno. Aqui, a maior
parte das pessoas ou são da mesma família, ou conhecem-se desde sempre.
Existe uma partilha e solidariedade que é rara, ou inexistente, na cidade. O
meu vizinho do lado é um personagem bem curioso. É um homem já nonagenário,
sábio, franzino, mas estranhamente intimidante, talvez devido aos olhos azuis
que parecem observar pessoas e coisas até ao âmago. De início acolheu-me com
a desconfiança habitual, dedicada aos forasteiros intrusos, mas cedo
encontrámos várias paixões comuns. Talvez a mais inesperada seja o gosto pela
leitura e pelos livros, mas isso são outras histórias e vamos ao que
interessa: um mistério policiário. Este
meu vizinho, como quase todos nós, deixa o saco para o pão pendurado num
sítio acessível ao padeiro, que na sua carrinha nos faz a distribuição
diária, excepto Domingos e feriados. No entanto, o
meu vizinho tem a particularidade única de pagar ao Sábado o pão que já lhe
foi entregue durante a semana. Durante
o passado mês de Dezembro sucedeu o inesperado. Primeiro, desapareceu-lhe do
saco a nota de 10 euros deixada para o Padeiro, na segunda vez tornou-lhe a
acontecer o mesmo, mas desta feita o meu vizinho ouviu um barulho cerca da
meia-noite. É claro que na noite de Sexta para o Sábado seguinte, ele ficou à
coca dentro de casa, porque no Inverno o frio ataca bem. Escolheu estrategicamente
uma janela estreitinha, com boa visibilidade para o
portão onde prende o saco do pão. Perto da meia-noite, a iluminação da rua
permitiu-lhe ver a chegada de uma pequena bicicleta com uma pessoa vestida de
preto. Só conseguiu distinguir um vulto pequeno com a cara tapada, que se
aproximou furtivamente do saco do pão para o abrir, retirar o dinheiro e
partir na bicicleta em menos de nada. Quando
o meu vizinho partilhou este assunto comigo, fez-me prometer que não contaria
a ninguém. Só o Padeiro estava a par dos roubos – tinha feito a mesma
promessa e garantira também não ter conhecimento de situações do mesmo género
nas redondezas. O
meu vizinho fazia questão de resolver o assunto sozinho. Tinha consciência
das suas limitações físicas, que o impediam de perseguir o ladrão, mas já
tinha um plano para apanhar o culpado. Depois de alguma insistência da minha
parte, lá me confidenciou as suas congeminações. Teria de ser alguém da zona
e estar a par do pagamento semanal, aquele que garantia mais dinheiro, visto
ser ele a única vítima. A silhueta que ele conseguira descortinar era de uma
pessoa de fraca figura, devia ser um rapazola das redondezas. Quem lhe vinha
à cabeça era um dos netos do Chico Nicolau, até porque os cães, embora
recolhidos por causa do frio, nem sequer deram sinal, ao contrário do que
acontecia sempre que aparecia gente estranha. Explicou-me o que tencionava
fazer e fechou-se em copas, depois de ter aceitado, embora meio contrariado,
a minha presença na vigia, para apanhar o culpado no sábado que se
avizinhava. Eu
não sei muito sobre os netos do Nicolau. Vivem com os avós, na rua ali em
baixo numa quintarola, desde o acidente que levou os pais, eram eles ainda
pequenos. Cresceram à vara larga, como se diz por aqui, sempre briguentos e metidos
em sarilhos. São
eles: Abel
– Já fez 18 anos e desde Outubro está em casa com pulseira electrónica, por envolvimento com um gang
que roubava carros por encomenda. Há um par de anos, perguntou-me se eu
estaria interessada em comprar um todo-o-terreno. Nem me lembro o que lhe
respondi, mas a partir daí é só “bom
dia”, “boa tarde”. André
– Tem 17 anos é o mais ambicioso dos irmãos. Frequenta agora um curso de
formação profissional. É o único dos irmãos que é alto e bem
parecido e desde que meteu na cabeça ser modelo profissional, deixou
de andar metido em confusões. A última vez que falei com ele ia concorrer ao Big Brother. António
– Tem 13 anos. É imaginativo e está sempre a engendrar negociatas, e
esquemas. Gosta de arranjar conflitos, no entanto se lhe fazem frente, mete a
viola no saco. É um típico galaró, que briga com os
colegas de escola, mas quando confrontado, encolhe-se e baixa a crista. Augusto
– Tem 13 anos. É um rapazinho imaturo, muito tímido e medroso, mas que vai na
conversa dos outros miúdos, que o arrastam para fazer disparates em grupo,
típicos da entrada na adolescência. Sozinho é uma paz de alma que se
interessa por insectos e outros bichos pequenos. De
volta ao caso, eis o que se passou mal começava o último sábado do ano
passado e que relato de seguida. Felizmente
não chovia e o frio parecia ter abrandado. Chegámos à conclusão que para
fazer a espera ao ladrão a melhor estratégia seria ficarmos no meu terreno, a
dois metros do portão, por detrás de um arbusto denso que daria um esconderijo
perfeito. Quem se aproximasse não nos conseguiria ver. Quinze minutos antes
da meia-noite, já estávamos a postos. O meu vizinho, vestido com um capote
negro e armado com um varapau, metia medo ao susto. Eu tremia com o frio ou
com os nervos, sei lá eu, apenas me tranquilizava por sentir o telemóvel no
bolso, o que me permitiria pedir ajuda, se as coisas dessem para o torto.
Tudo começou com um ranger de bicicleta. Ouvi o meu vizinho, em surdina: “Agora é que vai ser”. O chiado
tornou-se cada vez mais próximo, durante uns três ou quatro minutos, que me
pareceram horas sem fim. A bicicleta parou, quem a conduzia deixou-a cair por
terra e dirigiu-se ao portão. Tudo me parecia um movimento em câmara lenta...
De repente o meu vizinho saiu da moita, agigantou-se e de varapau em riste,
gritou: “Pára já com isso!” O pequeno embuçado
encolheu-se, tremia como varas verdes e começou a soluçar. Perante
isto, o meu vizinho, disse com mais calma: “Tira mas é esse garruço, e anda falar
comigo, ó…” E para minha grande surpresa, tratou o meliante pelo nome
próprio. Quando
vi os dois abraçados, resolvi ir para casa e deixá-los a resolver o assunto.
Eu tinha outras coisas para ocupar a cabeça – Afinal, como raio é que o meu vizinho sabia o nome do larápio antes
de este tirar o gorro que só lhe destapava os olhos? |
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© DANIEL FALCÃO |
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