Autor

Dic Roland

 

Data

21 de Agosto de 1994

 

Secção

Policiário [164]

 

Competição

Supertorneio Policiário 1994

Prova nº 6

 

Publicação

Público

 

 

Solução de:

O DESTINO MARCA A HORA

Dic Roland

 

Na manhã seguinte, mal Orlando entrou no seu gabinete de trabalho, logo o adjunto o seguiu e lhe perguntou, depois dos cumprimentos habituais:

– Desculpe, inspector, mas não resisto a perguntar-lhe quem foi o assassino e o que quis dizer com aquele comentário à minha afirmação de que “o destino marca a hora”.

– Vamos por partes, meu amigo. Dos três possíveis suspeitos, era indispensável averiguar qual deles possuía, ou teria usado, um carro descapotável.

Mas logo aí as coisas se complicaram: na noite de quinta-feira houve dois que declararam ter usado automóveis desse tipo. Apenas., um – o Alberto – mencionou um Renault 4.

No entanto, nem o Belchior nem o Clemente admitiram ter passado na ponte, depois de saírem do bar. É certo que não apresentaram provas do que afirmaram. O Alberto, por sua vez, tinha vários pontos a seu favor: 1º – o seu carro é, de facto, um Renault 4, cuja silhueta é difícil de confundir com qualquer outro; 2º – a hora da sua passagem na ponte poderia ter sido perfeitamente a que indicou (quatro menos dez minutos): o bar encerrara pouco depois das três e quarenta e a distância até à ponte é percorrida, de carro, em menos de dois minutos; 3º – as razões da sua animosidade para com o Mário pareciam ultrapassadas; 4º – por último, foi o único que declarou, sem qualquer hesitação, ter atravessado a ponte.

Contra o Belchior (teoricamente, claro) havia a sua conhecida perícia como atirador, além de ter sido gravemente prejudicado na sua carreira militar, pela intervenção do Mário, no processo em que foi punido.

A seu favor, o facto de morar em Santa Clara, se bem que não tenha provas de que recolheu a casa logo que saiu do bar.

Contra o Clemente, apenas o BMW descapotável e a recusa em revelar o seu itinerário nocturno. A seu favor, a insignificância do incidente ocorrido naquela noite, perfeitamente desajustado à gravidade do crime.

O problema não parecia simples e, para falar com franqueza, só ontem à noite o solucionei – e precisamente no local onde ocorreu a tragédia.

Quando o relógio da torre bateu a meia-noite, olhei com atenção para o seu mostrador e lembrei-me do pormenor dos ponteiros em linha, descrito pelo Alberto. E fiquei estarrecido!

Era, afinal, o gato escondido com o rabo de fora: as horas estão, na verdade, marcadas em numeração romana; mas, como acontece na grande maioria destes relógios as quatro horas não estão representadas pelas letras IV, mas sim por IIII.

A fantasiosa narrativa do Alberto fora pois, inventada e mentirosa. Mas como conseguira ele, para aquela noite, um carro descapotável?

Foi o Clemente que me tirou as dúvidas quando, nas suas declarações, aludiu à facilidade com que resolvia problemas desse género, graças ao tal amigo proprietário de um “stand” de automóveis… e primo do Alberto!...

Por último, o assassínio não terá sido um acto de vingança tão incompleto como isso. Com ele se atingiu também, dolorosamente, a ex-namorada do criminoso, a poucas horas de se tornar a esposa do Mário.

Percebe agora, o meu comentário de ontem à noite? Desta vez foi a hora, estupidamente chamada à baila pelo Alberto, que marcou o seu destino…

© DANIEL FALCÃO