Autor

Dic Roland

 

Data

19 de Dezembro de 1999

 

Secção

Policiário [440]

 

Competição

Torneio “Fórmula 1”

Torneio “Detective Said”

Prova nº 6

 

Publicação

Público

 

 

Solução de:

UMAS FÉRIAS PARA ESQUECER

Dic Roland

 

Se a vítima foi assassinada por asfixia, o aparecimento do veneno no copo (veneno previamente roubado do gabinete do médico) deve ser interpretado como uma tentativa de desviar as atenções e incriminar alguém, porventura o dr. Flávio, ou Maria Teresa, que também frequentava a área hospitalar, ou ainda ambos, dado o secreto relacionamento que os ligava. Esta hipótese é ainda reforçada pelo aparecimento, no gabinete do médico, de um maço de cigarros Camel – marca só usada a bordo por Maria Teresa.

Mas vejamos quem são os suspeitos:

Maria Teresa – mulher de Cavalcanti, mais nova 30 anos; diplomada em Farmácia e colaboradora voluntária no bloco hospitalar; antiga namorada do dr. Flávio, com quem se encontrava secretamente.

Dr. Flávio – 2º médico de bordo; apaixonado por Maria Teresa; é no seu gabinete que está guardado o veneno que alguém deitou no copo usado pela vítima.

Afonso – camaroteiro da 1ª classe, punido por comportamento incorrecto e ameaçado de despedimento por Cavalcanti.

Casanova – 2º maquinista; jovem atiradiço e inconveniente, punido e ameaçado de despedimento por ter sido atrevido com Maria Teresa.

A hipótese de que o crime teria sido planeado e executado por Maria Teresa ou por Flávio (ou por ambos) fundamentava-se no facto de serem os únicos com acesso fácil à ‘suite’ do casal Cavalcanti e, simultaneamente, ao armário onde está o veneno.

O relatório da autópsia, como já se disse, alterou os dados do problema. E a descoberta que o inspector inesperadamente fez, quando relembrava tudo o que aconteceu, foi o ponto de partida para a solução final. Ao fazer rodar entre os dedos o maço de cigarros Camel, reparou casualmente que ele tinha colado um selo fiscal onde leu: “República Portuguesa”. Este maço não pertencia, portanto, a Maria Teresa, pois fora adquirido em Lisboa ou no Funchal. Por isso correu a saber quem tinha ido a terra nesses portos, uma vez que a marca Camel não estava disponível nos bares do navio. A lista que lhe foi fornecida incluía dois dos suspeitos: Casanova e Afonso. Mas Casanova, maquinista, não teria qualquer hipótese de entrar no camarote do casal Cavalcanti, nem tão-pouco no gabinete do dr. Flávio.

Quanto a Afonso, o caso é diferente: como camaroteiro, tem em seu poder (ou pode obter) uma chave mestra para entrar em todos os camarotes e gabinetes; como camaroteiro, a sua presença nas áreas de serviço também não levanta suspeitas. Um interrogatório bem conduzido acabou por confirmar a tese do inspector, enriquecendo-a com pormenores que esclareceram os aspectos mais obscuros.

Desde que soube que Cavalcanti iria propor o seu despedimento, Afonso planeou o crime com todo o cuidado. Tendo percebido a ligação clandestina de Teresa com Flávio, e sabendo que o administrador tomava sedativos para dormir, limitou-se a esperar pela melhor oportunidade, espiando as fugas nocturnas da jovem esposa. À passagem pelo Funchal, comprou em terra um maço de Camel, pois essa marca não se vendia a bordo. O maço serviria para deixar pistas enganadoras, comprometendo simultaneamente Teresa e o dr. Flávio, a cujo gabinete iria buscar o veneno.

Naquele dia, tendo assistido à entrada de Teresa no camarote de Flávio e à saída deste para a enfermaria, esperou que o médico regressasse ao camarote e, munido da chave mestra, entrou no consultório; abriu o armário com a chave que sabia estar na gaveta da secretária e retirou a dose do veneno. Deixou depois, sobre a mesa, o maço encetado de Camel. Foi à “suite” dos Cavalcanti e, com a chave mestra, entrou. Agindo com rapidez, asfixiou-o com a própria almofada e voltou a compor a cama e a sua vítima, de modo a não deixar vestígios da sua passagem e do crime cometido.

Verteu para o copo (onde Teresa diluíra o sedativo já tomado pelo marido) o veneno que trouxera do gabinete de Flávio. Trabalho concluído, retirou-se sem fazer o mínimo ruído.

Tudo muito bem planeado, com excepção de um pormenor: o maço de Camel, com o selo fiscal português, ilibou desde logo dois suspeitos e tornou-se um factor predominante na descoberta do criminoso.

© DANIEL FALCÃO