Autor Data 27 de Abril de 2003 Secção Policiário [615] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2002/2003 Prova nº 7 Publicação Público |
Solução de: O MISTÉRIO DO VOLUME Nº 5 Dic Roland De posse do papel
encontrado por dona Zulmira, é óbvio que a consulta da enciclopédia se torna
indispensável. Ali encontraremos, decerto, o material necessário para a
elaboração do trabalho escolar de um dos três rapazes que, na sexta-feira,
visitaram o engenheiro, visto que o tema escolhido por cada um já era do seu
conhecimento. Não foi difícil verificar que, no 5º volume, havia
possibilidade de recolher informações úteis. Flávio, que optara pela poesia
medieval, dispunha de um suculento artigo sobre cantigas de amigo, de amor e
de escárnio e maldizer; e até, curiosamente, sobre o jogo do bridge! Fernando
e Francisco, mais inclinados para a época clássica, podiam saciar-se com
excelentes entradas sobre Bucolismo e Luís de Camões. A todos caberia, portanto,
o pouco honroso título de suspeito. Mas nem todos, como adiante se verá,
tiveram o ensejo de voltar mais tarde ao escritório do engenheiro. É por isso que Flávio está
fora de causa; a sua pasta de cabedal poderia suscitar alguma dúvida (só ele
é que citou os dois livros de bridge, que ninguém viu…), se o engenheiro não
tivesse afirmado que, após a saída dos rapazes, não notara qualquer falta na
estante. Já Francisco está menos
à-vontade porque esteve no escritório, onde ajudou a mãe na recolha da roupa;
porque foi ele quem descobriu a chave da porta do terraço, em cima da
secretária; porque, com essa mesma chave, poderia lá voltar mais tarde, a
coberto da noite. Mas acontece que, naquele mesmo sábado, Francisco atendeu o
telefonema do engenheiro, a prevenir do seu regresso a casa no dia seguinte.
Razão suficiente para que ele repusesse o livro no seu lugar, caso o tivesse
retirado, tanto mais que poderia utilizar a chave do terraço, que estaria em
seu poder, ou a chave confiada a sua mãe. E Fernando? Sabemos que
voltou ao escritório pouco depois de ter saído com os amigos, a pretexto do
telemóvel; mas esse foi o estratagema utilizado: o telemóvel fora “esquecido”
intencionalmente, ou ia escondido no bolso e transportado bem à vista, na
mão, à saída de casa. Uma vez sozinho no escritório, retirou da fechadura a
chave do terraço e guardou-a convenientemente. O mais difícil estava
feito! Nessa mesma tarde obteve uma cópia e à noite, pelas traseiras (as duas
casas são geminadas…), entrou no escritório, retirou o livro e saiu. Não se
esqueceu de voltar a fechar a porta com o duplicado da chave. Quanto à chave
original, preferiu deixá-la sobre a secretária, e não na fechadura, por temer
não conseguir abrir a porta quando ali voltasse para devolver o livro. O inesperado regresso do
engenheiro, que Fernando supunha ausente até quarta-feira, impediu essa
devolução em tempo oportuno. E o papel que, inadvertidamente, abandonara na
estante ao retirar o volume, orientou a investigação no sentido de relacionar
o pequeno extracto dactilografado com algum assunto ali desenvolvido. Bastaria para isso,
conhecer o mote a que corresponde o primeiro terceto; mote que serviu para
uma belíssima e muito conhecida écloga de Camões. Mas que também foi glosado
por outro grande poeta, Francisco Rodrigues Lobo, num poema bucólico de rara
beleza, que a seguir se transcreve: Descalça vai para a fonte /
Leonor pela verdura / Vai formosa e não segura. / A talha leva pedrada /
Pucarinho de feição, / Saia de cor de limão, / Beatilha soqueixada; /
Cantando de madrugada, / Vai formosa e não segura. / Leva na mão a rodilha /
Feita da sua toalha, / Com uma sustenta a talha, / Ergue com outra a
fraldilha: / Mostra os pés por maravilha, / Que a neve deixam escura; / Vai
formosa e não segura. / As flores por onde passa, / Se o pé lhe acerta de
pôr, / Ficam de inveja sem cor / E de vergonha com graça. / Qualquer pegada
que faça / Faz florescer a verdura; / Vai formosa e não segura. / Não na ver
o sol lhe val, / Por não ter novo inimigo. / Mas ela corre perigo / Se na
fonte se vê tal. / Descuidada deste mal, / Se vai ver na fonte pura; / Vai
formosa e não segura. Quanta às respostas
exigidas: 1) Obra (ou obras) a
consultar: qualquer antologia que inclua as melhores éclogas de Francisco
Rodrigues Lobo; na entrada “Bucolismo”, do 5º volume da Enciclopédia, faz-se
referência a esta écloga do poeta seiscentista, com a transcrição do famoso
mote, anteriormente glosado por Camões; 2) O autor do “roubo” foi Fernando; 3) A forma como agiu deve
ser correctamente imaginada, em função dos dados disponíveis. |
© DANIEL FALCÃO |
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