Autor Data 10 de Novembro de 1977 Secção Mistério... Policiário [139] Competição Torneio
“Tertúlia Policiária do Palladium" Problema nº 2 Publicação Mundo de Aventuras [215] |
Solução de: A MORTE ENTROU NA BIBLIOTECA… Durandal Solução apresentada por Joe Sousa –
Nem por isso, Ifta, nem por isso… – havia na
displicência daquela frase um tom de convite, um desafio. Ifta, ali sentada na
sua frente, atenta, dois dedos torcendo vagarosamente uma das voltas do colar…
Quatro, cinco segundos de expectativa… Por detrás dos óculos, no fundo dos
seus olhos, adivinhava-se um cérebro bem treinado em plena tarefa de
processamento de dados, aceitando o repto, acelerando, vibrando. Depois,
no seu rosto sério qualquer pequeno músculo cedeu, um esboço de sorriso
nasceu-lhe nos lábios e toda a sua expressão vacilou. «– Acendeu-se o luz
vermelha» – pensou Durandal. E foi em seu auxílio: –
Você chega lá, Ifta, eu não duvido.
É questão de mais uns minutos…
Mas vamos pensar em voz alto, certo? Quebrada
a tensão, armistício assinado. Durandal estendeu as
pernas, coçou o queixo e disse: –
Temos que a vítima, mortalmente atingida, reuniu forças para a última
caminhada e arrastou-se até ao fundo da sala. Pergunta: para quê? –
O braço estendido… – Ifta de novo atenta, Ifta recuperando pressão. – A panóplia na parede… Só podia
ser isso. Quis indicar que… –
Exacto! Quis apontar o criminoso. Todo aquele
esforço para isso… É incrível como os moribundos são implacáveis e gastam os
últimos estertores a magicar a vingança post-mortem.
O sentimento do perdão… Ifta abanou a cabeça,
protestando através de um sorriso. –
Não, sr. Dr. Se mo permite eu diria que o sentido
da justiça prevalece e que todo o homem em qualquer circunstância se revolta
perante a ideia de que… – fez uma pausa, caindo em si. Secretária
eficiente, operacional: –
Estamos a desviar-nos do essencial, não é? Mas a panóplia… –
A panóplia em si não é mais que um receptáculo…
Vale pelo que contém… No caso presente, como sabe, continha uma pistola, duas
setas e uma adaga. E mesmo considerando o risco de voltarmos a sair do rumo
deixe-me confessar-lhe uma coisa: nunca percebi por que obscura razão as
pessoas descortinavam beleza em objectos desses,
obviamente concebidos para uma função específica: ferir, matar, causar
sofrimento! Já pensou nisso? Já pensou que há mais beleza numa ratazana do
que num arsenal inteiro?... A
imagem fora um pouco precipitada e imprudente… Ifta
franziu ligeiramente os lábios e passou por cima da pergunta. –
Mas, sr. Dr., é ponto
assente que nenhuma daquelas armas interferiu no crime. Que relação poderão
ter com o criminoso? Aí é que eu… Durandal apontou-lhe um
indicador doutoral. –
Lembre-se que um dos suspeitos, o Luís Flores, é social-democrata
confesso!... Ifta abriu uns olhos
enormes e um ar de surpresa magoada atravessou-lhe o rosto. –
Francamente, não vejo… O sr. Dr.
por certo não insinua que… Olhe que a social-democracia é… Durandal fez um gesto com
as mãos, a desfazer equívocos. –
Nada disso. Você não está a acompanhar-me… Aquelas armas, ora vejamos: temos
uma pistola em primeiro lugar e, quando a gente diz pistola, que elemento
retemos antes de mais? Ifta confusa… Ifta interrogativa… –
É o «P», menina. Ainda que mal comparando podemos admitir que a letra «P»
representa, vá lá, o «símbolo químico», o indicativo da palavra pistola…
Analogamente e para as setas que nos surgem a seguir, avançamos o «S»… Para a adaga não hesitamos em escolher o «D»… –
Perdão… –
Não, não. Insisto: adaga também pode dizer-se «daga»,
ou «daca». É mesmo assim a palavra latina original, não sabia? Ora bem,
juntemos as três letras e teremos uma sigla conhecida: PSD. Suponho que lhe é
familiar… Ifta aturdida pelo
ritmo da explicação pôs-se a alisar cuidadosamente as pregas do vestido… A
sua inteligência engrenara de novo e agora tudo era simples e luminoso. Tinha
de reconhecer que o seu patrão, além de outras qualidades, possuía um
intelecto de primeira grandeza. Mas porque diabo aquela sensação de
desconforto a estragar o prazer de uma vitória que também partilhava?... –
Os meus parabéns, sr. Dr. Foi brilhante –disse. Durandal moderou o seu
ímpeto e sorriu-lhe, amigavelmente. Você
chegava lá, Ifta… Era questão de mais uns minutos.
Bastar-lhe-ia até deter-se nas setas… As setas bastavam. Como sabe, as setas,
só por si, identificam o PSD, estão-lhe no emblema… Ifta encolheu os
ombros e pousou a mão no telefone. –
Quer que eu ligue para a Polícia, já? Convém apanhar esse figurão do Luís
Flores antes que… Durandal estendeu o braço.
A sua cara estava séria, um tanto grave e foi com algum remorso na voz que
disse: –
Desculpe, Ifta… Ainda não acabámos. Há um pormenor
importante. –
Um pormenor? –
Sim… O Luís Flores não matou ninguém. O Luís Flores está inocente. Dito
isto pôs-se a olhar para o tecto. A sua consciência
dizia-lhe que há muita espécie de crimes e que alguns, pequenos, mereciam
castigos grandes… Daí
para a frente a continuação do diálogo seria uma exibição de crueldade
mental. Ifta estava vencida e silenciosa. O que se
seguiu foi uma exposição sem oposição – um monólogo… –
Tudo o que eu lhe mostrei até aqui estaria correcto
se o morto tivesse de facto tido a intenção de nos levar ao criminoso. Mas
ele não fez isso. Não o fez, com certeza! Porque, atingido com um dardo
embebido em «curare» «morreu» em poucos segundos sem ter tido possibilidade
de se deslocar onde quer que fosse… É sabido que a «curare» introduzido em
mínima quantidade que seja na circulação sanguínea, paralisa o brevíssimo
prazo o sistema nervoso central e produz «morte» quase imediata. Ora se ele
nos aparece a onze metros do local onde foi ferido – lá estão os pedaços da
chávena e o próprio dardo a atestá-lo – é porque alguém o deslocou, já «cadáver»,
através dessa distância. Com que finalidade? A
resposta já foi dada: para que nos aparecesse perto da panóplia, a apontar
para ela, para que os investigadores mordessem a isca… A
encenação estava montada para nos levar em determinado direcção,
como vê. Mas era apenas uma encenação, artificial como todas as encenações.
Pisando caminho errado paro onde ardilosamente nos queriam conduzir e tendo
obtido consciência desse facto, só nos resta fazer meia volta e caminhar para
o lado oposto. Aliás, aqui há de facto uma alternativa: à mentira opõe-se a
verdade e assim como ao Norte se opõe o Sul, ao pretenso culpado opõe-se o
verdadeiro culpado! Quiseram fazer-nos crer num moribundo acusador…
Impossível! O pobre Lage não teve tempo de ser «moribundo», saltou essa etapa…
A acusação é falsa, o Luís Flores está inocente, logo, o nosso homem é o
Francisco Cubelo. Até porque não existe outra possibilidade de escolha… Antes
que Ifta dissesse o quer que fosse, Durandal pensou rapidamente que a única solução seria
convidá-la para jantar nessa mesma noite… |
© DANIEL FALCÃO |
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