Autor Data 31 de Julho de 1994 Secção Policiário [161] Competição Prova nº 4 Publicação Público |
Solução de: FLO E O CASO DO ESTRANHO PESCADO Flo 1. Decerto, entre o sonho e
a realidade aparecem alguns elementos comuns a destacar, aqueles que, ao fim e ao cabo, me fizeram sentir arrepiado. São eles: – A ocorrência ter lugar no
molhe de Pedrogão… – Ter aparecido um
indivíduo assassinado… – A existência de um saco
relacionado com o morto… – A intervenção da polícia… 2. Não estará em causa a
qualidade de investigadora que eu possa ou não ser… Também, na mesma ordem de
ideias, não se pode pôr em causa a minha ‘arte’ como decifrador de enigmas,
de situações criminais a resolver lúcida e correctamente.
O que ressalta da história é que esta se situa no domínio da dupla ficção, do
sonho! Por conseguinte, o inconsciente prega-nos partidas, muitas delas com aspectos de inverosimilhança pura. Neste caso do meu
sonho, isso aconteceu, há que o desmistificar. Passemos ao seu esclarecimento:
– O nevoeiro estava cerrado
como nunca visto (mal se via a um metro, ‘quase às apalpadelas’), pelo que eu
não podia, por mim próprio – ‘como uma mola’, ficou escrito – dirigir-me ao
corpo tão directamente como o fiz e encontrá-lo sem
ser guiado pela Iva. – Se o indivíduo se
encontrava seminu, como é que se apresentava com as calças, o casaco, a
camisa e a gravata, todo vestido, assim como calçado? – Se as águas vinham
‘lambendo o corpo’ ao ponto de danificar o resto da mensagem do papel, como é
que as feridas ainda tinham sangue seco? – Se era sangue seco, por
que razão afinal a Iva dizia ‘um vulto nos rochedos a sangrar’? – E se era um vulto –
atentemos no que significa vulto –, como é que pôde vê-lo a sangrar? – Como é que um indivíduo
com um tiro no crânio e outro no ombro se pode arrastar, ainda mais numa área
tão acidentada? – Como pode fazê-lo com os
pés e as mãos amarrados? – E como pode fazê-lo de
costas – ‘decúbito dorsal’? – E se se via tão mal que
nem começámos a pescar por isso e pelos possíveis acidentes, como é que nos
abalançámos, arriscando a ir explorar nas rochas? – Face à alínea anterior,
como é que conseguimos localizar logo, e na água, a arma de calibre 6,35 mm? – Como é que podíamos dizer
com aquela certeza absoluta que aquela era a arma do crime? – Com as feridas já com
sangue seco – vamos acreditar que isso poderá ser verdade – isso indicia que
o homicídio ocorrera há bastante tempo ou, pelo menos, há algum tempo (até
pela ausência de tiros que não ouvimos…); como é que a arma, ainda na água
fria, se mantinha quente? Não há dúvida que o sonho
comanda a vida, mas às vezes também a descomanda, lhe torce as voltas…
Concordo que, se tivéssemos exposto, no real, o nosso raciocínio e a descrição
das coisas desta maneira aos agentes policiais, a sua opinião não seria,
naturalmente, o ‘muito bem’ mas o ‘não muito bem’. Porém, neste momento, na
posse do controlo da realidade, tenho (tive) a coragem de proceder à
destrinça de toda aquela série de incongruências, e é com naturalidade que
posso (podemos – eu e a Iva) verificar que temos um mínimo de qualidades para
detective amador. Ou não será?... |
© DANIEL FALCÃO |
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