Autor

Flo

 

Data

6 de Janeiro de 2002

 

Secção

Policiário [547]

 

Competição

Campeonato Nacional e Taça de Portugal – 2001/2002

Prova nº 5

 

Publicação

Público

 

 

UM ASSALTO EM COIMBRA

Flo

 

Poucos minutos tinham passado após termos recebido um telefonema dando-nos conta que tinha havido um assalto a uma joalharia na Rua Visconde da Luz e já estávamos no local.

Quem nos esperava era o sócio-gerente da firma, que, visivelmente, perturbado, nos confidencia:

– Abri a porta e nem queria crer no que via! Ainda pensei que o tecto tinha ruído, mas quando vi as vitrinas despojadas apercebi-me do que tinha acontecido.

Três dos meus homens ficaram no rés-do-chão para executar o seu trabalho. Eu com mais dois da brigada, acompanhados pelo sr. Diogo, um dos sócios proprietários da joalharia, subimos ao 1º andar, onde ficavam as oficinas de relojoaria e ourivesaria.

A única porta de acesso às oficinas era revestida a chapa e com duas fechaduras de alta segurança. Mesmo assim, fora presa fácil para os assaltantes, que, depois de desligarem o alarme e com o auxílio de um maçarico, cortaram a chapa à volta das fechaduras; serraram então a madeira da porta, sacando as fechaduras.

Para não chamar a atenção a alguém que aparecesse, revestiram com folha de estanho os buracos feitos na chapa, dando a ideia de que a porta não tinha sido violada.

Já dentro das oficinas, os larápios montaram o seu quartel-general. Desligaram o quadro eléctrico, trabalhando à luz de lanternas.

Bem no centro da oficina de ourivesaria estava o buraco aberto no soalho. A partir dali, a via estava livre para ir buscar o produto que lhes era mais apetecido.

Não havia dúvidas, estávamos perante uma quadrilha de profissionais, que tinha estudado tudo até ao mais ínfimo pormenor. Restos de vários produtos alimentares enlatados e garrafas de água viam-se em cima de uma mesa de trabalho. Na minúscula casa de banho encontraram-se três jornais diários de 31 de Dezembro de 1999 e de 1 e 2 de Janeiro de 2000, bem como uma gilete desmontável, ao lado de um pacote de lâminas. Tudo o que não fazia parte do espólio da joalharia foi catalogado e metido em sacos numerados, para seguir para o laboratório.

A joalharia assaltada ocupava todo o rés-do-chão de um prédio de arquitectura pombalina, situada na rua mais nobre da cidade de Coimbra. Possui quatro grandes montras e uma majestosa porta ao centro. Cortinas de chapa ondulada movidas electricamente e reforçadas com uma fechadura de alta segurança blindavam completamente a joalharia, tornando-a, teoricamente, inexpugnável. O seu interior estava decorado com uma mistura de pombalino com o moderno, com grandes vitrinas de madeira de carvalho e dois grandes balcões em pedra e carvalho, fazendo o contraste com o chão em mármore italiano e o tecto em estuque, com três grandes lustres em prata trabalhada.

Dois sócios e duas empregadas estavam na joalharia. Nas oficinas, um relojoeiro, um ourives e uma jovem do balcão compunham o resto da equipa. Todos iam ser ouvidos no meu gabinete.

Na rua, um mar de gente bloqueava a entrada da joalharia, comentando e interrogando-se sobre como tinha sido possível aquilo acontecer na pacata cidade de Coimbra.

 

Os depoimentos

O primeiro a prestar declarações foi Diogo Sanches:

Fora ele quem correra as cortinas e as fechara à chave no dia 31. Fizera as contas do dia e tudo foi arrumado no cofre que se encontrava atrás da porta do escritório, muito bem dissimulado com azulejos pombalinos. Subiu ao 2º andar, ligou o alarme geral e já na rua desejou um bom ano a todos que se apressaram a ir-se embora. E foi tudo.

Jaime Sarmento, o outro sócio, nada adiantou. Tudo lhe fazia confusão. Como tinha sido possível, sem que ninguém se apercebesse de nada?

João Serôdio entrara para a firma já fizera 50 anos. Aprendera a profissão de ourives e orgulhava-se de ter feito trabalhos para certos governantes. Questionado nesse sentido, disse que nas últimas semanas se recordava de alguns clientes terem usado a casa de banho, facto que era muito pouco vulgar. Seriam com certeza os ladroes, que já por ali andavam a rondar…

Luís Miguel, relojoeiro, ao serviço da firma há mais de 38 anos, confirmou que nas últimas semanas dois homens visitaram a relojoaria por duas vezes, deixando sempre um relógio para conserto. O duplicado dos talões e os relógios ainda lá estavam. Ambas as vezes pediram para ir à casa de banho e até perguntaram se havia escada interior que ligasse à joalharia. No entanto, nunca desconfiou deles…

Susana, colega do Miguel e do Serôdio, uma jovem de 21 anos, estava apenas há quatro meses na firma e não adiantou nada de relevante com o seu depoimento.

Liliana e Judite, empregadas de balcão já com alguns anos de casa, lamentavam o que tinha acontecido. Recordavam-se de um cavalheiro visitar a joalharia e dizer que o tecto era a jóia mais preciosa que alguma vez tinha visto. Nada mais sabiam…

 

As investigações

Uns dias depois já tínhamos pistas valiosas. Sabíamos que só um homem tinha descido à joalharia. As marcas dos sapatos de ténis, no chão de mármore, eram todas do mesmo tamanho e forma; os assaltantes tinham estado todo o fim-de-semana dentro das instalações e a mercadoria fora transportada para uma carrinha que esteve dois dias parada numa rua próxima do local do assalto; uma testemunha viu, por várias vezes, um homem com uma pasta dirigir-se para a carrinha e, na madrugada de segunda para terça-feira, viu quatro indivíduos, que não conseguiu descrever, entrar para a carrinha, que se pôs em movimento, logo de seguida. Não mais o veículo foi visto…

Nos nossos ficheiros tínhamos um “dossier” referente a um assalto idêntico a este, praticado há alguns anos nas Caldas da Rainha por quatro indivíduos que foram capturados uma horas depois, devido a um acidente que envolveu a viatura em que se faziam transportar e que tinha sido roubada para o efeito. O produto do roubo estava dentro do automóvel. Foram condenados e já tinham cumprido a pena aplicada. A mais recente saída da prisão de um elemento dessa quadrilha foi precisamente o seu cérebro, conhecido pelo “engenheiro”. Caso curioso, três semanas depois, acontecia o assalto e todos eles se sumiram como por encanto. As nossas pesquisas apontavam para estes homens…

Um ano passou. Os suspeitos começaram a regressar ao país e foram sendo detidos para interrogatório.

O “baldas”, o “morcego” e o “cabeças” disseram ter passado o último ano na seca do bacalhau na Noruega, debaixo de sol escaldante, tendo ganho muito dinheiro.

O “engenheiro” disse ter estado na Arábia Saudita, trabalhando no sector alimentar, num importante restaurante especializado, sintomaticamente chamado “Mr. Pig”. Fizera muito dinheiro e tinha regressado por ter saudades do seu país.

Os suspeitos estavam referenciados nos nossos ficheiros como assaltantes a ourivesarias, não lhes sendo conhecidas outras actividades.

Reuni-me com os meus homens e, perante os elementos que compilámos, efectuamos a sua detenção…

Explique se concorda ou não e porquê?

No decorrer do assalto, os criminosos cometeram um pequeno deslize que podia conduzir à sua descoberta. Qual?

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO