Autor

F. Perlico

 

Data

2 de Maio de 1993

 

Secção

Policiário [96]

 

Competição

Supertorneio Policiário 1993

Prova nº 3

 

Publicação

Público

 

 

Solução de:

UM CASO NEBULOSO...

F. Perlico

 

Vou indicar os pontos que me parecem essenciais para a correcta decifração do caso:

i) O escritório encontrava-se desarrumado, “virado do avesso”, tal como a secretária;

ii) O chão estava coberto duma alcatifa fofa, de pelo alto;

iii) A janela aberta não tem quaisquer sinais de arrombamento. Mas a noite estava fria e húmida… e, junto a ela, pequenos pedaços de terra… alguém terá entrado;

iv) A vítima encontrava-se sentada, com a cabeça apoiada no tampo da secretária, sem revelar sinais de que terá lutado, ou feito qualquer tentativa para se defender;

v) Uma chávena de café vazia;

vi) Tombada junto à vítima, uma pesada estatueta de bronze, a arma do crime;

vii) A porta só range ao fechar, não ao abrir… e ela estremeceu ligeiramente, talvez recordando algo;

viii) O quarto encontrava-se afastado uns bons 30 metros do local do crime.

ix) Ouve-se o carro do médico, mas não o do “Adónis”. Poderia ter sido quando iam a caminho do quarto Mas ele tem um ar esbaforido, pouco condizente com quem acabou de chegar duma viagem de carro e, se o tivesse feito, não poderia saber a causa da morte do tio, ou seja, que ele levara com a estatueta na cabeça;

x) Pelo mordomo, sabemos que, em princípio, o único elemento a sair daquela casa fora o sobrinho.

xi) A hera bem cuidada revela que ninguém terá trepado por ela. Ao invés, o canteiro de “terra mole” tinha, para além de meia dúzia de pegadas “normais”, buracos rectangulares de duas, mais profundos, paralelos à parede. Uma escada, ou umas andas justificariam perfeitamente estas marcas e serviriam de acesso à janela aberta do escritório… e justificariam o ar esbaforido do “Adónis”, carregando a escada para algures, daí o ar esbaforido com que se apresenta em cena;

xii) Ela revela alguma ansiedade quando Melo investiga o canteiro e as pegadas. Talvez por saber o que se tinha passado…

xiii) Ao contornarem o edifício vão encontrar três carros (e só temos conhecimento da existência de três potenciais utilizadores das três “bombas”), não apresentando o chão quaisquer marcas, para além das suas. Não se encontrando mais nenhum carro nas imediações, para além do do médico e do inspector Melo, esta constitui mais uma prova de que o “jovem Adónis” mentira…

xiv) Se fosse roubo, como justificara carteira recheada “das notas mais gordas” em posse, da vítima?;

xv) Se a porta só range ao fechar, das declarações do Boris concluímos que houve duas entradas no escritório de Martins Rocha, naquela noite… e como ele se deitara cedo, a segunda rangedela não deveria ser de quando Marta diz que foi ver o que se passava por ter ouvido uns ruídos estranhos;

xvi) Marta leva o café ao marido. Depois, lendo e ouvindo música, consegue ouvir, por entre portas fechadas, e a mais de 30 metros, uns ruídos “estranhos” do escritório do seu marido;

xvii) Melo não divisara nada por entre aquele breu esbranquiçado. Mas Marta, perspicaz e com “olho de lince” vira um vulto negro a fugir. Se dificilmente o veria, como teria entrado o ladrão, se a hera não tinha marcas, e nada foi encontrado junto à parede que lhe permitisse o acesso ao escritório?;

xviii) A cidade encontra-se distante uma boa meia-dúzia de quilómetros. Pouco provável, portanto, que o sobrinho da vítima tivesse ido à cidade… a pé…;

xix) O móbil descortina-se pelas palavras do sr. Santos, pois o testamento fora recentemente alterado, e os herdeiros não seriam nem a mulher, nem o sobrinho;

xx) Martins Rocha era um homem precavido. Sabendo o seu advogado no estrangeiro e temendo que lhe pudesse acontecer algo por causa do novo testamento, criou aquela mensagem cifrada, para que o dr. Coelho soubesse onde encontrar tão importante documento. Para além do mais, Melo suspeita que Santos sabia mais do que revelou…

xxi) O maço e o isqueiro tem a mesma forma geométrica que, associada à forma como a mensagem estava construída, levou-o a tentar, com êxito, a sua decifração. Basta constituir um retângulo com aqueles seis grupos de seis letras cada:

 

 

S

S

T

S

T

C

 

E

A

E

T

O

O

 

N

N

M

A

F

M

 

H

T

O

M

A

E

 

O

O

T

E

L

L

 

R

S

E

N

E

E

 

Lendo na vertical temos: SENHOR SANTOS TEM O TESTAMENTO FALE COM ELE.

O caso ter-se-á passado da seguinte forma:

Tanto a jovem viúva como o jovem sobrinho levam-nos a pensar que aqui “há gato”. E quando vemos os dois mentir, vimos que ambos se queriam “abotoar” com o dinheiro do velho. O problema foi que Martins Rocha não estava pelos ajustes e resolveu fazer um novo testamento em que eles não levavam um “tusto” da sua riqueza. Podia ser velho, mas de parvo pouco teria…

Assim, não restava aos dois jovens mais que não fosse o caminho do crime, fazendo ao mesmo tempo desaparecer o testamento comprometedor para as suas aspirações. Assim, naquela noite, Marta foi levar o café ao marido, que estaria drogado (daí não haver sinais de resistência da vítima…), e ausentou-se. Esperou que a droga actuasse e foi ao escritório, para abrir a janela por onde o seu cúmplice entraria. Daí as duas rangedelas que o “Boris” ouvira. O sobrinho entrou, usando provavelmente uma escada, e matou o tio com a estatueta. E começou a desesperada busca pelo testamento. Em vão, apesar de ter remexido tudo… Em seguida saiu por onde entrou e foi guardar a escada, enquanto Marta voltava novamente ao escritório, agora para dar o alarme à Polícia. Pelos vistos ainda não sabia que o testamento não fora encontrado pelo seu cúmplice…

© DANIEL FALCÃO