Autor Data 17 de Abril de 1994 Secção Policiário [146] Competição Prova nº 1 Publicação Público |
O RELATÓRIO Gary Segunda-feira, 15 de Março
de 1993. O Inspector Barracuda olhou, distraído,
pela janela. Tinha em mãos o caso de uma jovem de 29 anos, encontrada morta,
às oito da manhã, no seu apartamento, num terceiro direito. O “achado”,
fizera-o um tal Jorge Xavier, amigo da vítima e residente no terceiro
esquerdo, que todas as manhãs a chamava para o “jogging”
matinal, juntando-se-lhes um outro amigo, do segundo andar. O médico, que confirmou o
óbito, disse que a jovem tinha sido violentamente agredida na parte posterior
do crânio, causa provável da morte. A arma do crime não fora
encontrada e ninguém podia afirmar se alguma coisa havia sido roubada: no
pequeno apartamento, parcamente mobilado, forrado com posters
de Buck Williams e Gugliotta,
entre outros, não havia indícios de roubo. O Inspector
olhou, de novo, os depoimentos dos moradores, transcritos literalmente no
relatório e fixou-se nos que lhe pareceram mais prestimosos: Depoimento da porteira do
imóvel: “Pobre menina! Saía todos
os domingos, por volta das duas, mas ontem não. Eu até disse, para os meus
botões, que a menina não saíra por causa da chuva. Não sei quem pode ter
feito uma coisa assim. Sabe, é difícil que alguém entre ou saia sem que eu me
aperceba. De dia estou sempre aqui, com a minha renda, mas não posso jurar
nada. Ás vezes vou lá dentro… Olhe, ontem, além dos
moradores, só aqui passaram, pelas três horas, uns senhores. Estiveram ali
uns dez minutos a tocar. Então, eu mesma lhes abri a porta. Vinham para os Xavier, por isso… O último a entrar, que eu
visse, foi o sr. Xavier, que chegou deviam ser umas
seis horas. Vinha a resmungar, nem sequer me cumprimentou mas devia ser por
vir todo encharcado.” Depoimento do sr. Xavier: “Não percebo… não percebo
quem fez uma coisa destas, nem porquê. Era uma excelente rapariga. E logo
havia de ser eu a encontrá-la! Vinha chamá-la, como sempre faço, às oito. Toquei
e só depois reparei que a porta estava encostada. Imaginem que até pensei que
fosse por minha causa. Empurrei-a enquanto a chamava. A luz estava acesa, por
isso vi-a de imediato, ali, no meio da sala. Julguei que estivesse desmaiada.
Acho que a abanei… O resto, os senhores já o sabem. Que manhã maldita. Se a porteira referiu que
não a cumprimentei foi porque vinha chateado: passo as tardes de domingo no
basquete. Saio após o almoço e regresso á hora do jantar. Ontem, além do
Sporting perder, apanhou-me o dilúvio, a três quilómetros daqui…” Depoimento da srª Letícia Xavier: “Que coisa horrível, não é?
Eu via-a sair todos os domingos á tarde. Apanhava aqui em frente o autocarro
e regressava, a pé, às seis e tal. Não que eu ficasse especada à espera, Deus
me livre, mas porque estou sempre à espreita para ver quando o meu Jorge
chega do jogo, para ir apressando o jantar. Ele não gosta de esperar. Ontem, pensei que talvez
tivesse decidido não sair. Por volta das três da tarde decidi passar umas
peças de roupa, mas o ferro estava a funcionar mal. Já não era a primeira vez
que tal me acontecia. Aproveitei a desculpa e fui ao apartamento dela. Ia-lhe
dizer que queria experimentar para ver se não seria das tomadas, qualquer
coisa assim, aproveitando para a convidar para um chá e dois dedos de
conversa. Costumávamos passar as tardes de domingo juntas, mas ultimamente
ela saía, como já lhe disse. Coisa de mulheres… Como lhe dizia, fui lá, mas
nem toquei a campainha porque a ouvi a gritar com alguém. Qualquer coisa como
“Estou farta! Isto não pode continuar assim!”. Claro que me fui logo embora.
Iria ser inoportuna. Se eu imaginasse o que se iria passar, queria lá saber
da oportunidade. Como chegaram uns amigos nossos, não me lembrei mais do
assunto. Até hoje de manhã…” O Insp.
Barracuda balançou os seus dois metros de altura em direcção
ao telefone: “Sempre é uma ideia”,
pensou. “Talvez seja uma espécie de Nero Wolfe da
Judiciária portuguesa.” Sorriu. Quem terá cometido o crime?
Pede-se que justifiquem as afirmações que fizerem. |
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© DANIEL FALCÃO |
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