Autor

Hal Foster

 

Data

19 de Agosto de 1976

 

Secção

Mistério... Policiário [75]

 

Publicação

Mundo de Aventuras [151]

 

 

Solução de:

VAMOS LÁ «CAÇAR» O FULANO…

Hal Foster

Solução de Miss X

1 – Penso que o criminoso terá sido António, o jardineiro.

2 – Em primeiro lugar, direi porque me parece que os outros intervenientes na história (ou no caso, se preferirem) estão inocentes. Com efeito, eu penso que esta é também uma forma de se descobrir «quem foi» (e talvez isso nem seja o mais importante), seguindo um princípio de demonstração grego: «provar algo, provando que o oposto é falso». Claro que não é exactamente assim, mas não basta dizer «foi X ou Y», porque se reparou que «olha, o fulano disse que… e o outro tinha dito que!...» Até porque isso não é tudo.

Em primeiro lugar (que, afinal. é segundo), temos a criada (um aparte – as criadas não costumam chamar-se «Cristina», pois não?...). Nada do que ela diz a pode ilibar ou incriminar, a não ser o ter dito que passara pelo corredor e, depreendêmo-lo, pela porta do escritório: mas, se fosse a culpada, por que motivo diria isto?

Claro que ela poderia ter um «bisnau» e ele justificaria (leia-se: explicaria) o roubo das jóias e do dinheiro… No entanto, alguém está a ver uma Cristina de dezanove anos «matar»?...  Quando muito, ela aproveitaria uma ausência do patrão para ir «à gaveta»

«O sr. e tio Freitas foi morto com uma faca e a criada foi buscar talheres sujos à sala…Alguma ligação possível? Já comentarei este aspecto, que me parece bastante curioso. É só terminar a justificação dos não «culpados»».

O Abel vem a seguir. Lia um livro, no parque, porque o patrão não queria que ele lesse nas horas de trabalho. Não viu nem ouviu nada, porque estava concentrado na leitura (um reparo, se lhe posso dar esse nome – parece-me que uma pessoa que considera a leitura a «sus perdição» não lê propriamente «Como Utilizar a Arma Branca», mas antes romances ou coisas do género)…  (1) Alguma coisa contra?... De facto, o móbil do crime terá sido a «massa», mas tenho a impressão de que Abel acabaria de aprender a utilizar a arma branca, antes de ir matar o patrão com a faca, se realmente ê um leitor tão apaixonado (e seria inútil mentir sobre este ponto, pois os outros imediatamente «desfazeriam» a confusão).

Manuel pensava… pensava em como seria bom ter dinheiro para… Aparece aqui o termo «dinheiro» e foi esse o móbil do crime. Mas não deve ter sido Manuel o criminoso e o motivo é análogo ao que apontei para Ilibar Abel: porque ir «acusar-se» directamente? A não ser que fosse essa mesma a sua intenção, para afastar suspeitas… mas não me parece muito lógico, neste caso,  e, além disso, a ser assim, não sairíamos daqui…

Faço agora o tal «comentário», que talvez nem mereça esse nome. É o seguinte: reparei que, nestes três depoimentos, o autor nos apresenta umas inocentes «armadilhas»:

a) Os talheres – a faca

b) Como utilizar a arma branca – a faca

c) Os electrodomésticos – a «massa»

e só a personagem que eu considerei culpada «escapa»… Isto acaba por ser uma ajuda, mas é também, e sobretudo, a prova que, como o «Sete» tem dito, isto ainda está muito verde, e o autor pensaria – não acredito! – que alguém iria «cair»? De qualquer forma, este tipo de armadilhas deverá ser (e certamente, de uma forma natural, irá sendo) progressivamente dificultado.

E, rimando vamos ao «culpado»

Se qualquer dos outros tivesse morto o sr. e tio Freitas, teria sido pelo dinheiro e pelas jóias. E foi por isso que António o matou.

No seu depoimento, começa logo por dizer algo que o poderá incriminar: «…ouvi gritos e o sr. Oliveira a chamar peio meu nome». É que o sr. Oliveira diz, apenas, que chamou «pelos criados Abel e Cristina e pelo seu irmão Manuel». Não pelo jardineiro.

Diz que «veio logo que pôde», que estava «a trabalhar aí em frente, no zimbro». E que «demorou por causa disso» e que pensa que «deve ter acontecido algo, tanto pelos gritos como pela gente que ali está». Até certo ponto, compreende-se a demora. No entanto, se nos chamam aos gritos, é costume acorrermos, excepto quando há um impedimento «real» (o que não me parece ser o caso). E ele não estaria assim tão longe (a não ser que fosse encostar a escada à árvore)… De resto, ele acaba por contar uma história um pouco fraca, estruturalmente, até porque, se ouvira os gritos (e o «seu» nome), de novo se confirma a minha opinião sobre a «distância»… (O parêntesis é para dizer que eu sei que um grito pode ser ouvido até uma certa distância, em determinadas circunstâncias, mas o parque também não seria tão grande como isso… Bom, supomos que ele estava lá a trabalhar, não é?)

Como terá agido o criminoso?

O inspector vira que a janela estava entreaberta, encostada. Uma vez que a casa do sr. e tio Freitas dista do solo 3 metros, é plausível que o jardineiro (que era, de resto. quem mais directo acesso tinha a esse tipo de objectos) tenha visto que a janela estava encostada (não deve ter sido ele a abri-la) e, sabendo da localização do dinheiro e das jóias, tenha ido buscar a escada (em relação às escadas de mão, 3 metros não é uma altura exageradamente grande) e a tenha encostado à parede. Subiu por ela e chegou até à janela. Terá entrado por seus próprios meios?... O próprio Freitas lha abriu, sem desconfiar de nada?... Na segunda hipótese, até talvez fosse mais fácil o espetar da faca.

Seguiu-se o ir buscar o «material» (a propósito de material, talvez até a faca fizesse parte do equipamento do jardineiro, embora isso fosse depois verificável, ou, pelo menos, ele já devia ter experiência desse tipo de objectos), o sentar a vítima na cadeira (se ela não estava lá já; mas é possível que tenha havido uma deslocação), e o voltar para a janela, subir para a escada, encostar a janela, descer, ir encostar à árvore a escada (para dar depois a ideia de que estava – ou estivera – realmente a tratar do zimbro). (Nota – se ele pensou isso, pensou mal: o zimbro não é árvore frondosa).

Resumindo: um crime quase inteligente. Silencioso (quando muito, um grito, talvez até sufocado pelo espanto ou pelo jardineiro), com o que a criada não terá dado por nada, e ainda menos o sobrinho da vítima, que estava no quarto… Quando às idas e vindas, no parque, mesmo supondo que o jardineiro passou perto de Abel, teremos de contentar-nos com a afirmação deste de que se concentra na leitura, esquecendo o resto, e não dando por mais nada.

Enfim, espero que seja isto o que o autor queria, e quero agradecer-lhe por me ter ajudado a passar umas horas agradáveis, a fazer e a escrever a dedução do problema, que não será um prodígio de dificuldade, mas não deixa de ter um certo interesse.

 

(1) N.O. – Será a tua opinião… No entanto, terás que admitir que ele pode ter a «sua perdição» só para livros daquele género… E publicam-se no mundo tantos livros daqueles durante um ano, que ele não lerá um décimo numa vida inteira!...

© DANIEL FALCÃO