Autor Data 9 de Outubro de 1994 Secção Policiário [171] Competição Torneio Rápidas Policiárias
1994 Prova nº 12 Publicação Público |
PANCRÁCIO, FELISBERTA, O OUTRO E A BRIGADA DE TRÂNSITO Hortonólito A noite estava fria. Escureceu
cedo e, dentro do automóvel, Pancrácio pouco via através do vidro embaciado,
onde a chuva embatia violentamente. Pelo rádio tomou conhecimento da
temperatura do ar – cinco graus centígrados. Não conseguiu conter um sorriso.
Por dentro, ele estava “quente”. O seu nível de álcool no sangue tinha vindo
a subir drasticamente desde o início da noite, quando começou o jantar de
aniversário de Felisberta, sua futura esposa. Quando saíram do restaurante,
ela insistiu em conduzir, uma vez que praticamente só tinha bebido água, mas
Pancrácio era teimoso. Não cedeu e levou a sua avante: achava-se em perfeitas
condições para guiar o automóvel. E lá iam os dois a caminho
de casa (já viviam juntos há quase dois anos), quando um azar aconteceu. Uma distracção, reflexos adormecidos pelo álcool, e o embate
na viatura que os precedia. Coisa ligeira, apenas um pouco de chapa, pensou
Pancrácio. Saiu do carro e iniciou uma pequena discussão sobre as causas do
acidente com o único ocupante do outro automóvel. Mas um azar nunca vem só.
Quando a declaração amigável de acidente ia entrar em acção,
eis que aparece uma viatura da Brigada de Trânsito da GNR,
que imediatamente parou. Aí Pancrácio tremeu. O temido “balão” apareceu nas
mãos de um agente, enquanto um outro lhe pedia a documentação: carta,
livrete, registo de propriedade do veículo, BI, etc. Foi então que Pancrácio
se apercebeu que a sua noite negra ia continuar. A carta tinha caducado há
quase um mês, mas como não possui viatura própria e só conduz a de Felisberta
em raras ocasiões, deixou andar e não tratou da sua renovação a tempo e
horas. No meio da confusão,
Felisberta chorava. Tudo isto poderia ter sido evitado, caso ela tivesse
levado o carro. Pouco tinha bebido, e a sua carta só caducava dali a pouco
mais de dois meses, como teve oportunidade de confirmar, quando um dos
agentes pediu a sua documentação. Enquanto um agente conversava com o
condutor do outro veículo, Felisberta não conseguiu controlar os nervos e
começou a gritar com Pancrácio. O agente da GNR
interveio então para fazer o teste de álcool. Pancrácio atingiu um valor
ligeiramente acima do máximo admissível, o que o impediu de voltar a
conduzir. Bem se esforçou por conseguir a compreensão do agente, mas este não
se compadeceu com a sua história: não há justificação para uma condução com
tal nível de álcool no sangue. Quanto a Felisberta, o teste nada acusou. Ia
ser ela a levar o carro até casa. Pancrácio entrou em desespero quando tomou
conhecimento de todo o processo que ia atravessar: julgamento, multa e
proibição de conduzir durante uns tempos. O condutor do outro veículo
também não estava muito bem. Para além de ter acusado álcool no sangue, com
um valor muito próximo do limite admissível para condução, não tinha qualquer
documentação para além do bilhete de identidade e do seguro. Ficou então
obrigado a apresentar a restante documentação no dia seguinte. A declaração amigável
entrou finalmente em acção – Pancrácio deu-se como
culpado – e o assunto ficou de momento por ali. Foi um Pancrácio destroçado
que se sentou no lugar ao lado do condutor, aguentando sem pestanejar os
gritos de Felisberta. No outro veículo, o condutor preparou-se para arrancar
com um sorriso nos lábios. Apesar de tudo, não se podia queixar. Para além de
ter escapado no “balão” e da falta de documentação, o carro já tinha uma
amolgadela atrás e agora ia ter um arranjo à borla. Antes da partida dos dois
carros sinistrados, os agentes comentavam a irresponsabilidade de certos
condutores. Foi então que, de repente, um deles se apercebeu que algo não
estava bem. Alguém ia ser retido para averiguações. Quem? A) Pancrácio; B) Felisberta; C) O condutor do outro
automóvel; D) Todos. |
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© DANIEL FALCÃO |
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