Autor Data 10 de Janeiro de 2010 Secção Policiário [964] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2010 Prova nº 1 (Parte I) Publicação Público |
HÁ CADA QUEDA! H. Rái Um
homem de 68 anos caiu do 14º andar de um hotel da capital onde estava
hospedado. Encontrava-se na varanda, manhã cedo, observando as aves e tirando
fotografias quando, por razões desconhecidas, se precipitou sobre a rua nas
traseiras do hotel, tendo falecido devido às múltiplas fracturas
e perfuração de órgãos vitais. No estômago não havia restos de refeição e as
análises não revelaram fármacos ou drogas no sangue. A
testemunha que deu o alarme afirmou que viu o corpo projectar-se
e cair desamparado no chão, quando esperava o autocarro das oito e vinte e
sete, que veio à hora certa. Foi ver e surpreendeu-se por o corpo não ter
grandes sinais do impacto nem grandes marcas de sangue à sua volta. Tinha os
binóculos ao pescoço, disse. Florbela,
esbelta e fraca figura, afirmou ter observado de relance, enquanto limpava e
arrumava o quarto, que o hóspede se manteve ocupado na varanda, observando o
horizonte com os binóculos e tirando uma ou outra fotografia, como acontecia
quando ficava no hotel. Não se lembrava da hora a que isso tinha ocorrido,
mas como começava o serviço às oito, não deveria passar muito das oito e dez
quando abandonou o quarto, porque este foi o primeiro que arranjou. De uma
coisa tinha a certeza: tudo ficou arrumado e a casa de banho limpinha. Aliás,
voltou lá um pouco depois para confirmar isso mesmo, porque a supervisora não
perdoava nem à própria mãe. O
empregado do bar do 15º andar, morador na rua das traseiras do hotel, revelou
ter estado no quarto pelas oito e vinte e picos, pois o hóspede tinha
telefonado a pedir um café, por ainda não poder ir tomar o pequeno
almoço, servido no restaurante do 1º andar. No entanto, depois de
bater à porta para o servir, ficou surpreendido por não obter resposta. Como
a porta se encontrava no trinco, entrou. Não encontrou ninguém no quarto, mas
lembrava-se de ter reparado que o quarto havia sido arrumado e, na varanda,
junto ao parapeito, encontrava-se uma máquina fotográfica sobre uma cadeira.
Esperou e não mexeu em nada. Como o café tinha arrefecido e o hóspede não
apareceu, levou de volta a chávena com o café e regressou ao bar, ainda não
eram oito e meia. A
supervisora do serviço de limpeza, moradora no hotel, confirmou que tinha ido
ao quarto depois dessa hora, quase se encontrando com o empregado do bar,
para fiscalizar o trabalho da criada de quartos, o que fazia sem avisar, pois
as criadas não eram de fiar – disse com rispidez e má cara. Quando entrou,
não estava ninguém no quarto. Deixou a porta aberta como de costume, pois o regulamento
a isso obrigava e ela mesma o exigia ao seu pessoal. Já há imoralidade
suficiente por aí – afirmou. Lembrava-se de que, na varanda, junto ao
parapeito, encontrava-se uma máquina fotográfica sobre uma cadeira. Embora
achasse que o quarto ficou limpo e arrumado, não deixou de ralhar com a
criada, porque não admitia que ela tivesse deixado um pêlo
da púbis no lavatório e a chave magnética no interruptor geral da electricidade do quarto. O
gerente do hotel, um homem de gostos bizarros, morador no Bairro do Alvito,
afirmou que o hóspede ficava amiúde no hotel e preferia sempre aquele quarto.
Se este não estivesse livre, reservava para mais tarde, o que era estranho,
pois ele morava precisamente no prédio nas traseiras do hotel. De qualquer
maneira, estava pesaroso por o homem estar morto, sendo uma figura tão
máscula e encantadora, apesar da idade, e gostar tanto de observar e tirar
fotografias aos passarinhos. Foi visitá-lo pouco passava das oito e um quarto
e, após uma breve discussão, como o momento não era o mais propício, saiu
como entrou. Afinal,
a máquina fotográfica sobre a cadeira registava apenas uma foto, tirada às
08:28:47 desse dia, retratando a nudez da vizinha do quarto do outro lado da
rua em frente ao quarto do hóspede. A
videovigilância do hotel confirmou a cronologia dos factos relatados pelo
pessoal do hotel. Quem
mentiu matou ou quis ilibar o autor. E quem o fez foi: A
– A criada de quartos, porque afirmou que o hóspede tirava fotografias às
aves e, na máquina, não havia qualquer ave fotografada? B
– O empregado do bar, porque disse que bateu e entrou, pois a porta estava no
trinco, e uma vez no quarto não mexeu em nada? C
– A supervisora, porque o lavatório não é lugar onde apareçam pêlos púbicos e apenas pretendia incriminar a criada e
proteger o gerente? D
– O gerente, porque tinha gostos bizarros, afirmou que discutiram, mas omitiu
que o hóspede não foi em conversas e, por isso, lançou-o da varanda abaixo? |
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© DANIEL FALCÃO |
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