Autor Data 15 de Janeiro de 1995 Secção Policiário [184] Competição Prova nº 11 Publicação Público |
Solução de: O MISTÉRIO DO CADÁVER DESCALÇO H. Sapiens A primeira pergunta – onde
logicamente devem ser procuradas as peças do xadrez – tem uma resposta que
parece óbvia: se as peças não estavam na posse do assassino nem no interior
do prédio, tinham forçosamente de estar no exterior, isto é, cá fora – quer
dizer que foram arremessadas pela janela para o terreno vizinho. Fácil, terreno
desocupado sem vedações, a janela ainda aberta… Pressentindo que a polícia
rondava o edifício, o criminoso pretendeu assim pôr a mercadoria a salvo,
pensando poder recuperá-la se conseguisse sair sem ser interceptado.
Suponho que pôs de parte a
ideia de atirar simplesmente o estojo com as peças dentro porque, além do
barulho que faria o seu impacto no solo, não havia a garantia de que ele não rebentasse
e se abrisse ao chegar cá abaixo depois de uma queda daquela altura. Seria um
problema difícil procurar as peças espalhadas no meio da vegetação e ainda
para mais de noite. Assim, optou por outra
modalidade mais segura: acondicionar as peças em embalagens mais pequenas,
menos rígidas e portanto mais resistentes à queda no solo. Mas como, se estava numa
casa vazia sem nada a que deitar a mão e o tempo escasseava? Nem a mala do
correio tinha algo que servisse. Foi então que se lembrou de… exactamente, utilizar as peúgas do morto como sacos
capazes de fazer a viagem aérea com garantia de resistência ao impacto e de
uma queda relativamente silenciosa, principalmente se arremessados para longe
da base do edifício. A ideia era boa mas tinha que ser completada: havia
naturalmente que fechar os sacos-peúgas de forma secura. Pois bem, não era preciso
ir muito longe: ali estavam os atacadores dos sapatos que, como se sabe, são
cordões muito resistentes que fazem uns nós muito sólidos. Temos assim duas perguntas
respondidas e fica-nos a principal e verdadeiramente importante: porque tentou
o criminoso queimar os sapatos? Porque pretendeu destruir a pista que eles
representavam, ao mesmo tempo que tentava uma manobra de diversão, desviando
a atenção dos investigadores para outras abordagens mais especulativas. De facto, a ficarem os
sapatos junto do morto, a pergunta lógica seria: onde estão as peúgas e os
atacadores? Qualquer cérebro mediano ligaria imediatamente os factos e poria
toda a brigada cá em baixo, de lanterna em punho, a pesquisar a área
fronteira à janela. Ensaiando a incineração dos
sapatos, tinha muitas probabilidades de levar os investigadores a acreditar
que as peúgas tinham sofrido o mesmo tratamento e durante uns tempos ninguém
mais pensaria em peúgas e atacadores. Toda a gente ficaria a magicar nas
razões da fogueira, no mistério dos sapatos queimados. Só quando o
laboratório – com uma rapidez surpreendente… – mandou o relatório informando
que além do papel do jornal e do cabedal dos sapatos, não havia sinais de
qualquer outra substância (algodão, sedas, fibras sintéticas, etc.), é que se
pôde ver que as meias e os atacadores tinham escapado à fogueira, e se não
estavam presentes, era porque tinham levado outro destino. |
© DANIEL FALCÃO |
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