Autor Data 2 de Abril de 2006 Secção Policiário [768] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2005/2006 Prova nº 4 Publicação Público |
Solução de: SMALUCO NO TRIBUNAL Inspector Boavida Desde o início das
investigações que o delegado do Ministério Público terá suspeitado que as
razões da morte de Pedro Montes estariam relacionadas com o crime de
tentativa de abuso sexual, sustentando essas suspeitas no facto de a vítima
apresentar sinais de agressão física e de ter a sua T-shirt rasgada e as
calças… caídas. Isto, claro, conjugado com o estranho facto do jovem
estudante ser visita habitual da casa de um professor “cinquentão e
solitário” com o pretexto de receber explicações de matemática e nunca levar
consigo quaisquer livros ou cadernos escolares… O procedimento do jovem
Pedro Montes de ir de mãos a abanar para as explicações de matemática não
escapou, aliás, à atenção dos seus vizinhos, nomeadamente do poeta Amílcar
Gomes, homossexual assumido, que comentou esta situação com o comerciante
Aníbal Pinto, também ele um homem solitário, como os demais habitantes do
prédio (o pintor Rizzo parece viver apenas para a
sua arte e o professor Costa nunca deu a conhecer uma sua qualquer ligação afectiva ao longo do tempo em que vive no segundo andar
daquele prédio, onde o crime ocorreu). Segundo os depoimentos do
poeta e do pintor, estes teriam saído de casa exactamente
ao primeiro toque do sino da igreja. Considerando, porém, que o poeta vive no
terceiro andar e diz que saiu quando “de repente começou a ouvir o sino da
igreja” e que o pintor habita no primeiro piso e afirma que “deitou as pernas
ao caminho assim que ouviu a primeira badalada do sino”, é óbvio que um deles
mente. Se tivessem saído ao mesmo tempo (recorde-se que o elevador do prédio
estava desactivado), seria o pintor o primeiro a
chegar à porta da rua e não o poeta! Acresce ainda que o poeta é
“incrivelmente surdo” e pode não ter ouvido o sino ao primeiro toque, ao
contrário do pintor, que não sofre de surdez e está sempre atento às
badaladas do sino por onde regula o seu “tempo”, o que reforça ainda mais a
impossibilidade de ser o poeta o primeiro a chegar à rua. Jorge Costa viu o
seu vizinho do andar de cima sair primeiro e só depois saiu o seu vizinho do
piso inferior (este confirmou, aliás, no seu depoimento, que se cruzou com o
professor à porta do prédio). Em conclusão: o pintor mente, ele não pode ter
saído de casa exactamente à primeira badalada do
meio-dia! Antes de ter sido desferido
o tiro que abateu o jovem Pedro Montes, houve discussão, agressão física…
roupa rasgada, e isto tudo não se faz em breves minutos! O homicídio ocorreu,
obviamente, antes de Jorge Costa chegar a casa. Talvez ao meio-dia, com um
tiro disparado enquanto se ouviam as badaladas do sino da igreja. É verdade
que o poeta Amílcar Gomes é incrivelmente surdo, mas decerto que ele não
deixaria de ouvir o disparo da pistola se entre o som da “morte” não se
tivesse interposto o barulho do sino. Sublinhe-se ainda que antes do tiro
terá havido gritos, luta… barulhos que só poderiam escapar a ouvidos surdos
como os do poeta! Todos desconfiavam que as
“aulas” que Pedro Montes recebia do professor não eram bem de matemática!...
Tais desconfianças despertavam naturalmente muita “curiosidade auditiva” nos
vizinhos do prédio, sobretudo nos que passavam boa parte do dia em casa e
moravam nos pisos imediatos. O poeta, coitado, por muito que se esforçasse,
dificilmente ouviria alguma coisa. Mas o mesmo não se passaria com o pintor,
que ouve bem… e que nos últimos tempos poderia ter escutado o que acontecia
no andar de cima sempre que o professor e o aluno estavam “nas explicações”… Era hábito o professor
atrasar-se para as “explicações” com o jovem Pedro Montes e o pintor resolveu
“pintar a manta”. Ele ouviu o jovem entrar em casa de Jorge Costa. Sem perder
tempo, foi até lá, tocou a campainha e o rapaz abriu a porta. Trocou dois
dedos de conversa, ensaiou alguma sedução e depois fez aproximação física,
mas… o rapaz, pelos vistos, era muito fiel ao “seu professor”. Firmemente
decidido a forçar o rapaz a satisfazer os seus ímpetos sexuais, Afonso Rizzo agrediu-o. O rapaz, para se defender, pegou na arma
que se encontrava na mesinha do hall mas, durante a
luta, o pintor apoderou-se da velha Colt 32 e
ameaçou-o de morte. Calças em baixo mas, talvez involuntariamente, devido à
excitação, carregou no gatilho e saiu bala! Depois, enquanto o “surdo”
Amílcar Gomes descia apressadamente as escadas, ainda a ajeitar a sua
“fatiota” até chegar à porta da rua, o seu vizinho do primeiro andar
encontrava-se no “piso errado” a limpar as impressões digitais que havia
deixado na arma assassina e todos os vestígios da sua presença. O pintor
desceu então desvairado pelas escadas abaixo ainda a vestir-se e quase chocou
com o professor, já o poeta ia longe. Naquela hora, Afonso Rizzo terá eventualmente pensado que, se tudo se tivesse
passado como havido sonhado, a história talvez culminasse com uma “bronca da
grossa” e também com consequências trágicas, mas para ele próprio, porque
nesse dia o professor chegou um pouco mais cedo do que era habitual!... Recorde-se que o professor
ouviu a primeira das doze badaladas quando estava a cerca de quinze metros do
cimo da calçada e estava a soar a última badalada quando chegou à porta do
prédio. Depois de ter “palmilhado” a calçada suportando o peso dos seus
cinquenta anos, é crível que o professor tenha subido as escadas do prédio
até ao segundo piso muito devagar. Quando abriu a porta de casa confrontou-se
com “um macabro achado” no hall de entrada. Era
meio-dia e sete minutos quando telefonou para a polícia. Não poderia ter sido
ele, portanto, o autor do crime… de homicídio. Não teve tempo para isso! O burburinho que, de
repente, se gerou no tribunal, acordando o detective
Smaluco, justifica-se por, mais uma vez, a justiça
ter constituído arguido durante a instrução do processo um homem que viria a
verificar-se, durante o julgamento, estar inocente. Situações destas ocorrem
com inusitada frequência, umas vezes por descuidada investigação dos homens
da Polícia Judiciária, outras por falta de preparação dos procuradores do
Ministério Público ou, ainda, por um “julgamento” apressado dos juízes dos
departamentos de Investigação e Acção Penal, sobre
quem recai muitas vezes uma excessiva carga de processos. Na história da
justiça portuguesa são inúmeros os casos de inocentes condenados ao cárcere,
enquanto os criminosos se passeiam livre e impunemente pela vida! |
© DANIEL FALCÃO |
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