Autor Data Abril de 2006 Publicação (em Secção) |
MORTE NA BANHEIRA Inspector Boavida O
subchefe Pinguinhas estava furibundo. Nunca um dia da sua já cinquentenária
vida tinha começado tão mal. O despertador não tocou de manhã, as torneiras
da sua casa na Charneca da Caparica não brotavam uma gota de água, o
automóvel só pegou de empurrão e ao chegar ao gabinete de trabalho deparou
com mais três novos processos em cima da sua secretária, onde já existia uma
imensa pilha de “casos” pendentes. Quando
estava a tratar, de uma forma apressada e improvisada, da sua higiene pessoal
na casa de banho do posto onde presta serviço, em Lisboa, o superintendente
Pezinhos chamou-o com urgência ao seu gabinete. De cara mal lavada e ainda
com restos de gel de barbear no canto da orelha direita, o subchefe
Pinguinhas perfilou-se em frente ao seu superior e nem queria acreditar no
que os seus ouvidos escutavam: o engenheiro Barbosa Ramos, que vivia ali a
pouco menos de cem metros, estava há mais de duas horas enfiado no seu quarto
de banho e não respondia ao chamamento da criada. Destacado
pelo seu superior hierárquico, o subchefe Pinguinhas dirigiu-se a casa do
engenheiro para se inteirar do sucedido. Ao chegar ao local, identificou-se à
criada e dirigiu-se de imediato ao quarto de banho. A porta estava fechada,
mas como se tratava de uma fechadura vulgar, o subchefe utilizou uma das
muitas chaves que trazia sempre consigo e conseguiu abri-la com a maior
facilidade. Lá dentro deparou com um cenário pouco agradável. Entre os
vapores da água, jazia Barbosa Ramos. A sua cabeça estava tombada sobre o
peito. E, na nuca, tinha uma brecha enorme. Pinguinhas voltou-se para a
criada e “disparou” a pergunta inevitável: O que se passou aqui? «Após
mais uma violentíssima discussão, motivada por ciúmes doentios, com a mulher
e com o irmão, o sr. engenheiro
fechou-se no quarto de banho para o seu habitual banho de imersão, que eu lhe
preparo todas as manhãs, passava muito pouco das nove horas. Voltei para a
cozinha e cerca de dez minutos depois ouvi sair o irmão, furioso, batendo com
a porta da rua. A senhora saiu por volta das dez horas, como é costume, para
a sua aula de musculação diária no ginásio que fica perto do Saldanha!» Enquanto
o subchefe Pinguinhas olhava disfarçadamente para o corpo roliço e apetecível
da criada, esta prosseguia o seu depoimento: «Eram quase onze horas e o sr. engenheiro continuava no
quarto de banho. Estranhei e resolvi bater à porta, mas não obtive resposta.
Ainda procurei ver alguma coisa pelo buraco da fechadura, mas a chave, do lado
de dentro, impediu que eu visse fosse o que fosse. Foi então que decidi
telefonar para a polícia e depois para o irmão do sr.
engenheiro e para a mulher, que devem estar por aí a
chegar.» Naquele
preciso momento irromperam pela porta da casa o irmão e a mulher da vítima,
que foram de imediato postos ao corrente da ocorrência e objecto
de interrogatório sumário, em separado. O irmão de Barbosa Ramos confessou
que naquela manhã tinha tido uma discussão acalorada com o engenheiro,
situação que era recorrente há um mês a esta parte, e que saiu furioso porta
fora quando ele foi tomar banho. A mulher do engenheiro Barbosa Ramos foi
dizendo, entre soluços e lágrimas, que amava muito o seu marido e que será
incapaz de suportar o desgosto de o perder, apesar de nos últimos tempos a
relação entre eles ter esfriado um pouco devido a ciúmes infundados do seu
esposo. O
subchefe Pinguinhas voltou ao quarto de banho do engenheiro, mirou de novo o
cadáver, olhou enternecido para a viúva, esboçou um sorriso triste para o cunhado
desta e deitou um olhar malicioso para as pernas da criada. Depois, regressou
à sala de estar, pegou no telefone, ligou para O LIDADOR… das CINZENTAS e
perguntou aos seus leitores: «Como morreu o dono da casa?» A
– O engenheiro deu uma queda na banheira. B
– O irmão perdeu a cabeça e matou-o. C
– A mulher decidiu eliminá-lo para ficar a viver com o cunhado. D
– A criada desfez-lhe a nuca por qualquer razão desconhecida.
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© DANIEL FALCÃO |
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