Autor

Inspector Boavida

 

Data

27 de Junho de 2010

 

Secção

Policiário [988]

 

Competição

Campeonato Nacional e Taça de Portugal – 2010

Prova nº 5 (Parte I)

 

Publicação

Público

 

 

Solução de:

SMALUCO E OS IRMÃOS METRALHA

Inspector Boavida

 

Os indícios recolhidos pelos investigadores permitiram sustentar que o homicídio fora cometido por duas pessoas, sendo que uma delas voltara ao local do crime depois de a vítima ter sucumbido. Conjugando esta conclusão com a informação de que “tudo indicava que Nicolau tentara denunciar os autores do seu homicídio pelos meios disponíveis, usando os processos de comunicação que o seu estado permitia”, a que acresce o desaparecimento de “algo de configuração rectangular, que deixou a marca da sua ausência numa mancha de sangue presente junto ao telefone” e o facto de o telefone, a faca utilizada como arma do crime e a caneta tombada junto ao corpo apresentarem apenas as impressões digitais da vítima, podemos concluir que:

a) Nicolau tentara denunciar por telefone o atentado de que fora alvo, usando a faca do crime para produzir os estranhos batimentos ao ver-se impossibilitado de falar;

b) Antes disso, Nicolau escrevera algo sobre o crime numa superfície rectangular (folha de papel, bloco de notas, agenda…), que um dos homicidas acabaria por recolher quando lá voltou.

Sublinhe-se, entretanto, o facto de a chuva que caiu copiosamente sobre a cidade (desde o momento em que Smaluco chegou perto da casa de Nicolau até ao fim da noite) ter molhado todas pessoas que haviam sido convidadas para a festa de aniversário da vítima. Todas… excepto Neves. Recorde-se, ainda, que apenas Neves não foi anunciado pelo polícia que ficara de plantão à porta do edifício para registar o movimento de pessoas, ao contrário de todos os outros convidados, o que significa que ele já estava dentro do prédio quando a chuva começou a cair (e quando a polícia chegou, claro!).

O metralha Neves estivera escondido no prédio (não se quis expor à chuva?... ou será que se confrontou com a chegada de Smaluco e temeu ser visto?...). Mas onde se escondeu ele? Se nos recordarmos que o elevador, que estivera inoperacional desde a chegada de Smaluco, se fizera de súbito ouvir quando chegou o médico legista, talvez possamos admitir que fora lá que Neves estivera recolhido até chegar a hora que julgou mais adequada para bater à porta de Nicolau. Para reforçar a ideia de que Neves se escondeu no ascensor e o desactivou podemos socorrer-nos do facto de ele ser mecânico de profissão.

Seja onde for que Neves se tenha escondido, de uma coisa podemos estar seguros: os “mimos para o Nicolau” estiveram sempre ao seu cuidado. Os alegados presentes de aniversário não apresentavam sinais de chuva, ao contrário dos seus portadores, que não escaparam a uma grande molha, apesar de protegidos por gabardinas. É crível que a caixa de média dimensão, quiçá originalmente ocupada pelas duas visíveis garrafas de champanhe, guardasse os sapatos calçados por Neves no momento do crime (trocados por outros, quando o cúmplice regressou ao prédio), assim como é provável que os embrulhos alegadamente carregados de presentes contivessem peças de vestuário ensanguentadas de Neves (substituídas por roupa limpa) e… o tal objecto de configuração rectangular onde Nicolau escreveu algo antes de morrer.

Tudo parece indicar que foi Neves um dos irmãos envolvidos no homicídio de Nicolau (os assassinos eram pessoas de confiança da vítima, a quem fora franqueada a porta – não havia sinais de arrombamento ou de que ela havia sido forçada). Mas quem formou com Neves a dupla assassina? Smaluco obteve resposta a esta pergunta quando olhou a rua através da janela da biblioteca de Nicolau e recordou as discussões tidas com Natália quando procuravam enquadrar o papel do antigo Regimento de Comandos da Amadora e do seu líder no período que se seguiu à Revolução dos Cravos.

No telefonema feito para Smaluco, Nicolau, ao ver-se impedido de falar, utilizou a faca que o degolara para produzir pancadas que deixassem expressa uma data de grande significado para o seu velho amigo detective e sugerissem o envolvimento de duas pessoas no seu homicídio, ao mesmo tempo que identificassem os seus nomes. Foi por isso que ele produziu os seguintes batimentos: primeiro 2 batimentos e depois 5 (o que forma o dia 25); seguiu-se 1 batimento e depois 1 outro (o que forma o mês 11); seguiram-se 7 batimentos e depois mais 5 (o que forma o ano 75). Estamos pois perante uma data formada por grupos de dois (!!!) algarismos.

Decifrada a data (25 de Novembro de 1975), estão encontrados os dois irmãos assassinos: Jaime e Neves, os nomes que formam a identidade do homem que liderava o antigo Regimento de Comandos da Amadora naquela data incontornável da nossa história recente – Jaime Neves.

© DANIEL FALCÃO